RETRATOS, IMAGENS, SÍNTESE DOS EFEITOS DA CRISE DA ZONA EURO SOBRE CADA PAÍS

ITÁLIA, DEMOCRACIA PRECÁRIA, por  OLIVIER FAVIER.

Selecção e tradução por Júlio Marques Mota

 (DO SITE ON NE DORMIRA JAMAIS)

mapa itália

Parte III

(continuação)

O espectro do fascismo: o “século curto” numa emboscada.

Os “fascistas do terceiro milénio”, como se auto-proclamam os membros da Casapound, apresentam listas autónomas nas eleições de 24 e 25 de Fevereiro. O seu sincretismo cultural, o seu discurso social inspirado pela República de Salò (1943-1945), a sua mistura hábil de respeitabilidade e de violência de rua, fazem dele o ferro de lança da renovação fascista em Itália, bem como um modelo admirado pela extrema-direita europeia. Os seus líderes beneficiaram mesmo  de duas horas de entrevista na rádio Courtoisie em Paris a 6 de Fevereiro. O intérprete da emissão fez verdadeiras proezas para considerar como “fascismo cultural” adesões que são muito claramente adesões ao ‘fascismo’ puro e simples.

O Casapound faz parte de uma larga nebulosa de que uma parte foi absorvida pela coligação de ‘centro-direita’. Este é o caso de ‘La Destra’, de Francesco Storace, chocado pela viragem de Gianfranco Fini, antigo zelador de Benito Mussolini, hoje Presidente da Câmara dos deputados, definindo o fascismo como uma ‘mal absoluto’ em 2003. Estes dois não deixaram de estar presentes no funeral do inflexível Pino Rauti, em Novembro passado, o segundo sob os gritos e as “saudações romanas” e agressivas de centenas de militantes activistas. (Fonte)

Em 2011, um senador de PDL tentou sem qualquer sucesso abolir a lei em que se condena quem “faça propaganda para a formação de uma associação, de um movimento ou de um grupo com as características e prosseguindo as finalidades, os objectivos, de reorganização do partido fascista dissolvido”. Em Agosto de 2012, o prefeito de Affile, a 70 km de Roma, fez com que fosse financiado pela região de Lazio um monumento ao fascista e criminoso de guerra Rodolfo Graziani. Mais perto de nós, em Janeiro, os assinantes da folha informativa  Lettre do Instituto italiano de cultura em Paris puderam descobrir com espanto que Giovanni Gentile, teórico do fascismo e primeiro signatário do Manifesto da Raça “terminara tragicamente os seus dias, vítima da guerra civil em 1944, assassinado por um grupo de milícias da resistência em Florença” .

Para fazer bom peso, a coligação de Silvio Berlusconi tem constantemente associado os seus adversários de centro-esquerda aos crimes do comunismo – Gulag soviético, revolução cultural na China, Khmers Vermelho. No dia da Memória , votado em 2000, em memória das vítimas do Holocausto, foi adicionado desde 2004, sob proposta do movimento de Gianfranco Fini, uma jornada da lembrança que lembra os 5-6000 mortos italianas vítimas dos apoiantes titistas entre 1943 e 1947. Durante meio século, é verdade, o partido comunista italiano foi omisso sobre esses factos pouco gloriosos. Mas um silêncio semelhante ainda hoje pesa sobre os crimes fascistas que os precederam, entre 1941 e 1943 em proporções três vezes maiores.

No  dia da Memória exactamente, Silvio Berlusconi, num cais da estação de Milão, onde muitos italianos foram deportados para Auschwitz, disse que “as leis raciais representam a pior falha de um líder, Mussolini, que no entanto fez muito boas coisas em muitas outras áreas”. A citação, largamente retomada pela imprensa francesa, manteve-se muitas vezes incompleta. Como um todo, ela sugere que estas “leis raciais”, promulgadas em 1938, antes mesmo do pogrom nazi  da “Noite de Cristal”, na verdade datariam de 1943. Nessa época, antes do colapso do regime, Mussolini tinha escolhido submeter-se ao aliado alemão para manter o poder. Não contente de servir de referência popular, o fascismo histórico é assim liberto das suas medidas  xenófobas , e através de uma grosseira mentira histórica.

itáliaprecária - VII

Na sua reportagem ACAB (todos os policias são bastardos) lançada em 2009, o jornalista Carlo Bonini acompanha três oficiais das forças de motim, um mundo onde a nostalgia do fascismo é amplamente partilhada. No seu filme homónimo (lançado na França em 2012), Stefano Sollima sublinha uma Itália atormentada pelos impulsos reaccionários.

(continua)

Leave a Reply