Um Café na Internet
(continuação)
E o jornalista, apesar da sua situação, ria-se regozijado pela entoação efeminada e ridícula com que o dos trinta anos de serviço pedia o médico.
Repetiu-se o murmúrio de vozes: discutiam como se formassem Conselho; ouviram-se passos, cada vez mais próximos, e abriu-se a porta da «sala de políticos», começando a surgir por ela um boné com galão de ouro.
— D. Juan — disse o empregado com certo acanhamento, — esta noite o senhor terá companhia… O senhor desculpe, a culpa não é minha; a necessidade… Enfim, amanhã o chefe já resolverá outra coisa. Passe o senhor…, «senhor».
E o «senhor» — assim, com entoação irónica, passou a porta, seguido de dois prisioneiros: um com uma mala e uma trouxa de cobertores e bastões; outro com um saco cuja lona marcava as arestas de uma caixa larga e de pouca altura.
— Boa-noite, cavalheiro.
Saudava com humildade, com aquela voz trémula que fez Yánez rir, e, ao tirar o chapéu, descobriu uma cabeça pequena, de cabelos grisalhos e cuidadosamente rapada. Era um cinquentão, obeso, de rosto corado; a capa parecia cair dos seus ombros, e um maço de bugigangas pendendo de uma grossa corrente de ouro repicava sobre o seu ventre ao menor movimento. Os seus pequenos olhos tinham os reflexos azulados do aço, e a boca parecia oprimida por uns bigodinhos curvos e caídos, como dois pontos de interrogação.
— O senhor perdoe-me — disse, sentando-se, — vou incomodá-lo muito, mas não é por minha culpa. Cheguei no comboio desta noite, e encontro-me num desvão cheio de ladrões que me oferecem como dormitório. Que viagem!
— O senhor é um prisioneiro?
— Neste momento, sim — disse sorrindo; — mas não o incomodarei muito com a minha presença.
E o pançudo burguês mostrava-se obsequioso, humilde, como se pedisse perdão por ter usurpado o seu lugar no cárcere.
Yáñez olhava-o fixamente: tanta timidez assombrava-o. Quem seria aquele sujeito? E pela sua imaginação agitavam-se ideias soltas apenas esboçadas, que pareciam procurar-se e perseguir-se para completar um pensamento.
De imediato, ao soar ao longe outra vez o lamuriante padre-nosso da fera enclausurada, o jornalista endireitou-se nervosamente, como se acabasse de apanhar a ideia fugitiva, fixando o seu olhar naquele saco que estava aos pés do recém chegado.
— Que tem o senhor aí?… É a caixa «das ferramentas»?
O homem pareceu duvidar, mas ao fim impôs-se-lhe a enérgica expressão interrogativa e inclinou a cabeça afirmativamente. Depois, o silêncio tornou-se longo e penoso. Uns presos colocavam a cama daquele homem num canto da sala. Yáñez contemplava fixamente o seu companheiro de hospedagem, que permanecia com a cabeça baixa, como afastando os seus olhares.
Quando a cama ficou feita e os presos se retiraram, o empregado fechando a porta com o ferrolho exterior, continuou o penoso silêncio. Por fim, aquele sujeito fez um esforço e falou:
— Vou dar ao senhor uma noite má, mas a culpa não é minha; «eles» trouxeram-me para aqui. Eu resistia, sabendo que o senhor é uma pessoa decente que sentirá a minha presença como o pior que lhe tenha podido acontecer nesta casa.
O jovem sentiu-se desarmado por tanta humildade.
— Não, senhor; eu estou acostumado a tudo — disse com ironia. — Nesta casa fazem-se tão boas amizades, que uma mais não importa! Além disso, você não parece má pessoa.
E o jornalista, que ainda não se tinha libertado das suas leituras românticas, achava aquela entrevista muito original e até sentia certa satisfação.
— Eu vivo em Barcelona — continuou o velho; — mas o meu companheiro deste distrito morreu há pouco da última borracheira, e ontem, ao apresentar-me no Tribunal, disse-me um oficial do tribunal: «Nicomedes…». Porque eu sou Nicomedes Terruño. O senhor não ouviu falar de mim?… É estranho; a imprensa publicou muitas vezes o meu nome. «Nicomedes, por ordem do senhor presidente, apanha o comboio desta noite». Venho com o propósito de me meter numa hospedaria até ao dia de trabalho e, desde a estação, trazem-me aqui por não sei que medos e precauções; e para maior escárnio, querem alojar-me com os ladrões. Já viu o senhor? Isto é maneira de tratar os funcionários de Justiça?
— E você já tem muitos anos de desempenho do cargo?
— Trinta anos, cavalheiro; comecei no tempo de Isabel II. Sou o decano da classe, e até conto com condenados políticos na minha lista. Tenho o orgulho de ter sempre cumprido o meu dever. O de agora será o centésimo deles. São muitos, não é verdade? Pois com todos me portei o melhor que pude. Nenhum se terá queixado de mim. Até houve veteranos do presídio, que, ao ver-me no último momento, se tranquilizavam e diziam: «Nicomedes, alegro-me que sejas tu».
(continua)