O «INDEX» DO OPUS DEI – por Carlos Loures

 O chamado «índex» do Opus Dei proíbe 79 livros de autores portugueses – é uma noticia que desde anteontem circula sem contudo haver um acesso à lista. A proibição emanada de uma ordem religiosa  não tem qualquer efeito no mercado ou, se tem, é um efeito positivo. A tal lista, que não aparece publicada, falando-se de autores como José Saramago, Eça de Queirós, Vergílio Ferreira, Lídia Jorge, apenas tem valor para os membros da Ordem. De resto, usando o impulso de transgressão, pode funcionar como elemento de marketing e poderá mesmo (oxalá que sim) potenciar as vendas dos autores abrangidos.

A comparação com o índex é disparatada e demagógica. Os livros postos no Index, se encontrados, punham em risco a segurança de quem os possuísse – livros, autores e possuidores das obras, ficavam sob a alçada do Santo Ofício. O Index Librorum Prohibitorum (lista de livros proibidos), foi uma das muitas decisões saídas do Concílio de Trento, que decorreu entre 1545 e 1563. O Index entrou em vigência em 1559 e foi promulgado por Paulo IV. Sopravam os ventos da Reforma e livros que contrariassem os dogmas instituídos, não podiam circular. A censura prévia evitava os mecanismos repressivos – se o responsável local apunha o  nihil obstat, nada obsta, de seguida vinha o despacho favorável ou imprimatur. Em 1948 ainda saiu uma última edição e em 1966, o papa Paulo VI aboliu o Index..

 A Real Mesa Censória foi criada em 1768 quando o Marquês de Pombal retirou à Igreja o controlo e a censura dos livros. O desrespeito pelos dogmas preocupavam-no menos do que a perturbação da ordem política. Uma estrutura mista de funcionários régios e eclesiásticos, submetidos à disciplina do Estado, censurava os livros, decidindo o  que podia ou não ser editado. As verbas para custear as despesas deste organismo, vieram dos bens confiscados à Companhia de Jesus . Após a morte de D. José em 1777, Roma, reivindicou a restituição do direito de censura sobre as publicações para os membros eclesiásticos, mas Pio VI delegou na Real Mesa Censória a jurisdição eclesiástica sobre a matéria. Em 1787 a Real Mesa Censória foi extinta e substituída pela Mesa da Comissão Geral sobre o Exame e Censura dos Livros. Durante a vigência do regime salazarista, os livros proibidos eram retirados do mercado – autores e editores sujeitavam-se a penas de prisão.

 A proibição do Opus Dei não pode ser comparada a nenhum destes mecanismos, pois apenas afecta os seus membros. É legal. Uma ordem religiosa, dita leis para o seu interior – muitas outras organizações religiosas o fazem – é estúpido, define o carácter repressivo de uma organização que tem sido associada a negócios mafiosos, mas assiste-lhe todo o direito de orientar as leituras dos seus membros. Quem aceita usar um silício, também pode privar-se do prazer de ler autores como o Eça, como o Saramago ou como qualquer dos outros que constam da tal lista. Não temos nada a ver com isso. Só é preciso estar atento ao que os professores membros da ordem vão fazer. A aplicação aos alunos das proibições desta lista, impedindo-os de conhecer obras com Os Maias ou  Memorial do Convento, deve ser prontamente denunciada. E, nessa altura, mover campanhas para que criaturas que colocam os seus deveres para com uma ordem acima da deontologia profissional sejam impedidas de ensinar. Ao primeiro sinal de que essa perversão deontológica está a ocorrer, deve ser denunciada e impedida. Para já é, quanto a mim, uma decisão interna.

Compreendo a repulsa e entendo o marketing. Mas a histeria é um bocado ridícula e a comparação com o índex e com as fogueiras inquisitoriais… Limito-me a ficar espantado como uma ordem que se afirma acompanhar a evolução das mentalidades e reger-se pelo pragmatismo, cai na esparrela de deixar sair para o exterior um sintoma de tão repugnante tacanhez. Custa a acreditar.

2 Comments

  1. Que lhe ides fazer, Carlos? Adivinha quant@s escritora/es galegos estarão na tal da lista… tod@s? Eles defendem os seus interesses, nada pios, por certo. Se isso passa por fazer dos seus uma banda de ignorantes, tanto lhes tem. Quem se importa com literaturas ou músicas? O importante é manter o negócio.

  2. Não se pode fazer nada. O Opus Dei é ums ordem religiosa e tem o direito de ditar normas para os membros da ordem. Se eles seguem ou não essas normas, também é com eles. O Opus Dei é uma organização com negócios pouco claros e isso devia ser objecto de acção policial. O que o Opus Dei autoriza ou proibe não me interessa. O que me interessa (e creio que deve interssar todos nós) é se os professores que sejam seguidores da ordem, vão proibir os alunos de ter acesso aos autores da tal lista. Isso, a acontecer, configura uma violação do código deontológico da carreira docente e só pode ter uma solução – a imediata expulsão do Ensino. Mas fica exposto o carácter mesquinho, a tacanhez intelectual e os resquícios de repressão inquisitorial dessa coisa desprezível a que chamam Opus Dei.

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