Diário de bordo de 11 de Junho de 2012

 

A maioria de esquerda obtida na primeira volta das eleições legislativas  francesas e a sondagem da Universidade Católica segundo a qual a esquerda parlamentar unida obteria neste momento uma maioria, constituem o ponto de partida para a nossa reflexão. Antes de mais, perguntamos – direita e esquerda, continuam a existir? A conclusão de que já não faz sentido a dicotomia esquerda/direita, é aceite por muita gente. Outra pergunta, devemos, como acontece nas contas da Católica, considerar o PS um partido de esquerda? 

 

No seu ensaio Direita e Esquerda (Destra e Sinistra), diz Norberto Bobbio: «Os dois conceitos – “direita” e “esquerda” – não são conceitos absolutos. São conceitos relativos. Não são conceitos substantivos ou ontológicos. Não são qualidades intrínsecas do universo político. São locais do “espaço” político, representam uma determinada topologia política, que nada tem a ver com a ontologia política: Não se é de direita ou de esquerda, no mesmo sentido em que se diz que se é “comunista”, “liberal” ou “católico”. Por outras palavras, “direita” e “esquerda” não são termos que designem conteúdos definitivamente assentes. Podem designar conteúdos diferentes, de acordo com as épocas e as situações». No actual contexto histórico, na situação social que vivemos, o PS, é objectivamente um partido de direita. Todos os partidos de esquerda contêm gente de direita – porém, no PS a direita está no poder – o PS de António José Seguro disputa ao PSD de Coelho o lugar de melhor serventuário dos interesses dos grandes grupos financeiros. No momento de contar espingardas, não se pode cometer o erro de contar com o PS. Se as bases programáticas propugnam a social-democracia, a prática dos últimos governos PS é claramente neo-liberal. E Seguro, na ânsia de se mostrar mais eficaz do que Coelho, não exitará em arrumar os ouropéis que restam do arranque fundacional de 1973. É um partido de poder – o que no contexto actual, significa ser de direita.

 

Nesse caso, não vale a pena unir a esquerda? Claro que sim. Não seremos maioria, mas temos de ser práticos. Ouçamos Boaventura de Sousa Santos: «Não ponho em causa que haja um futuro para as esquerdas, mas o seu futuro não vai ser uma continuação linear do seu passado. Definir o que têm em comum equivale a responder à pergunta: o que é a esquerda? A esquerda é um conjunto de posições políticas que partilham o ideal de que os humanos têm todos o mesmo valor, e são o valor mais alto. Esse ideal é posto em causa sempre que há relações sociais de poder desigual, isto é, de dominação. Neste caso, alguns indivíduos ou grupos satisfazem algumas das suas necessidades, transformando outros indivíduos ou grupos em meios para os seus fins. O capitalismo não é a única fonte de dominação, mas é uma fonte importante. (Publicado na revista Visão em 25-08-20111)

 

O fim do conceito de esquerda e direita só fará sentido quando a vida tiver mudado e o mundo se tiver transformado num local onde não existam desigualdades sociais; a fome, a miséria, a doença, todas as chagas sociais, tiverem sido erradicadas.

 

O que, como sabemos, está longe de ter acontecido.

 

 

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