MEMÓRIAS – PARTE IV
À primeira vista tínhamos mesmo vindo cair num buraco…mas depois dando uma volta pelas redondezas verificámos que não estávamos assim tão mal…O Zambeze corria ali mesmo ao lado…o que nos garantia água com abundância. Tínhamos uma pista de aviação onde o Nord Atlas vinha periodicamente trazer correio, víveres ou transportar pessoas…Ao nosso lado o aldeia onde viviam os GE.s e seguindo a estrada, que nos levava ao rio e à barcaça que nos atravessava para a Lumbala Velha, encontrávamos a casa do Administrador e a da D.G.S. e logo a seguir a Sanzala. Em frente a esta o aldeamento dos Flechas e mais à frente a loja do civil… Era a Lumbala Nova!
Numa primeira palestra o nosso capitão começou por nos avisar que a nossa tarefa naquela região iria ser árdua. Teríamos de manter o respeito e fazer com que o M.P.L.A. não se aproximasse do nosso aquartelamento, de molde a permitir que nos fizessem qualquer ataque, o que já tinha acontecido anteriormente quando lá tinha estado como Alferes… A partir daí não mais dormimos todos juntos no nosso quartel, já que diariamente um grupo de combate se encontrava fora do arame em patrulha ou operação, normalmente para as proximidades do Lufuige, ou seja da fronteira com a Zâmbia, pois era daí que vinha o perigo (as infiltrações do M.P.L.A.).
No passado a existência de um destacamento em Caripande, posto fronteiriço entre Angola e Zâmbia, servia de tampão e matinha esse respeito, mas sofriam tantos ataques de morteiro por parte do M.P.L.A. com uma base dentro do território Zambiano, a poucos quilómetros da fronteira, que o comando do Luso mandou retirar esse destacamento. Após esse abandono por parte dos militares, Caripande morreu, tendo sido abandonado pelas populações e outros serviços lá existentes. Fomos lá numa operação…Era uma aldeia fantasma com as ruínas invadidas por vegetação. Do posto fronteiriço apenas a existência de uma barreira e de um polícia zambiano, que olhou para nós com um olhar espantado, pois há muito que não via gente do nosso lado! Estivemos por ali pouco tempo não fossem os nossos antagonistas avisados e de imediato viesse uma chuva de “ameixas”…
João Carlos Breda (ex-Furriel Miliciano)
O SALIENTE CAZOMBO
Distribuição das Forças Militares e Militarizadas
O nosso Batalhão, o 4212/73 tinha a sua Companhia de Comando instalada no Cazombo, pequena vila situada na margem esquerda do Rio Zambeze, mesmo no coração do dito saliente. O saliente é aquele quadradinho que os antigos exploradores portugueses ali deixaram saliente no mapa de Angola. Ainda hoje me questiono o que terá levado os ditos a traçar fronteiras com aquela simetria!? Seria mais fácil traçar a fronteira seguindo o Rio Zambeze, que assim daria uma fronteira natural mas, algo fez com que o quadradinho lá ficasse…
Mas, não estou aqui hoje para desvendar esse mistério… Estou sim para falar da nossa tropa e por onde ela se encontrava acantonada.
Assim, como já dissemos a C.C.S. estava no Cazombo. A nossa companhia a 1ª estava na Lumbala Nova, como também já referimos. A 2ª Companhia encontrava-se na Calunda e tinha dois destacamentos: no Lóvua e no Macondo. A 3ª por sua vez ficou instalada no Cavungo (onde a rainha dos Luenas – Nana Candundo – tinha a residência) e tinha também dois destacamentos; um no Massibi e outro no Jimbe.
Depois haviam outras companhias não pertencentes ao nosso Batalhão mas que designadas pela Região Militar Leste, com sede no Luso, ocupavam lugares estrategicamente importantes nesta área de grande infiltração por parte do M.P.L.A..
Assim, na Caianda encontrava-se uma CArt (Companhia de Artilharia), que igualmente tinha um destacamento no Jimbe. No Chilombo, a menos de 20 quilómetros da Lumbala, uma companhia de Fuzileiros, que semanalmente nos visitava para ir receber o correio que chegava ao nosso “aeroporto” no Nord Atlas…
Do outro lado do Zambeze, na Lumbala Velha, a companhia independente CCaç 4149, que mais tarde esteve no Chilombo, aquando da retirada dos Fuzileiros para Luanda (após o 25 de Abril).
Na sede do Batalhão, no Cazombo, havia ainda um Pelotão de Morteiros, que tinha as suas secções destacadas em diversos destacamentos, reforçando assim as Companhias, e um PAD, Pelotão de Apoio Directo, para intervir na área logística de viaturas: reparação e reboque.
Havia ainda as unidades militarizadas compostas pelos GEs, directamente sobre o comando do Exército Português e os FLECHAS (ex-combatentes dos chamados movimentos de libertação) sob comando da D.G.S. (ex-PIDE).
Grupos de GEs estavam distribuídos pelos seguintes aquartelamentos: Cazombo, Lumbala, Calunda (Lóvua e Macondo) e Cavungo. Os Flechas na Lumbala Nova e no Jimbe.
Depois havia que contar com os FIÉIS (tropas refugiadas do antigo Katanga – Congo Belga (Zaire), do tempo do Tchombé) e os LEAIS (refugiados da Zâmbia), ambos apoiados pelo Exército Português, auxiliando na execução de patrulhas e operações. Os Katangas estavam instalados na Gafaria (perto do Cazombo), os quais conhecíamos bem, pois passavam com frequência na Lumbala (o Serafim que o diga…punha mercurocromo ou soluto de iozina no álcool puro a ver se eles não o bebiam, pois eram grandes clientes da enfermaria…), os segundos encontravam-se acantonados na Calunda e deles nem o rasto lhe vimos…
João Carlos Breda (ex-Furriel Miliciano)