EUROPA: CARTA ÀS NOVAS GERAÇÕES (2) – por Camille Toledo

Espaço Poético

Compreendo, e isto é claro,porque é que uma criança do século XX como Habermassonhaexcluir a paixão e a emoção da política. Eu aceito esta exclusão em nome do que foi o séculopassado: a idade de massas, dasfusões líricas e das fúrias nacionais que assombraram eassustaram  até hoje mesmo o espaço europeu … Gostaria também de dizer que estou de acordo com o objectivo de Habermas: salvar a ideia de uma política para lá dasnações.

Mas quero sublinharacima de tudoo seu erro! O erroprofundo, intelectual, que comete aquele que acredita que pode construir um espaçopolítico sem que existaum espaço poético.
Se eu digo “Hugo”, o nome transportaconsigouma certa ideia da República francesa.
Se eu digo “Goethe”, ou mais tarde “Heine” é então a uma certa ideiada Alemanha que nos referimos.
Para a Europa, dou-lhe os nomes que são, para mim, “sinais”: Steiner, Magris e, antes deles, Zweig ou Valéry…
Mas acima de tudo, os tradutores “invisíveis”, que, ao longo dos séculos,nos permitiramler obras escritas em línguas que não falamos.

Trata-se de uma Europa do texto, evidentemente, uma Europa literária, porquê escondê-lo? Mas nesta história literária, desenha-se sobretudo uma política e uma poética da tradução. Estes “invisíveis” tradutores formam o coro do que eu chamo: uma poética Europeia de entre-as-línguas.

A Europa é o lugar onde se publicam e se traduzemos textos e as línguas do mundo.
Desde há muito tempo,que isso foi feito por uma preocupação de poder, para garantir o controlo do saber, do conhecimento, do verso, do ritmo e das metáforas,através das quais os homens se apropriaramdo mundo.

 

Agora, numa Europa em que se cruza um pouco de Ásia, de África, das Américas, este reconhecimento da tradução como “uma poética comum” é muito mais do que uma simples aquiescência à mestiçagem. É um pensamento concreto dos conflitos, das tensõesque daí resultame é o instrumento, o esforço, para tudo isto ultrapassar.

Mas esse esforço, este pensamento da tradução devem deixar o campo exclusivo da literatura.

A nossa responsabilidade é a de criar cada cidadão do século XXI nesta política de entre-as-línguas.
Solidariedades concretas

Vejamos, agora! A “Emoção” que se sentiu durante o período de uma campanha eleitoral. Na Itália, na Suécia, na

 

Polónia, na Grécia, na Hungria… Ontem, emFrança. Umalíngua nacional é utilizada peloscandidatos que apelam a uma comum e efémeramãe do “povo”. Os candidatos têm as suas referências, as suas eloquências. Trata-se em cada uma das vezes, de escolher,para aqueles que votam, a palavra, a promessa e a língua que entram em ressonância com a palavra esperança. Neste contexto, as nações, infelizmente, têm ainda o monopólio da vibração colectiva.

Então, porquê então sublinhar esta dimensão da língua, da expressão? Exactamente, para colocar o projecto europeu em face ao que com ele se esquece em pensar.

Ou seja: a questão política de um “comum” ligado pela tradução.

 

A questão de uma língua comum que permitiria mobilizar as “solidariedades concretas” e faria da Europa, também, um espaço poético.

 

Eu, pessoalmente, sou um filho do desencanto. Eu não gosto de me sentirpreso porum discurso público. Mas devo admitir, por realismo, que não pode aí haver espaço político sem que aí haja uma palavra, um espaço poético: metáforas,referências, eloquências, humores … Eu, portanto, oponho à “solidariedade abstracta” de Habermas – que são assolidariedades do euro, do direito europeu, do interesse industrial dos membros da União, que são este mundo da austeridade e da fome em quase transformou o projecto europeu – a questão das “solidariedades concretas”.

Como construir a solidariedade entre-as-línguas?
 

Que poética para a Europa do século XXI poderia acompanhar uma cidadania das filiações múltiplas?

Até à data, os construtores da Europa têm-se sempre apenas contentado com um único argumento emocional: guerras, o século XX e o extermínio. É este argumento repetidoque me fez escrever, em diversas ocasiões, que o passado é, ainda hoje, a Constituição Europeia não escrita. Nós vivemos sob a autoridade de uma “poder de memória “.

Mas eu digo com força, aqui, que esta memória já não chega!

O que funcionoupara a geração de Kohl, Mitterrand, o que ainda deve animar Holland e Merkel, já não permitirá mais que se possam criar ascrianças do século XXI.

Temos de encontrar outra coisa. Construir uma outra coisa. Imaginar uma outra coisa.

Não apenas o peso da memória, mas também uma poética que defina um horizonte, para o futuro. Necessariamente assim,caso contrário, as Nações, pelas emoções que elas suscitam prevalecerão. EH, é este caminho que tem sido seguido. O retorno das Nações!

 

O entre-as-línguas”

 

Expliquei num livro, Le Hêtre et le Bouleau, essai sur la tristesse européenne, o que seria para mim esta”poética de ” entre-as-línguas”.

Existe um programa, no final do livro, que se desenrola ao longo demais de trinta anos: 1. a divulgação, na Europa, deuma pedagogia da tradução e da criação de uma “escola de vertigem” para as crianças que irão  nascer, afim decolocar em sintonia o ensino e a  realidadeonde as crianças seriam habituados a viver: uma realidade híbrida de ” entre” múltiplas identidades. 2. A elaboração de um “manual de história utópica” para transmitir aos alunosda Europa, não uma história escrita do ponto de vista das Nações, mas uma história da permeabilidade, dos empréstimos, das passagens,3. A criação de uma Academia Europeia das línguas e da tradução, para definir o que seria o embrião de uma política cultural Europeia. Aqui, as grandes figuras das letras, transportando esta ética da passagem, seriam chamadas para definir o corpus de obras aseremtraduzidas em várias línguas europeias. 4. Uma ligação de cidadaniaredefinidae inspirada pela figura do tradutor: o que conhece o esforço, o conflito, o lugar, a dolorosa dificuldadeem ligar duas línguas e duas culturas 5. Finalmente, o reconhecimento como línguas europeias das línguas escritas ou faladas nos países da União por aqueles que escolheriam  aíviver.Isso tornaria o chinês, o árabe, o russo, muitas línguas africanas, do hebraico, o japonês…línguas europeias.

Porque elas são-no! A Europa quis conquistar e ordenaro mundo. Ela deve agora ter que aceitar que o mundo aí se encontra, nas suas línguas.

Esta poética e a política da tradução não tem somente como vocaçãocriar solidariedades concretas, entre “outros”. Ela seria sobretudo um sinal de empenho para reporespírito na História: um empenho que, eu bem o espero, será integrado nesta viragem da Europa que quer negociar o novo Presidente francês.

Crescimento económico, diz-ele, porque não? Sem dúvida, é necessário.

 

Mas para construir que sentido? Mas para consolidar que « comum » ” ?

 

Uma Europa à “BREIVIK”

 

Eu terminarei por uma nota obscura: um vento mau sopra sobre a Europa .

Isto não é só a crise da dívida e a ameaça de uma falência da Grécia.

Uma Europa à”Breivik” está em vias de crescer.Eu apelido-a de breivik, porque esta carrega, de forma mais ou menosafirmadaas ideias deAndersBehringBreivik, julgado em Oslo pela mortede 77 pessoas, afim de, disse ele, de defendera “civilização” contra o Islão e o que ele mais odiava, o multiculturalismo.
Esta Europa à maneira de Breiviké vista e sentida como uma “civilização” atacada e ameaçada dedissolução. Ela está a conquistar a suajuventude para a sua causa, para o sacrifício. Ele ganhalugares nos parlamentos. Desde a ascensão de Jörg Haider, na Áustria, atéaomassacre de Utoya, na Noruega, estaEuropa à Breiviknão deixa de estar a alargar as suas tribunas, os seus poderes.A seurespeito, a União Europeia parece impotente ou pior ainda, parece cada vez mais ser de tudo isto bem cúmplice. Uma aliança nauseabunda se consolida entre uma Europa da razão – rigor, dívida, défice – e uma Europa da paixão identitária e xenófoba.
Eispois a razão desta urgência.

Devemos organizar o tempo de depois..

E, desde já, trabalhar nesta poética de entre-as-línguas . Para construir um “comum”, habitável, numa Europa das traduções. Um futuro, precisamente, em memória do que se passou. Uma escola do outro, dos outros, adaptada a esta época de hibridação e de metamorfoses.
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O escritor francês Camille de Toledo nasceu em 1976 e vive em Berlim. Entre outras obras é o autor de “Le Hêtre et le Bouleau, essai sur la tristesse européenne” (Seuil, 2009).

1 Comment

  1. O gajo pode ter sido manipulado e treinado pelo FSB(ex-KGB), para criar ainda mais problemas na Europa e criar facilidades ao projecto euroasiano de Alexander Dugin.

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