GIRO DO HORIZONTE – Eleições para todos os gostos – por Pedro de Pezarat Correia

Ontem foi o domingo há muito anunciado das mais variadas emoções eleitorais.

 

Em França, sem surpresa, confirmou-se a condenação pelo eleitorado de Sarkozy, o parceiro menor da dupla Mercozy, que nos últimos anos se vinha encarregando de liquidar um projecto europeu de esperança num futuro que tivesse, como suporte legitimador da sua unidade, os pilares de um Estado social. Mas também não creio que haja excessivas ilusões acerca do que o pleno do PSF nos trará.

 

Na Grécia não se confirmou a surpresa que alguns, por esta Europa fora, aguardavam e outros receavam. Mas lá que a troika e seus incondicionais apanharam um susto, disso não há dúvidas. A votação nos partidos anti-tróika acrescentada da maciça abstenção (cerca de 40% grande parte da qual será uma manifestação de protesto e de descrença) mostra que a maioria dos gregos está em ruptura com um poder vergado ao estrangeiro. Apesar de os partidos aliados da troika e que são, afinal, os que através de governações danosas afundaram o país, poderem aliar-se e constituir maioria parlamentar, esta é uma maioria assente no artifício de um bónus, constitucional, é certo, mas que não expressa a vontade dos eleitores (como ilustração da informação que temos o D.N. de hoje salienta, na segunda página, um destaque em que afirma que a Nova Democracia “arrasou” as eleições, quando não chegou aos 30% dos 60% dos eleitores). A sensação que prevalece é que nada vai continuar como dantes. Até a Nova Democracia, que se pensa formará governo, já se viu obrigada a reconhecer que é necessário renegociar o memorando com a troika e a Alemanha também já deu a entender que aceita renegociar.

 

Mas houve também as eleições para a segunda volta das presidenciais no Egipto. E aí, apesar de ainda não se saberem os resultados, as surpresas anteciparam-se às eleições, confirmando o pior dos receios que eu já levantara no meu GDH de 4 de Junho. Exactamente na véspera do primeiro dia da votação o Tribunal Supremo, suspeito de ligações aos generais do Conselho Supremo das Forças Armadas, decidiu proclamar a legitimidade do seu candidato, o general Ahmed Shafiq que ainda foi primeiro-ministro da ditadura de Mubarak que acaba de ser condenado – que já era esperado –, mas além disso dissolveu o parlamento eleito nos finais do ano passado e no qual tinham maioria os partidos islâmicos supostamente apoiantes do candidato da Irmandade Muçulmana, Mohamed Mursi. Desconhece-se o essencial da argumentação do Tribunal Supremo, mas os generais do Conselho Supremo não perderam tempo em executar o acórdão. No mesmo dia o parlamento estava encerrado e os deputados impedidos de nele entrarem.

 

Tem todos os ingredientes de um golpe despudorado e levanta as maiores suspeições. Neste momento não dispomos dos resultados eleitorais nas presidenciais mas lá que tudo parece montado para que, se o candidato do Conselho Supremo das Forças Armadas ganhar – contra todas as sondagens e previsões –, possa demitir o governo sem qualquer contestação institucional, permanecendo o poder legislativo e executivo, livre de qualquer controlo, nas mãos dos generais.

 

Então e, se mesmo assim, vencer o candidato Mohamed Mursi da Irmandade Muçulmana, para que terá servido o golpe? Nesse caso terão de ser preparadas novas eleições para o parlamento e, entretanto, o Conselho Supremo irá adiando a prometida entrega do poder aos civis, com um presidente da República esvaziado de poder de facto.

 

O seu confronto com os militares será uma questão de tempo.

 

Como aqui escrevi em 4 de Junho a revolução no Egipto parece ter sido “empalmada” e a ruptura entre os islamitas e os militares perfila-se como inevitável. Na realidade não foram nem uns nem outros que estiveram na origem das enchentes da Praça Tahrir e esta parece aguardar de novo os seus protagonistas. A juventude da classe média urbana e os chamados islamitas modernistas querem ter uma palavra a dizer apesar de todos os analistas se inclinarem para uma saída que passe por um entendimento entre militares e islamitas. A verdade é que o golpe pré-eleitoral dos generais e do Tribunal Supremo não parece contribuir muito para esse entendimento.

 

As revoluções árabes ainda têm um longo percurso pela frente, que será mais de surpresas do que de soluções preconcebidas neste vizinho da outra margem do Mediterrâneo, tão próximo geograficamente mas tão distante civilizacionalmente.

 

18 Junho 2012

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