A história da fundação de Roma é a de Rómulo e Rémulo, meninos abandonados e criados por uma loba.
Esta estátua, dizia-se que do tempo dos etruscos, mas que estudos recentes parecem indicar uma vida mais recente, é reconhecida mundialmente. E é muito bonita. Os dois meninos que mamam nas tetas da loba foram acrescentados na idade média, da mesma época afinal da estátua.
É uma história bonita para início de uma cidade, esta história de resiliência de duas crianças. Porque depois, a da luta entre eles já segue noutro patamar.
As histórias de crianças abandonadas são muitas e variadas em todas as culturas. Nalgumas isso acontece em idade mais avançada (6/7 anos) e psicologicamente correspondem a um estadio de desenvolvimento em que as crianças se confrontam o terem de deixar de depender tanto dos pais, em que têm que encontrar soluções para enfrentarem sozinhas a realidade.
No caso de Rómulo e Rémulo ainda eram bebés e necessitaram de alimento que lhes terá sido dado pela loba que aqui representa não a natureza bondosa, mas o lado biológico do sustento materno, visto que ela só isso lhes poderia dar. Situações como estas deram origem aos “meninos selvagens” que poderei abordar noutra altura.
O conto de Grimm “Hansel e Gretel”, mais conhecido pela “casinha de chocolate” coloca duas crianças abandonadas pelos pais por as não poderem sustentar. Constos tradicionais portugueses (“os meninos perdidos” e “os dois pequenos e a bruxa”, por exemplo) também nos falam de uma situação semelhante.
A argúcia das crianças envolvidas, a sua vontade em não se sujeitarem ao trágico destino, aquilo a que hoje se chama “resiliência”, faz com que as personagens das histórias consigam superar os obstáculos com que se vão deparando e consigam chegar a um final feliz em que “viveram felizes para sempre”.
Que belo este teu post, Clara, como tantos outros que me penitencio por não ter vindo comentar.
Só há um “senão” nestas bonitas lendas e histórias, embora esta seja mais uma das minhas “batalhas perdidas”.O termo “resiliência”, com o sentido com que “agora se diz”, é um anglicismo, de uso absolutamente inútil em português, pois a palavra inglesa “resilience” significa “elasticidade, capacidade rápida de recuperação”, algo que tem a ver com o uso científico da palavra.Com tal uso, já existia em português o termo “resiliência”, na nomenclatura da Física, no área da Resistência de Materiais, com uma definição (como é habitual nestes domínios) rigorosa, relacionada com a capacidade de certos materias recuperarem a forma original, após serem submetidos a deformações elásticas… E o verbo “resilir” que, no “Grande Dicionário…” de J. P. Machado, correspode a: «(do latim ‘resilire’). Rescindir, anular. // Soltar-se, escapulir. // Voltar ao ponto de partida.» (!)O Diconário Houaiss, globalmente o melhor mas, em meu entender, demasiado complacente com estes desvios que têm origem na “snobeira” de umas criaturas que conseguem ser analfabetas em duas línguas (e dizem coisas como “mídia”, “aitem” e “aicone”…), acolhe a acepção científica e acrescenta-lhe a que “agora se usa”, como passível de utilização em sentido figurado.. mas sem deixar de referir a sua etimologia inglesa, ligada ao significado científico original.Mas expressões como “resistência”, “capacidade de resistência, de recuperação ou de adaptação” substituem, em meu entender com vantagem – porque com maior rigor no que se pretende transmitir, como acontece com o, por igual deficiente, “implementar”, que não clarifica a fase em que a coisa se encontra, da vaga ideia, ao planeamento, à instalação, etc – a malfadada “resiliência”, que fica muito bem – ao lado dos mídia, aitemes, aicones, pró-activos e outras patetices – e dá um certo ar de “modernidade” em colóquios e eventos similares, quase sempre, também, de escassa utilidade.
Estou inteiramente de acordo. Só conhecia a palavra resiliência da Física quando a comecei a ouvir e a ler a torto e a direito. Já um dia ma atribuíram e não percebi porque é que achavam que eu esticava e encolhia :)Outro caso é o “dramático” que passou, de igual modo, a ser usado pelos snobs da língua que pouco a sabem usar, como se tivesse o mesmo sentido do “dramatic” anglo-saxónico. Enfim, perdoai-lhes, Senhor, que não sabem o que dizem.
E eu que me julgava quase sozinho nesta luta do português!Há outros termos como detalhe, um horroroso galicismo, quando temos termos portugueses bem mais bonitos de ouvir que dizem o mesmo (Lembro num livro de Mário de Carvalho, que escreve em bom português, ter deparado com este galicismo; arrumei o livro na estante e só lhe peguei de novo passados meses). Também me irrita o uso de despoletar com o significado que usualmente aparece e que já entrou no uso corrente, como significando o seu contrário, o mesmo tendo acontecido com o implementar, quando, em português, existe o substantivo implemento mas não o verbo implementar (só me lembro da Edite Estrela falar deste último termo, mas a maioria não ouviu)… e outros.Também concordo contigo, Paulo, o Houaiss é demasiado complacente e é pena.
Pois é, Augusta. É o dramatic “, é o situation “, é o eventually ” traduzido por “eventualmente”… é uma imensidade de disparates propalada por uma caterva de deficientes culturais que, no entanto, infestam tudo o que é órgão de comunicação, seja como profissionais (?!) – que, agora que até têm um curso, convencem-se de que o canudo tem poderes mágicos, transformando os estúpidos em inteligentes e os ignorantes em sábios -, comentadores (mesmas razões), politiqueiros, “tradutores” (!!!?), locuteiros e o mais que apareça… A crença destes mentecaptos em que sabem uma língua estrangeira “universal” – o omnipresente inglês -, o que os dispensa de conhecer a sua própria língua (por isso digo que têm o “mérito” de serem analfabetos em duas línguas – uma proeza!), que atinge as mais diversas profissões e actividades, deveria ser, não um caso de “escolaridade” (que o “genial” professor Nuno, finalmente ministro, já está a reduzir a estilhas), mas de saúde pública. Uma epidemia a debelar com quarentenas de resguardo do contacto com a população saudável e simultânea formação intensiva, com obrigatoriedade de leitura dos clássicos da literatura pátria, desde a poesia trovadoresca ao autores actuais, para ver se lhes entrava nas meninges uma “consciência” da língua que os vacinasse contra as “virais” maleitas psico-somáticas.Não sou tão fundamentalista que deixe de ler o Mário de Carvalho (como diz o António, a seguir) por causa de um estrangeirismo já empoeirado e enquistado, como não deixo de ler o Eça pela influência nele exercida pelo francês (se bem que usado “em estado puro” e escrito de acordo com as regras ortográficas que obrigam a marcar a diferença pelo recurso ao “itálico” ou às aspas,…)O que me encanita é a manifestação de incultura – de desconhecimento do latinzinho ” básico -, que a actual utilização de palavras inglesas ou delas (mal) derivadas denuncia.Não me assustam neologismos pertinentes ou adaptações de termos necessários à descrição de novas tecnologias e novos problemas, próprios da evolução das sociedades. Nem a absorção, que percorre a história das línguas, formando-as, de múltiplas (e mútuas) influências, decorrentes do contacto entre povos e linguagens. O que me irrita é o tal recurso, pretensioso e desnecessário, a essas intrusões descartáveis, que podemos qualificar de “violentas” e que abastardam hoje as línguas (não é só a nossa), como não acontecia no passado, porque faltavam esses abomináveis difusores da asneira que são as novas “plataformas de comunicação” – TV e NET . Instrumentos em si mesmos admiráveis e muito úteis, mas tão perigosos como qualquer invenção humana, se mal utilizada (desde o homicídio com chave-de-parafusos à fissão nuclear)…
PauloEu não deixei de ler o Mário de Carvalho e até tentei promover os seus livros no Centro Cultural Malaposta; fiquei «chocado» ou danado por ele utilizar um galicismo desnecessário, ele que tão bem escreve na nossa língua, ele um autor que eu recomendava pelo conteúdo mas também pelo belo uso do português.
Eu percebo-te, António. Nem estava a verberar a tua atitude que, de resto, só te levou a adiar a leitura do livro por uns tempos. Apenas referi que não tomaria atitude idêntica, porque a minha avaliação da situação é diferente (o que não tem nenhuma relevância num caso deste tipo, porque ninguém coincide em tudo com outra pessoa, mesmo em questões em que, na generalidade, estejam de acordo!)Estamos rodeados de desvios do que se considera uma “utilização correcta da língua” – o que, em si, já integra certas perspectivas algo flutuantes.P.e., num programa sobre português, na Antena 2, quando eu ainda lá estava (hoje deve ter sido substituído por outro, de “ensino” do Aborto Ortofágico, já que o respectivo autor é um defensor do dito…), cheguei a ouvir, no mesmo programa, dois “ilustres” académicos defenderem, em relação ao mesmo “problema”, duas posições totalmente opostas!Outro caso: há tempos fui convidado a dizer alguns poemas, na apresentação do livro de estreia (e premiado, por um júri absolutamente respeitável) de um jovem poeta: só eu reparei no facto de aparecer – por duas vezes, creio – “grama” (unidade de medida) no género feminino: uma grama, duas gramas. O próprio autor, sabendo disso e não podendo, por doença, estar presente na sessão, enviou-me um “mail” a agradecer a correcção, explicando que sempre ouvira dizer como escrevera (e garanto-te que é um excelente poeta, que escreve muito bem, com consciência e domínio do conteúdo e da forma do que escreve e detectável informação literária). Grave é que ninguém, até o livro estar impresso, tenha dado pelo erro, desde os membros do júri (que reforço serem pessoas cuja qualidade intelectual não me oferece dúvidas), passando por editor e revisor. Grave é que ninguém tenha reparado “porque todos estão demasiado imersos no erro”: nunca comprei umas fatias de fiambre numa loja ou supermercado que não ouvisse toda a gente que me precedia a pedir “duzentas” ou “trezentas” gramas de qualquer coisa. Às tantas, mesmo gente informada torna-se “malhadiça”… Por isso, se há umas batalhas que vou travando, mesmo que as considere perdidas, há outras que já são demasiado antigas para ainda terem remédio ou merecerem esforço, embora eu próprio também não use terminologias que considero, já não exactamente “erradas”, mas desnecessárias, face à existência de correspondentes, em português de boa cepa e que exprimem exactamente o mesmo.Mas sei que já ninguém dirá, por muito que os puristas se esforcem e com razão, “pudico” (com tónica no ‘i’, que até era, antes do Aborto Ortofágico, a leitura lógica e intuitiva), em vez do “púdico” que se generalizou, mesmo sem acento que lhe valha!…Por outro lado, “controlo” e “controlar” adquiriram, pelo uso continuado, um conteúdo semântico que, em muitos casos, impede a sua substituição por uma palavra genuinamente portuguesa, adquirindo, como imigrante bem integrado, carta de naturalização…Apesar de ser considerado por muita gente uma espécie de “maníaco compulsivo”, que “está sempre a emendar os outros”… até vou tentando analisar estas coisas, evitando o “fundamentalismo” de que me acusam (e tu de certeza que também já apanhaste com pedregulhos destes), tendo sempre em mente que a língua é uma “entidade viva”, que muda mais ou menos saudavelmente, mas também pode sofrer acidentes, apanhar infecções, absorver substâncias cancerígenas, etc.
Foi minha intenção deixar algumas ideias que fui tendo enquanto visitava Roma, usando os meus conhecimentos. Fiz o 7º ano de Românicas e depois mergulhei no estudo da disciplina que segui, a maior parte dele em língua estrangeira, por não haver traduções. E fui fazendo as minhas leituras de literatura portuguesa. Ficou o que ficou.Sugiro que a vossa reflexão, que ficou entre vós, passe para um qualquer formato no blog, de modo a poder logo ser vista por todos.
.E fizeste muito bem. Eu gostei muito do que li. Pela parte que me toca, como o meu 7º. ano não foi de letras, os reparos que fiz têm a ver com a comparação entre as leituras, maioritariamente em inglês, relacionadas coma minha área de formação e profissional e as outras leituras que sempre fiz ao longo da vida em português no campo da literatura. Daí que estranhe o aparecimento súbito de termos que, até ao momento em que surgiram, não conhecíamos na nossa língua com o sentido que lhes passa a ser atribuído. O uso do termo “dramático” em português com o sentido de “ de primordial importância”, “imprescindível” (a Eva que me ajude) do “dramatic” dos anglo-saxónicos é um exemplo disso.Ouvi ontem com muito agrado o psicanalista Coimbra de Matos – que tu, Clara, certamente conheces – no programa “Câmara Clara”, e lá empregou ele a palavra “resiliência”. Fiquei KO e pensei: “E agora? Quem sou eu – nem linguista, nem psicanalista – para abrir mais a boca sobre o assunto?”Porque não nos ajudam os nossos companheiros argonautas das letras e, particularmente, o nosso linguista Joaquim Magalhães dos Santos?
Antes de continuar com as questões de português devo dizer à Clara Castilho que gostei do que li. Continua e, se saltar mais algum estrangeirismo, não faz mal, será razão para irmos debatendo a nossa língua na esperança de que o pedido da Augusta, também Clara, seja atendido. O Manuel Simões também pode dar uma ajuda.Deixem-me agora contar uma historia:No banco onde trabalho, antes da «internet», a Organização e Métodos encontrou uma solução brilhante para as comunicações internas que era constituída por um modelo com bastante espaço para escrita, com químico, modelo este precioso para comunicarmos entre todos dentro do banco, ficando o autor com uma cópia, naturalmente. A finalizar, lá vinha o espaço para a assinatura do autor da missiva, espaço esse identificado com a palavra «Rúbrica». Chamei a atenção para o erro, disse n vezes que era uma palavra grave e solicitei que, na próxima impressão, emendassem o erro. Ninguém me ouviu, o erro só foi liquidado quando todos nós passámos a ter um computador à frente e com acesso à «internet».Bem sei que uma língua que não seja viva, que não evolua terá tendência a morrer, mas estas questões que aqui temos levantado nada tem a ver com isso. Por exemplo, em Moçambique aprendi a dizer «maningue» e também «maningue, maningue» e fiquei feliz quando passei a ver a palavra incorporada na língua portuguesa, mas já tenho alguma dúvida em incorporar todas as palavras criadas pelo Mia Couto.Já escrevi muito, vou ficar por aqui.
Cometi um erro: devia ter escrito «…, mas estas questões que aqui temos levantado nada têm a ver com isso.»