Globalização e Desindustrialização – 4ª Série

Selecção e tradução por Júlio Marques Mota

 

Capitulo IV. 2. Globalização e Desemprego: as desvantagens da integração dos mercados

 

 

Michael Spence

 

MICHAEL SPENCE is Distinguished Visiting Fellow at the Council on Foreign Relations and the author of The Next Convergence: The Future of Economic Growth in a Multispeed World [1]. He received the Nobel Prize in Economics in 2001. His Web site is www.thenextconvergence.com [2].

 

(continuação)

 

Porque é que é importante

 

Uma maneira de medir a dimensão de uma empresa, indústria, sector ou a própria  economia é determinar o valor da sua produção. Mas a melhor maneira de a medir é ainda a determinação do seu valor acrescentado – ou seja, a diferença entre o valor da sua produção, o valor dos bens e serviços que produz,  e o montante dos seus custos de produção, tais como as matérias-primas e a energia que consome. (O valor acrescentado resulta da utilização do capital e do trabalho que transformam os seus consumos internos, os seus produtos intermediários, em produção final da empresa). Os bens e serviços produzidos podem ser eles próprios comprados, como produtos intermédios por outras empresas ou indústrias, os serviços jurídicos adquiridos por uma grande empresa são disso um exemplo. O valor acrescentado produzido por todas as indústrias em todos os sectores de uma economia quando adicionado representa o PIB do país.


Ao contrário do emprego, o valor acrescentado no grupo dos sectores que produzem os bens e serviços negociáveis e no grupo dos não negociáveis da economia americana cresceu  nos dois grupos e praticamente à mesma taxa desde 1990. No grupo de sectores dos bens e serviços não negociáveis onde houve  um crescimento rápido do volume de emprego, isso significa que o valor acrescentado cresceu ligeiramente mais rápido do que o volume de emprego: o valor acrescentado por trabalhador aumentou modestamente, uma média anual de 0,7 por cento desde 1990. Do lado do grupo dos bens e serviços negociáveis da economia americana, onde os níveis de emprego aumentaram muitíssimo pouco ou até mesmo nada de significativo, o valor acrescentado global e o valor acrescentado por trabalhador aumentaram muito rapidamente e o grupo de sectores dos bens e serviço transaccionáveis movimentou-se subindo  na cadeia de valor acrescentado e cresceu em sintonia com o crescimento da economia mundial. Por outro lado, enquanto que no grupo dos bens e serviços não negociáveis, o valor acrescentado por trabalhador cresceu de 72.000 para mais de 80.000 dólares entre 1990 e 2008, no grupo dos sectores de bens e serviços negociáveis o valor acrescentado por trabalhador cresceu de 79.000 para 120.000 dólares – ou, por outras palavras, enquanto o primeiro grupo cresceu cerca de 12 por cento este segundo grupo de sectores cresceu cerca de 52%.


Mais impressionante são as tendências do grupo dos sectores do grupo dos bens e serviços   transaccionáveis. O valor acrescentado cresceu no conjunto dos sectores deste grupo, incluindo as finanças, onde o emprego aumentou, e a indústria transformadora, onde o emprego sofreu uma diminuição. Na verdade, no extremo da cadeia de valor acrescentado na indústria transformadora o valor acrescentado cresceu tanto que compensa os efeitos da redução havida em termos de valor acrescentado no extremo inferior da cadeia de valor acrescentado, redução esta causada pela deslocalização da actividade económica dos Estados Unidos para outros países.

 

O valor acrescentado gerado significa rendimento criado e rendimento criado para alguém. Para os trabalhadores empregados, significa o seu rendimento pessoal, para os accionistas e outros proprietários de capital, significa lucros ou a rentabilidade dos seus investimentos, para o governo, significa receitas fiscais. Em geral, os rendimentos dos trabalhadores estão estreitamente correlacionados com o valor acrescentado por trabalhador (isto não é o caso nas indústrias extractivas e nos serviços públicos básicos ou fundamentais, onde o valor adicionado por trabalhador é muito maior do que os salários porque essas actividades são muito intensivas em capital e muito do valor acrescentado aparece como rentabilidade dos grandes investimentos por trabalhador). Uma vez que o valor acrescentado no grupo dos sectores que produzem os bens e serviços não negociáveis da economia americana sobe pouco, o mesmo acontece  à média de rendimentos neste sector. No grupo dos sectores produtores dos bens e serviços negociáveis, por outro lado, os rendimentos subiram muito rapidamente em conjunto com o valor acrescentado por empregado, devido, por um lado, aos crescentes ganhos de produtividade em algumas indústrias e, por outro, ao movimento de deslocalização dos empregos de baixos rendimentos para outros países. E, assim, uma vez que a maioria dos novos empregos foram criados na parte dos bens e serviços não negociáveis da economia, em que os salários cresceram muito pouco, a distribuição do rendimento nos Estados Unidos tornou-se então cada vez mais geradora de desigualdades…


 

O quadro geral é claro: as oportunidades de emprego e os rendimentos são elevados e crescentes, para as pessoas com elevados níveis de formação situadas no extremo da cadeia de produção de alto valor acrescentado do grupo de sectores que produzem os bens e serviços transaccionáveis da economia americana mas inversamente estão a diminuir na extremidade inferior dessa mesma cadeia, onde se produz com baixo valor acrescentado. E há todos os motivos para acreditar que estas tendências se vão continuar a verificar. Como as economias emergentes continuam a movimentar-se e a subir na cadeia de produção de valor acrescentado – e elas devem mesmo continuar a crescer – os sectores das economias avançadas produtores dos bens e serviços transaccionáveis vão precisar ainda de menos trabalho e as tarefas de mais trabalho intensivas deslocar-se-ão ainda mais para as economias emergentes.


Os trabalhadores americanos com elevados níveis de formação estão já a gravitar nas partes da produção com elevado valor acrescentado da economia americana particularmente no sector dos bens e serviços transaccionáveis. Como os economistas especializados nos mercados de trabalho têm sublinhado,  a rentabilidade no ensino e na formação elevada tem estado a aumentar. Os trabalhadores de elevada formação, e apenas estes, estão a ter mais oportunidades de emprego e estão a ter igualmente rendimentos mais elevados. A concorrência entre os trabalhadores altamente qualificados no sector dos transaccionáveis espalha-se, transmite-se ao sector dos bens e serviços não negociáveis, aumentando igualmente os rendimentos nas partes do processo produtivo geradoras de alto valor acrescentado do sector. Mas com menos postos de trabalho disponíveis na parte do processo produtivo geradores de baixo valor acrescentado no sector dos bens e serviços transaccionáveis então daqui resulta que aumenta a concorrência para empregos semelhantes no sector dos bens e serviços não negociáveis internacionalmente. Isto, por sua vez, deprime ainda mais o crescimento do rendimento na parte da produção de bens e serviços de mais baixo valor acrescentado no sector dos não transaccionáveis internacionalmente.


Assim, a evolução da estrutura da economia mundial tem efeitos diferentes nos diversos grupos de pessoas nos Estados Unidos. As oportunidades de emprego estão a aumentar para os altamente qualificados em toda a economia: estas oportunidades estão a aumentar no sector dos transaccionáveis porque a economia global está a crescer e também no sector dos bens e serviços não transaccionáveis internacionalmente porque o mercado de emprego deve permanecer competitivo com o sector dos bens e serviços que são internacionalmente transaccionáveis. Mas as oportunidades de emprego estão a diminuir para os trabalhadores de menor nível de formação.


Confrontados com um resultado económico indesejável, os economistas tendem a assumir que a sua causa é uma deficiência do mercado. As falhas de mercado aparecem através de vários canais, de várias formas, seja através das ineficiências provocadas por lacunas de informação, seja até pelos impactos não avaliáveis das externalidades, como a degradação do meio ambiente. Mas os efeitos sobre a economia americana resultantes da evolução estrutural da economia global não são uma deficiência do mercado: não é um resultado economicamente ineficaz. (Sobre a economia global, se alguma coisa se pode dizer é que ela tem sido cada vez mais eficiente.) Mas não deixa de ser motivo de grande preocupação os problemas na distribuição do rendimento que se estão a ampliar na economia global, que se estão a criar particularmente nas  economias avançadas. Nem toda a gente está a ganhar nestes países, e alguns podem mesmo estar a perder.


Embora todos beneficiem dos preços mais baixos nos bens e serviços, as pessoas também se preocupam muito com as possibilidades de estarem empregadas no processo produtivo e com a qualidade do seu trabalho. A diminuição das oportunidades de emprego são imediatamente sentidas, não acontecendo o mesmo quanto ao aumento do rendimento real resultante dos preços mais baixos. Por exemplo, de acordo com estudos recentes, um número substancial de americanos acredita que os seus filhos terão menos oportunidades de emprego do que eles tiveram. A lenta recuperação da recente crise económica pode estar a afectar estas percepções, o que significa que estas últimas se podem dissipar com a situação económica a melhorar e quando  o crescimento se voltar a verificar. Mas a evolução estrutural a longo prazo da economia global e da economia americana sugere que as questões da redistribuição do rendimento continuarão a levantar-se. Estas têm que ser levadas a sério.

 

(continua)

 

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