NOTURNO – por Fernando Correia da Silva

Um Café na Internet

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 Levantou-se. Abriu os braços, descobriu o peito. Corri a aconchegar-me contra o seu corpo. Abraçou-me, beijou-me como que em desespero. Deixei que as suas mãos me corressem o corpo todo.
 
 – Violar-te? A ti? Não, nunca! Só não quero é que me fujas. E desta vez não vais fugir…
 
 Ouvi-me a prometer, num murmúrio:
 
 – Não Júlio, eu não fujo, eu estou contigo, sossega.
 
 Descrente:
 
 – Já sou muito velho. Já vivi muito. Já vivi até demais. Uma coisa é o que se diz. Outra o que se sente. Outra ainda o que se faz. Estás em perigo de dispersão. É preciso fundir os três metais. É vital que tu sejas, mas inteira. Talvez seja prematuro, talvez não seja, mas agora vou fundi-los, vou foder-te, tira a roupa!
 
 Comecei a despir-me e ele ajudou-me. Já desnuda, pousei de costas sobre a otomana. Sugou-me os seios, fechei os olhos. De mim subiu um gemido que mais não pude controlar. Independente de mim seguiu aos solavancos, ora agudo, ora grave, a ressaltar pela escala toda. Ajoelhou-se entre as minhas pernas. Colocou as mãos por baixo dos meus quadris, puxou-me contra si, penetrou-me e nem sequer foi preciso conduzi-lo. Duro e quedo plantou-se dentro de mim. Desvairada, comecei a oscilar. Recuou, quase a retirar-se. Parei, fiquei à espera, desespero. Ataque súbito e brutal puxou-me um grito. Mais! eu pedi, eu quero mais! e não desiludiu o ariete.

 

Quisera que dos músculos às suas vísceras, das vísceras ao sangue, do sangue à alma, todo ele se entornasse dentro de mim, vórtice, espasmo, inundada fiquei, porém duro permanecia o meu amor. Onde a onda seminal? Líquidos eram apenas os meus. Fatigada, puxei-o para mim e, sobre mim, por fim ele se deitou. Beijou-me os olhos, a boca e as orelhas. Havia um pássaro ainda a latejar lá em baixo, bem o senti, braveza quente… Perturbada fiquei de novo, ouvi gemido que era meu e não sustive. Terno torna noturno turno, imensidão. Este foi verso que lhe ouvi, mas falar ele não falou. Ergui as ancas, favoreci, porém impôs passo arrastado, ó meu amor, meu amor, dá-me tudo! Vendaval de repente a sacudir-me, tracei as pernas em torno das suas ancas, colete de salvação por entre vagas, balanço, maré viva, maremoto, ó Júlio, Júlio, drapejar a exaustão. 

 

Destroçados quedamos pela orla da cama. Quisera conservá-lo sempre em mim, mas ele já vai murchando, o pegajoso, o meu pássaro em repouso. Abraçada ao bem amado, cabeça apoiada no seu peito, senti que adormecia, contentamento.
 
 De repente, ausência que me doía. Estremunhada, sentei-me na otomana. Mas ele estava na varanda inundada de luar. Vestira um roupão. Diluído em palidez olhava para mim e sorria. Sacou um cigarro do bolso e acendeu-o com o isqueiro verde. Puxou uma fumaça, puxou duas. Sosseguei. Voltei a deitar-me. De lado. A perna esquerda estendida e a direita fletida. Paixão ainda, sempre, porém agora em águas mansas, boiar entre sargaços.
 
(in QUERENÇA, EDITORIAL NOTÍCIAS – Lisboa, 1996)

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