O leilão de quadros de Miró e o BPN – por António Sales

           

Há relativamente pouco tempo a Secretária de Estado do Tesouro, Maria Luís Albuquerque, anunciou à comunicação social que os quadros do pintor catalão Joan Miró (1893 – 1983) iriam ser postos em leilão pelo que, para tal, seriam consultadas as casas Sotheby’s e Christie’s. Dos 85 quadros do pintor surrealista, que se encontravam na posse daquele Banco e agora guardados nos cofres da Caixa Geral de Depósitos, nem todos poderiam ser vendidos dada a circunstância de estarem apenas à sua guarda. A Secretária Geral do Tesouro não informou quantos iriam à praça, mas teve o cuidado de frisar que o leilão seria transparente como se entre nós tivéssemos dúvidas sobre a transparência das coisas públicas. Todas as semanas, disse a drª Maria Luís Albuquerque, tem recebido no seu gabinete propostas sobre os quadros de Miro o que, digo eu, só atesta o interesse internacional por aquele acervo do pintor.

           

 Tudo isto seria normal se fosse um particular “à rasca” que pusesse os quadros em leilão. Deixa de o ser, quanto a mim, quando se trata do governo de uma nação, também à rasca, revelando uma notável insensibilidade artística e cultural. Verdade que, sem mais aquelas, vende um espólio valioso como se fosse um palacete desabitado ali para o Campo de Santana, atuando como senhor absoluto cá do quintal. Suponho, mas talvez  a minha ignorância esteja a iludir-me, ao ser nacionalizado o BPN ficou tudo a pertencer à nação desde dívidas, móveis e outras coisas mais, nomeadamente os objetos artísticos. Vendido o BPN ao BIC o resto fica por conta da casa, ou seja, os quadros (aqui em causa) passam a pertencer ao Estado. Estou certo ou estou errado?

        

Disse o senhor Lourenço Soares, que foi administrador do BPN, perante uma Comissão Parlamentar, que o Estado não tem propriedade sobre os quadros porque a propriedade destes é das offshores. Mas com isso não estou incomodado porque estou para as offshores como o primeiro-ministro para as eleições: Que se lixem! Já o mesmo não digo quanto ao mercantilismo governamental que leva tudo à frente na sua voracidade pelo dinheiro e prepara-se para fazer sair da pátria um conjunto de pinturas de um dos mais mundialmente cotados surrealistas. Na minha santa ingenuidade pergunto: Podem ou nã0 os quadros ficar na posse do Estado? O Estado é obrigado a vendê-los? Se não porque os vai vender?

           

Confesso-me bastante  confuso perante o silêncio da intelectualidade da nossa praça, sobre a anunciada transação da pintura de Miro por dinheiro vivo. Na televisão só ouvi um senhor cujo nome não fixei, apelar ao bom senso do governo, coisa que normalmente lhe falta. Perplexo entre o à vontade de uns e a preguiça de outros dou comigo a pensar nas amarguras de quem vem dos velhos tempos, como um fantasma, a clamar pela defesa da arte e da cultura.

            

 A comunicação social deu a notícia, mas salvo o caso de algum comentário que não li passou à frente desinteressada por mexer num tema que não rende audiências. O Secretário Geral da Cultura, o nosso conhecido Francisco José Viegas, mantêm-se calado como um rato. A posição é cómoda contudo pouco curial com o lugar que desempenha na governança nacional pois seria bem melhor que viesse a terreiro dizer se concorda ou discorda desse tal leilão. As suas responsabilidades acrescidas implicam uma posição São os chamados ossos do ofício.

           

Esta catacumba de vozes adormecidas não ouso julgar-me a única acordada  admito até incapacidade liberal (novo tipo de doença  esclerótica) para  apreciar o caso. Que importa, afinal, se o governo vende os Miro se não comemos nem uma carcaça com margarina com eles em casa? O leilão dos quadros sempre vai buscar uns milhões de euros para fazer baixar o défice e a dívida pública e isso é o essencial neste momento. De facto, como não vi isto, meu deus! Já agora, seguindo este raciocínio, podíamos juntar aos Miro os seis painéis do retábulo de S. Vicente e a Custódia de Belém. Caramba, era mais um patacão!

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