SALAZAR E A I REPÚBLICA – 29 – por José Brandão

1916 – A República em alvoroço

 

Sábado, 29 de Janeiro de 1916. Assaltos a estabelecimentos comerciais em Lisboa .

No fim de Janeiro, em Lisboa, mas também no distrito de Évora e em alguns locais no norte do país, verificam-se assaltos a estabelecimentos comerciais. Para além destes acontecimentos, registaram-se ainda conflitos com a Guarda Nacional Republicana e atentados bombistas. Na capital efectuam-se rusgas a bairros operários. Os presos foram levados para bordo do Zambeze e do Zaire. Almeida Ribeiro, na qualidade de Ministro do Interior, fala de um movimento político «hostil à organização social em que vivemos». No princípio de Março seriam dissolvidas a União Operária Nacional, a União dos Sindicatos Operários de Lisboa e as Federações Metalúrgica e da Construção Civil.

Em 10 de Março de 1916 o governo de Afonso Costa, face à situação de guerra com a Alemanha, pede a demissão do ministério para negociar a constituição de um Governo de União Nacional, um executivo que, à semelhança do que se passava noutros países beligerantes, incluísse ministros de vários quadrantes políticos.

Dois dias depois o decreto n.º 2270 habilita as autoridades policiais ou administrativa com os meios indispensáveis para coibirem qualquer abuso ou falta de civismo nocivo aos interesses públicos. Podem apreender, ou suspender, periódicos ou outros impressos, escritos ou desenhos de qualquer modo publicados, nos quais se divulgue boato ou informação capaz de alarmar o espírito público ou de causar prejuízo ao Estado, no que respeita, quer à sua segurança interna ou externa, quer os seus interesses em relação a nações estrangeiras, ou ainda aos trabalhos de preparação e execução militar. Não são permitidas, de igual modo, afirmações ofensivas da dignidade ou decoro nacional.

A 16 de Março de 1916 é constituído o governo dito de «União Sagrada». Embora a designação deste Executivo prometesse um largo espectro político partidário, à semelhança do que aconteceu na Europa, nomeadamente em França, a sua composição, no entanto, apenas incluía democráticos e evolucionistas e um independente, deixando de fora vários partidos do campo republicano, bem como católicos e monárquicos. Tinha, ainda assim, o apoio de unionistas e socialistas. A Presidência (acumulada com as Colónias) coube a António José de Almeida, líder do partido evolucionista, ficando os democráticos com as pastas chave: Finanças (Afonso Costa), Guerra (Norton de Matos), Estrangeiros (Augusto Soares). Para além destes, faziam parte do Ministério: António Pereira Reis com a pasta do Interior; Luís Augusto Pinto Mesquita de Carvalho, com a Justiça; Azevedo Coutinho com a Marinha; António Maria da Silva com o Fomento, pasta que transitou para Fernandes Costa; e Joaquim Pedro Martins com a Instrução. Pereira Reis cederia a pasta a outro independente, Brás Mouzinho de Albuquerque.

Terça-feira, 28 de Março de 1916. Pela Lei n.º 495 os periódicos e outras publicações periódicas passam a estar submetidos à censura prévia, enquanto durar o estado de guerra. Os jornais passariam a ostentar, em espaço branco, as partes do texto cortadas pela censura.

Sexta-feira, 14 de Abril de 1916. O governo da «União Sagrada» leva ao parlamento uma proposta de amnistia, apresentada pelo Presidente do Ministério e subscrita por todos os ministros. Apesar desta aparente unanimidade, espalhou-se pela Lisboa política o boato de abertura de uma crise ministerial, tendo António José de Almeida pedido a demissão colectiva do Ministério.

Início de Junho de 1916. Os cidadãos entre os 20 e os 45 anos são chamados a prestar serviço militar. O país ficaria gradualmente privado de parte significativa da mão-de-obra activa.

O Decreto n.º 2498 procura atenuar os prejuízos e reduzir ao mínimo os transtornos acarretados aos cidadãos pela sua chamada ao serviço militar, concedendo, designadamente, subvenções às famílias no caso de estas não disporem de outros meios de subsistência.

31 de Agosto de 1916. Restabelecimento da pena de morte. A República abre uma excepção à abolição da pena de morte no «caso de guerra com país estrangeiro, em tanto que a aplicação dessa pena seja indispensável e apenas no teatro de guerra». Esta medida é muito discutida, nomeadamente pelo deputado socialista Costa Júnior. A Lei n.º 635 de 28 de Setembro de 1916, altera várias disposições da Constituição.

Quinta-feira, 26 de Outubro de 1916. Regulamentação da questão cerealífera.

O Decreto n.º 2691 determina a obrigatoriedade de venda do trigo à Manutenção Militar. As necessidades decorrentes do conflito suscitaram uma maior intervenção do Estado na vida económica. A ideia base destas medidas era conter a subida dos preços agrícolas, possibilitando a manutenção das cidades «alimentadas». Os grandes agrários ficam descontentes pois perdem oportunidades de lucro.

Em 1913-1914 as contas da gerência apresentaram um saldo de 600 contos e, orçamento de 1914-1915, Afonso Costa previu um superavit de 3742 contos. No entanto, para além destes excelentes resultados, a política económica de Afonso Costa foi, de um modo geral um completo falhanço.

Continuava a verificar-se a fuga de capitais para o estrangeiro; a taxa de cobertura das importações não cessava de decair, nomeadamente devido à diminuição das exportações de produtos industriais.

A 30 de Novembro de 1916 o Decreto n.º 2896 permite a assistência religiosa a militares. A República, no contexto da guerra, dá abertura à Igreja Católica na vida militar, o que constitui um sinal positivo no relacionamento mútuo.

Quarta-feira, 13 de Dezembro de 1916. Revolta militar chefiada por Machado Santos.

Encabeçando forças militares que aguardavam o embarque para o teatro de operações em França, Machado Santos sai de Tomar em direcção a Abrantes. Seria preso no dia seguinte e levado para bordo do Vasco da Gama. A insubordinação militar verificou-se também na Figueira da Foz e em Castelo Branco. A ideia era cercar Lisboa, a partir de Tomar. Publica-se um falso número do Diário do Governo, com a demissão do Ministério e a nomeação de um outro, da presidência de Machado dos Santos. O estado de sítio é declarado.

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