EM COMBATE – 80 – por José Brandão

MEMÓRIAS…

 

É tempo de exorcizar fantasmas…!

De dizer tudo aquilo que nos vai cá dentro e que calámos anos e anos…

De repente, vestem-nos uma farda verde e dizem-nos que somos soldados. Fazem-nos estudar tácticas e armamento, exercitar o físico e fazer marchas carregados como asnos.

Põem-nos uma arma na mão e somos obrigados a disparar sobre alvos móveis e fixos…

Tudo isto acompanhado de impropérios e dos mais “altos elogios” e “apelidos” que elevam o moral ao ser mais inferior… Depois são as palestras, as tácticas e técnicas de guerrilha, mas quem as ministra? Gente conhecedora e com experiência no terreno? Não! Soldados que como nós, feitos à pressa e após seis meses julgavam já estar aptos a ensinar aquilo que não aprenderam… Tivemos sorte, mesmo muita sorte…O nosso comandante de pelotão na recruta ministrada nas Caldas da Rainha era o Alferes Brito…diziam que já deveria ser capitão e estar a comandar uma companhia qualquer no Ultramar…mas não! Estava ali, porque, diziam, tinha apanhado uma “porrada” na Guiné!… Aprendemos mais com ele na recruta do que em Tavira na especialidade! Mais tarde em Angola, na Lumbala, viemos a reencontrá-lo. Era o comandante da Z.O.Leste dos GE.s (Grupos Especiais).

 

Ficámos felizes. Tinha sido feita justiça com o reconhecimento do seu real valor como militar. Com homens como ele a ensinar, a dar testemunho da sua experiência tudo teria sido mais fácil e muitas vidas poupadas…

 

Mas não, passados três meses em Tavira onde a diversão dos graduados era levar os instruendos às salinas a fim sujarem a farda e com ela o passaporte ou título de dispensa, que nos levava para fora do quartel, pelo menos por algumas horas, era o prato forte…

Um dia, depois de na Atalaia termos efectuado dos mais degradantes exercícios, através de esgotos e arame farpado, para gáudio dos instrutores que deliravam ao ver e a escarnecer do espectáculo, fizeram-nos subir ao muro e ao pórtico…Lá em cima a pernas tremiam-nos. Não de medo, mas sim de revolta, de raiva e, olhando lá ao longe as salinas e o mar e no horizonte uma linha…pensávamos para ali fica Marrocos…

 

MEMÓRIAS – PARTE II

Mas aguentamos, e, em Janeiro de 1973, esperámos ansiosamente receber a carta que ditaria a nossa sorte. Mais do que nós sofriam os entes queridos…Minha Mãe não resistiu à espera e, na véspera de receber a guia de marcha, despediu-se de todos nós…

 

Apresentei-me mais pobre no R.I. 2 em Abrantes no dia 8 de Janeiro…Ali estivemos um mês a dar recruta a soldados que formavam Batalhão para Moçambique, o B.CAÇ 4211/73, e lá tive de pôr à prova o pouco que tinha aprendido mas, que ao transmitir àqueles homens, por certo lhes seria útil dada a incógnita do que iriam encontrar… Em Fevereiro marchei até Tancos, ao Casal do Pote, onde na arma de Engenharia fui introduzido nas artes das Minas e Armadilhas. Aqui sim, o profissionalismo existia e os ensinamentos técnicos com base nas leis da física e da química, passavam além da prática, preparando-nos para o que pudéssemos vir a encontrar… Mas o IN era esperto e bem apoiado, por isso nem tudo o que ali aprendemos, na maioria baseado nas técnicas da guerra convencional de trincheira, seria o que depois enfrentaríamos, embora muitas das armadilhas da guerrilha já ali nos fossem mostradas. Por fim, de lá saímos com o crachat “Argúcia e Audácia” e regressamos a Abrantes.

Abrantes do Pelicano e das travessas de febras fumegantes e de batatas fritas estaladiças, lá para os lados do Rossio ao Sul do Tejo, na Chainça… Das partidas de matraquilhos em Rio de Moinhos no curto intervalo de almoço ou dos “raides” a Tomar, Torres Novas ou Entroncamento… Eram estas as recordações que levávamos!…

 

E de uma noite louca em que, com os amigos naturais de Lisboa e não só, decidimos ir ao arraial de Santo António a Lisboa…depois de uma “bacalhauzada” no João do Grão, corremos diversos bairros e acabamos em Alfama…Quando regressámos a Abrantes já estava a malta na parada para a formatura do pequeno almoço…Foi uma directa!

 

 

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