Diz-se que esta semana é decisiva para a Europa, afinal mais uma porque se repararmos bem todas elas o são.
Os polos de atracção são as eleições gerais na Grécia e a situação em Espanha, país que, afundado na recessão e no desemprego se prepara para receber mais uma injecção dessa receita mágica de austeridade que irá aprofundar a recessão e ampliar o desemprego. Para “resolver os problemas”, dizem os benemerentes patrocinadores “da ajuda”, isto é, os problemas dos bancos à custa das pessoas.
Um pouco em jeito de parêntesis permitam-se que fuja ligeiramente às questões gregas e espanhola e fale de Portugal – não é tudo afinal a mesma coisa? – para elogiar a franqueza do ministro Miguel Macedo quando diz que a troika não existe “para criar crescimento e emprego”. Finalmente alguém com responsabilidades governamentais assumiu uma realidade que se mete pelos olhos dentro, sobretudo pelas carteiras dentro. O que não deixa de ser uma partida ao seu primeiro ministro e apêndices, que juram estar a trabalhar pelo crescimento económico e pela criação de emprego de braço dado com a troika.
Fechemos o parêntesis mas não percam de vista o seu conteúdo. Voltemos à Grécia e a Espanha mas não separemos os seus casos do resto da União Europeia. Vivemos hoje num laboratório económico e social para implantar a mais repugnante e desumana selvajaria capitalista.
Uma selvajaria insidiosa, requintada porque se impõe com toda a força adquirida pelos gigantes da finança invocando princípios básicos como a democracia, a liberdade individual e colectiva, o humanismo. A inversão dos valores afirma-se com perversidade em nome dos próprios valores através de rajadas contínuas de mentira, manipulação, verdades absolutas e repressão, a começar pela das ideias e da expressão.
Diz-se que a Grécia, Portugal, Espanha, Irlanda, Itália e outros são “cobaias” de tal estratégia. Já não: acho que são postos avançados onde os senhores desta guerra não aceitarão recuar em função da luta interna e mesmo das decisões democráticas das populações, porque eles se afirmam como os guardiões da democracia. A valentia grega, capaz de por em cheque os colaboracionistas da troika e correias de transmissão da selvajaria capitalista, ostentem as insígnias políticas que ostentarem, é um sinal de esperança, mas também, creiam, o indício do que todos vamos ter que passar para enfrentar este poder, que tem a frieza do dinheiro, o humanismo de uma ogiva nuclear, a sensibilidade de um cofre de banco.
Grécia, Portugal, Espanha e outros são postos avançados de uma estratégia para extinguir na União Europeia o que resta de direitos (e não “regalias, como lhe chamam) sociais, culturais e democráticos, na verdadeira acepção. Reparem que estes ataques contra o que resta do chamado “Estado social” não acontecem por exemplo nos países do centro e do leste da Europa que aderiram mais recentemente à União, porque simplesmente deixaram de ser necessários a partir do momento em que passaram num ápice do capitalismo de Estado para o capitalismo selvagem. Aos povos desses países arrasaram-lhes os direitos mostrando-lhes o novo paraíso e agora que perceberam o logro em que caíram sem nunca terem chegado a provar a democracia já é tarde e enquanto o desespero avança ressuscitam-se monstros reescrevendo a História, libertando agressivos orgulhos nacionalistas e nazis. Quem se admira dos comportamentos racistas no Europeu de Futebol na Ucrânia e na Polónia ou mesmo do terror fascista exibido em directo na TV grega é quem não conhece a Europa de hoje.
Em Espanha, com 25 por cento de desemprego, cortes brutais nos salários e nas pensões, o Estado vai cair sob a
alçada dos prestamistas internacionais e ao mesmo tempo injectará 23500 milhões euros de dinheiros públicos (a fundo perdido, claro) para “salvar” um banco.
Na Grécia vamos esperar para ver. Mas tenham como certo que Berlim e Bruxelas não se vão conformar aceitando às boas uma hipotética vitória democrática das forças da liberdade e anti-troika. As suas atitudes ficarão mais expostas, mas para tratar dos incómodos existem a asfixia económica, a discriminação, as barragens de fogo da propaganda, da mentira, da manipulação e da falta de respeito pela autonomia de decisão. E apenas para “memória futura”, apesar de pouco ou nada se falar, não esqueçamos os militares gregos e a aliança a que pertencem. Basta conversar com adidos e assessores diplomáticos em Bruxelas para se perceber que a NATO está atenta, muito atenta, ao que se passa na Grécia; e as suas intimidades com o governo islamita da Turquia não têm a ver apenas com a Síria…
Em Portugal, onde uma família com 630 euros de rendimento já se vê obrigada a pagar serviços hospitalares e medicamentos sem comparticipações o Estado acaba de disponibilizar mais 5500 milhões de euros (500 euros por pessoa) para os bancos, como quem contempla indigentes. E o governo anuncia um programa de emprego no qual explica o seu verdadeiro conceito de trabalho: estágios, bolsas, subsídios, actividade temporária, sem vínculos, nem segurança social, nem contagem de tempo para reforma.
Podem ter a certeza de que é uma receita deste tipo que a senhora Merkel e o senhor Barroso se preparam para apresentar à cimeira europeia de 28 de Junho em nome do crescimento económico e da criação de emprego. Vão revelar o conceito laboral que têm para o regime selvagem que estão a impor: trabalho precário, sem contratos, despedimentos “porque sim” e sem encargos, extinção gradual da segurança social, ou pelo menos das contribuições patronais, liquidação do conceito de reforma tal como o entendemos. Estamos perante uma recriação requintada da escravatura.
É o terror à solta. Mais do que nunca, bem podemos deixar para trás os sectarismos e unir forças. Não me restam dúvidas. Eu tenho medo do que aí vem.