DOMINGO À TARDE
«As memórias que cada um de nós guarda daqueles tempos serão, obviamente, diversas de pessoa para pessoa, mas muitos dos estímulos que as avivam são partilhados pela maioria. E a música que se ouvia naquele tempo é um desses potentes estímulos na medida em que foi a grande e quase sempre disponível companhia para a amenizar a solidão e aquecer as saudades.
O que é que você vai fazer domingo à tarde? Que pergunta mais dura de se ouvir para quem estava confinado às condições da vida militar em cenário de guerra de contra guerrilha, longe do seu mais próximo ambiente sócio-familiar? Mas, ao mesmo tempo, essa duríssima pergunta projectava-nos para aquele dia futuro em que nos reuniríamos, de novo, aos nossos longínquos familiares e amigos para retomar uma vida de normalidade.
Os mais de 24 meses da comissão de serviço cumprida em ‘território’ Zau Évuano foram muito duros particularmente para os que não puderam gozar os mesmo dias de descanso de que outros, mais afortunados, dispuseram. Mas a dor, o sacrifício, não se medem com fita métrica nem com balança. Cada um sente as coisas à sua maneira.
E o que é que se podia fazer no domingo à tarde lá no Lufico? Há que referir que o quartel ali estava isolado de qualquer núcleo populacional onde se pudesse, pelo menos, ver outras caras que não fossem apenas as nossas. Os nossos companheiros que viveram em quartéis integrados em ambiente social, ainda que de estrutura, composição e cultura muito diversa daquela a que se estavam habituados, poderão imaginar como era apreciada a nossa possibilidade de, a cada quinze dias, irmos fazer a escolta do MVL, o que nos levava até Tomboco, a cerca de 80 quilómetros. De notar que essa deslocação representava a mais alta probabilidade de um encontro bélico, de resto confirmada pelo registo histórico de ocorrências naquele percurso, o que havia determinado a presença de apoio aéreo para aquele tipo de operação. Mas todo esse risco era esquecido ante a possibilidade de, ainda que fosse por pouquíssimo tempo, ‘socializar’ em termos mais parecidos com a normalidade.
No quartel, outras caras que não as nossas só podiam ser a do nosso capelão, as dos oficiais superiores que nos visitavam e as dos pilotos dos táxis aéreos que nos levavam os víveres frescos. A permanência do capelão constituía uma novidade muito valiosa, pelo menos para os que aproveitavam para recuperar a sua vivência religiosa. A maneira de ser e de actuar do padre jesuíta que nos tocou como capelão era apreciada por todos e, por certo, deixou boas recordações. Das visitas dos oficiais superiores nem vale a pena falar dado o seu carácter muito ‘oficial’, coisa que não permitia um convívio generalizado. Os pilotos demoravam-se pouco, é certo, mas eram muito admirados, provavelmente porque traziam uma ‘mercadoria’ muito cara: o correio. E sobre esta ‘mercadoria’ já tudo foi dito. Uns outros pilotos, no entanto, mereceram um especial acolhimento. Refiro-me aos representantes da Cuca e da Nocal…
O tempo que mediava entre as operações militares e ou serviço ao quartel era passado na gestão de assuntos pessoais, como era o caso da lavagem de roupa, redacção de cartas, etc. e o tempo livre permitia a prática do desporto (futebol, como não?) e a audição de música. Também havia o artista informal que, tocando e ou cantando, algumas vezes nos fazia esquecer o lento correr do tempo. Por sorte, a experiência do comandante da companhia de anteriores comissões, permitiu que se abrandasse o rigor da disciplina e do aprumo própria de uma unidade militar, sem nunca atingir níveis perigosos. Recordo a respeito da “informalidade” do uniforme, (bastante reduzido) que, quando se ouvia o ruído do motor do avião com o correio e víveres frescos, o pessoal se recolhia às casernas, não fosse dar-se o caso de uma visita indesejada de algum oficial superior, o que obrigaria ao traje militar do regulamento. Imagino que lá junto do comando do batalhão não era possível esta versão “light” de vida de quartel. Porém, no caso do Lufico, foi o que permitiu chegar ao fim da comissão sem grandes casos de “cachimbismo” agudo.
Também foi possível instalar um “café” onde, além de se tomar a bica e jogar às cartas, se ouvia e se cantava música, sobretudo as canções que tinham ficado para trás na metrópole. No campo musical a nossa ‘prata da casa’ não atingia o nível de um Niza… mas lá nos divertíamos na mesma.
Enfim, tudo formas de sobreviver nas condições menos desejadas que alguma vez havíamos sonhado viver. Debaixo delas fizemos amizades e tivemos vivências que ainda povoam, felizmente, a nossa memória. E ao autor deste ‘blog’ devemos estar gratos por nos manter aberto todos os canais das nossas recordações»
João Rego (Lufico)
BCaç 2877 – RECORDAR AS DATAS
Recordamos aqui, pela data do dia, véspera do Dia de S João, a caminhada feita a pé, em marcha, desde o Porto Brandão, junto ao rio Tejo, até à mata da Fonte da Telha.
Recordemos que também foi nessa altura que levamos as primeiras vacinas antes de embarcar, nas instalações duma Bateria de Artilharia de Costa, que ainda hoje existe, no morro sobranceiro à praia da Fonte da Telha. (à data, uma praia de pescadores).
DO – ACIDENTADO EM ANGOLA NA GUERRA DE ÁFRICA
DO, era o nome dado a um tipo de avião, relativamente pequeno, que servia fundamentalmente para pequenos transportes sanitários, transporte de pessoal e para o reconhecimento aéreo – RVIS.
Este, estava equipado com o motor BMW novinho, com 6 cilindros opostos, quando se acidentou.
Lamentavelmente, registou-se um morto e dois feridos.
O avião ficou completamente destruído.
Como sempre, a imaginação é posta à prova.
Foram aproveitadas algumas peças do aparelho para serem utilizados em diversos fins.
Recordo que os rolamentos dos “flaps”, partes das asas que se movimentam para orientar o aparelho nos seus movimentos em terra e no ar, foram utilizados para fazer bancos de bar rotativos, na messe de sargentos.
OS BANANAS
Por todas as “guerras”, temos sempre ouvido histórias engraçadas, dignas de registo nos melhores manuais de anedotas.
Na nossa guerra de África, muitas foram os casos que originaram situações caricatas.
No inicio da comissão, nos primeiros tempos, logo após a chegada ao “mato”, quando da nossa idas à caça, havia sempre a indicação de levarmos um rádio.
Rádio que serviria para o contacto com o quartel em caso de uma qualquer necessidade.
Ao tempo ainda existiam os ANGRC9 (salvo erro, este o seu nome), ainda do tempo da 2ª Guerra Mundial. Pesados e muito difíceis de transportar, em especial para situações de nomadização a pé, como era o caso das caçadas. Já existiam os “Racal”, rádios sul-africanos muito mais leves e maneirinhos, que serviriam para o efeito. Mas, também não havia muitos e alguns avariavam com facilidade.
A solução seria a de levar uns rádios mais pequenos, os “bananas”, assim chamados, quer pelo seu feitio curvo e pela própria cor, a da banana enquanto verde.
Mas, sendo leves, o que seria óptimo para o transporte, pois eram facilmente transportáveis, tinham um grande defeito. A uma muito curta distância do quartel, assim que um pequeno declive, “escondia” o aquartelamento, o pequeno e portátil rádio, apenas serviria de arma de arremesso, pois perdia a sua capacidade de emissão e recepção.
No fim, para as caçadas na periferia do quartel, sem qualquer rádio, foi a solução.
LISBOA – LUANDA
Aqui deixamos, em mais um ano passado, a recordação amarga do nosso embarque para Luanda a 12 de Julho de 1969.
Muitos dos que foram, não voltaram.
Muitos dos que voltaram, já não estão vivos para nos acompanharem.
De todos e para todos, aqui deixamos um grande abraço de amizade, de companheirismo que se gera, se sedimenta e perdura para sempre, quando nascido de tempos e momentos de grandes dificuldade e incertezas.
Assim foi a vida de todos nós, naqueles 2 anos, perdidos, na nossa vida.
Por mais que não queiramos, as recordações da passagem pela guerra deixa marcas que irão permanecer por todo o resto da nossa vida.
Os sons, os cheiros, as memórias, vão passando muitas vezes, como um filme, aos pedaços, sobre as nossas consciências.
Aparecem em qualquer momento, sem se saber porquê.
Vivem acumuladas, como o pó num velho sótão, que de quando em quando é visitado e limpo.
A seguir – Companhia de Caçadores 2739