Por Júlio Marques Mota
Um texto de George Irwin é sempre um texto bem-vindo. Um texto de um grande economista inglês, um texto que honestamente se poderia recomendar ao nosso Presidente da República. Ao ministro da economia, meu antigo aluno, já nem vale a pena. Para além do discurso que o Gaspar, a que o Expresso se refere, lhe impõe na prática, a não sabermos já se há um ministro ou se há dois, restam-lhe as asneiras a esconder essa triste realidade da sua submissão. Ao Passos Coelho muito menos, porque licenciado de tempos livres, a pensar seriamente não me parece que tenha por esses tempos livres aprendido e portanto reflectir de modo sério não me parece que seja com ele, nem sequer para justificar os crimes politicamente por ele organizados contra o povo português. Resta-nos então como destinatário possível o nosso Presidente da República, economista de formação e keynesiano por edição de um livro sobre a mecânica na Economia. Pensamos que ainda será um texto que saberá ler e dizemo-lo desta forma face a tudo o que tem aprovado. Se o não sabe ler, e o texto é extraordinariamente simples, então a culpa é nossa que mantemos pessoas em altos cargos, neste caso o mais alto cargo da Nação e com esta base de percepção da realidade. Não acreditamos nesta hipótese, sinceramente.
Mas o texto abaixo que os nossos leitores vão ler diz-nos que a política seguida pelos nossos dirigentes a nível europeu e a nível nacional também “mostra uma quase total ignorância de como funcionam as economias”. Sendo assim, e não o admitindo nunca como ignorante, a nossa hipótese de partida nem que seja pelo mais elevado respeito pela função exercida, caímos numa situação ainda menos cómoda, então, pois a ser assim as políticas seguidas só se explicam ou por má-fé e maldade, a exigir a sua demissão imediata pelo povo nas ruas, nas fábricas, nas escolas, nos campos, ou por fanatismo dogmático de quem não sabe ler para além daquilo que marrou nos bancos da escola, incapaz de ligar um texto com a realidade a que o mesmo se refere. Nesta escala temos o nosso ministro das Finanças, o Gaspar a que o Expresso se refere assim, mas não o presidente da República. A conclusão é imediata então: sabe ler, sabe perceber um bom texto de economia e quando assim é, na ausência dos predicados anteriores de má-fé ou de ignorância absoluta, sabe então aplicá-lo, mas a sua aplicação exige a demissão do Primeiro-Ministro porque exige políticas no extremo oposto às que têm sido até agora seguidas. Tenha coragem, senhor Presidente, hoje é dia de Portugal e por Passos Coelho até estipulado que seja o último e então, simbolicamente pelo menos, demita-o. Tenha coragem, senhor Presidente, demita-o, marque eleições. Tenha confiança no povo português que desta vez já não será então enganado. Até porque agora, e o senhor Presidente penso que o sabe bem, a Oposição tem candidato seguro, muito seguro mesmo nesse terreno, o terreno da confiança.
Aos leitores de A viagem dos Argonautas desejo boa leitura e se alguém passar inadvertidamente por Belém, deixe este postal na caixa do correio na Presidência.
Júlio Marques Mota
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Porque é que a contracção orçamental está condenada a falhar? – I
George Irvin
Alguns políticos (e economistas) pretendem que reduzindo as despesas públicas e aumentando os impostos levará ao equilíbrio orçamental.[1] O argumento é muito familiar na Grã-Bretanha. Na verdade, é a pedra angular da “austeridade como condutor da economia à expansão” e da “diminuição do peso do Estado na economia” (Fiscal Compact imposto pela União Europeia) que toda a zona euro está a adoptar. Em particular, Angela Merkel tem promovido a ideia de que o comportamento esbanjador dos governos é a raiz dos problemas da zona euro. Esta ideia mostra uma quase total ignorância de como funcionam as economias.
A conta financeira da administração pública para uma qualquer economia nacional é fundamentalmente diferente da conta financeira das famílias ou da conta financeira das empresas. Porquê? Porque o equilíbrio orçamental é apenas uma das três contas financeiras que estão entre si interligadas e que são tomadas como representando em conjunto a economia nacional. As outras duas contas financeiras a ter em consideração, são a posição líquida externa, a balança corrente, fundamentalmente, e a terceira conta é a conta financeira do sector privado, a diferença entre a poupança privada e o investimento privado. Se uma qualquer destas três contas está em desequilíbrio, um outro desequilíbrio igual mas de sinal oposto deve existir numa ou no conjunto das outras duas contas restantes.
Um exemplo (e alguma álgebra muito simples) servirá para ilustrar o princípio acima. Admita-se então o saldo de poupança do sector privado (ou seja, das empresas privadas e das famílias), e este por definição, é expresso pela poupança (S) menos o investimento privado (I), ou simplesmente (S – I), admita-se a conta financeira líquida governamental que é, por definição, expressa pelas receitas orçamentais (T) menos as despesas totais do governo (G) ou (T – G). Seja a conta balança corrente expressa pela diferença entre as exportações (X) e pelas importações, ou seja, por X – M. Admita-se então a balança corrente, as contas externas, expressa como sendo as exportações (X) menos as importações (M), ou simplesmente (X – M). Segue-se pelas definições dadas pela contabilidade nacional que o desequilíbrio da balança corrente, a existir, é o resultado de um dois desequilíbrios nas contas do lado direito desta relação.
(X – M) = (S – I) + (T – G)
Além disso, suponha-se que ao nível do rendimento nacional existente em dado momento a poupança nacional privada e o investimento estão em equilíbrio — o termo (S – I) é igual a zero — mas que a conta corrente está numa situação de défice, ou seja, admita-se que (X – M) assume um valor negativo. Segue-se desta hipótese que a conta que expressa a situação líquida do governo, (T – G), também deve ser ela própria negativa. O primeiro ponto a sublinhar é então, que, para um dado nível de rendimento, a situação líquida das contas públicas só poderá estar em equilíbrio se e só se a soma das situações líquidas das outras contas o estiverem também.
É incrível como muitos políticos parecem estar a ignorar este princípio.
O segundo ponto é de igual modo muito importante: se o governo ignora este princípio das contas nacionais e tenta equilibrar o orçamento pela redução das despesas e/ou pelo aumento de impostos, o rendimento nacional deve cair.
Um corte nas despesas públicas ou nos gastos privados por causa do aumento dos impostos fará com que a economia entre em recessão. Além disso, como resultado da diminuição do rendimento nacional, as receitas orçamentais cairão e os gastos com o desemprego aumentam, fazendo com que a situação se agrave; ou seja, isto é o que os gregos, os portugueses, os irlandeses e os ingleses estão a viver neste momento. Naturalmente, se o rendimento nacional sofre uma grande redução, o equilíbrio externo só poderá ser restabelecido através de uma enorme redução da despesa, a que também se dá o nome de absorção — mas metade dos trabalhadores pode ser colocado fora do processo produtivo.
(continua)