Divorciar não é deixar de amar (ensaio de etnopsicologia da infância) – por Raúl Iturra

 

1. O título parece contraditório. Mas, a contradição é a lógica que ensina e da qual se aprende a tese que faz parte da vida e que a estrutura. Bem diziam Hegel e Marx que a evidência é a verdade, mas que perante essa evidência aparecia uma outra realidade ou antítese, e que das duas, nascia uma síntese ou realidade perante a qual a nossa vida se organiza e estrutura. Essa síntese é parte tese e parte antítese. É o que parece ser o matrimónio e o divórcio. A tese do casamento, é o amor; a do divórcio, é deixar de amar, ou, eventualmente escolher outra pessoa para substituir a pessoa que um dia foi amada e fiel, até o ponto de terem filhos em conjunto. Esses filhos descendentes do casal que se separa estão habituados a esse pai e a essa mãe. Porém, uma pessoa substituta não acorda o amor e o carinho que existiam no lar nos tempos do amor e do entendimento entre os pais. Quase dá para dizer que quem mais sofre no divórcio são as crianças e não os pais. As crianças não têm sentimentos desenvolvidos para pensar e entender esse porque duas pessoas que se amam, acabam por entrar ao mesmo quarto mudos e sair calados. Ou a gritos que conseguem ouvir entre duas pessoas que já não se suportam. Os mais pequenos são os que mais sofrem.

 

Normalmente, pensa-se que o divórcio, como está definido na Lei Civil e no Direito Canónico, é a mais terrível cissão entre dois seres humanos no Ocidente que não conseguem suportar viver sob o mesmo tecto, partilhar carinhos, amar incondicionalmente os descendentes, concebidos em conjunto, e a ascendentes conhecidos bem mais tarde, na vida cronológica. Mas, especialmente, conhecer seres humanos novos, simpáticos, sedutores, que conquistam e avassalam a nossa emotividade. O divórcio é a estrutura que organiza um novo processo de interacção entre adultos e crianças. Os adultos, acabam por encontrar essa nova paixão, enquanto as crianças desencontram a confiança, a afectividade, o saber amar, o saber dizer com orgulho: este é o meu pai, esta é a minha mãe. Aos Domingos, nas férias, nos passeios, nas maneiras de se acarinhar. As crianças reparam, sem entender, que o mundo fica dividido em dois: os amigos (as) de um progenitor são os inimigos do outro. Enquanto eles, no meio, acabam por não saber escolher. Os mais velhos ignoram a dor da criança e não reparam no dano que a falta de ascendentes que demonstrem o seu carinho quotidiano, faz das suas emoções, palavras que não conseguem explicar os sentimentos.

 

2. No entanto, será assim tão verdadeiro que o divórcio acaba com o amor entre cônjuges, ou, por outras palavras, entre pais e mães? Não haverá desenvolvimento dos adultos no decorrer da vida, que levam um para um tipo de interesse que não tinha no primeiro dia da paixão, quando concebiam? Será que não existe uma cronologia no tempo e mudanças nos costumes, que permita essa separação que nem o adulto percebe entende que começou a existir? Quanto mais a criança! Será que a passagem do tempo ensina formas alternativas de desejar, interacções intelectuais que atraem pessoas certas? As mudanças nas formas económicas e históricas da vida. O passar da acumulação do lucro das pós guerras à globalização, procurada para um grupo social ser mais forte que o outro. Talvez pareça estar enfatizar as formas domésticas de mais-valia entre seres humanos. Então, a ética e a estética? E a educação? E o breeding de todo antigo casal?

 

3. O conceito é mitológico porque o divórcio é definido como a impossibilidade de se estar junto ao longo do tempo. Até aos anos 70 do Século XX em Portugal, as crenças e as formas de interacção, eram de grande emotividade. Aprendizagem de normas e ideias de que a mulher está em primeiro e o homem depois. Embora, dentro do lar, os comportamentos pauta vão se pelo inverso. Enquanto as crianças viam e ouviam esta contradição e não a entendiam. Hoje, já crescida a criança, até dá a sua opinião sobre os que os seus pais fazem e eles ficam embaraçados. E, quando as crianças crescem e têm os seus filhos, esta nova descendência faz desenvolver uma afectividade entre progenitores, entendem-se, comentam, recuperam a memória do passado e aprendem a não falar de ideias que já provocaram dor.

 

O divórcio, assim pensado, não mata o amor. O divórcio não envolve apenas duas pessoas. Envolve o grupo social e vamos ficando assim habituados às novas afectividades. Há um senão entre adultos: formas psicológicas de entender a afectividade, organizar a mente como se de um tribunal se tratar para entender o cônjuge. Facto que acontece menos com o passar do tempo.

 

A temática é complexa e muito extensa, mas a realidade é que o divórcio é a síntese do amor. Síntese do amor, porque a paixão acaba, morre o amor mas o carinho e o respeito continuam ao longo da vida. Especialmente quando há filhos e netos em comum, filhos que precisam do pai e da mãe, necessidade que orienta aos adultos a viver em harmonia.

 

De facto, se a paixão e o amor acabam um dia, deve, de certeza, existir por trás uma batalha de mal entendimento entre os adultos, mal-entendidos que as crianças observam, temem e procuram auxílio entre outros adultos por causa de que os seus nem conseguem falar entre eles.

 

Tinha dito que o divórcio não mata o amor, mas esse facto acontece mais tarde, quando a separação que precede ao divórcio, habitua às pessoas a viverem sós. Ou com outra pessoa parceira que não consegue substituir a filiação da criança. Não é possível esquecer que separação e divórcio acontecem depois de um cumprido tempo de desencontros entre adultos que, antigamente, eram mel com açúcar. Aliás, as crianças precisam dos seus adultos para entender o mundo e formar os conceitos que orientem a sua vida. Se esses conceitos derivam de um desencontro entre pais, é natural que, em adultos, terão medo ao amor e ao carinho: o exemplo dos seus pais tem formado uma ferida dentro dos seus sentimentos.

 

Aliás, os filhos tomam parte na luta entre os pais e há os que ficam da parte da mãe, e outros do pai. Se o caso assim for. Porque, pelo que tenho observado nas minhas investigações de trabalho de campo a maior parte das vezes que vão embora é o pai, normalmente por namoros com outra mulher, ficando assim, uma mãe abandonado sem dinheiro e com crianças para tomar conta delas, ajudar nos estudos, a se vestir e outras labores domésticos além do trabalho que faz para se sustentar e encher o bolso, porque maridos que abandonam mulher e filhos, só colaboram se são levados ao tribunal.

 

 

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