Selecção, tradução e nota de introdução de Júlio Marques Mota
Nota de introdução
É caso para dizer, viva o palhaço, Berlusconi, viva o grilo, Beppe Grillo, viva o susto que os italianos pregaram aos eurocratas, aos oligarcas europeístas sediados nas duas cidades de decisão do poder na União Europeia |
Passos Coelho não se vai demitir, pois é um homem que quer ser apenas um bom rapaz, cumpridor do que está nos Tratados, contra Draghi que agora talvez queira fazer o possível, talvez queira passar ao plano dos factos, talvez queira ultrapassar o artigo 123 do Tratado, talvez queira então cumprir a sua promessa, a de querer salvar o Euro. |
Um texto nada estranho sobre uma realidade, essa sim, bem estranha, a crise na Europa, sobre a falta de perspectivas para a Europa retomar o trajecto de crescimento.
Um texto de Edward Hugh a partir de um acontecimento nada banal, a Irlanda venceu os tecnocratas ou eurocratas de Bruxelas e de Frankfurt. Com esta vitória assistimos a mais uma mentira pegada dos centros de propaganda oficial bem lubrificados a partir dos centros de decisão citados.
Com efeito a Irlanda foi aos mercados e, tudo bem, os spreads não dispararam, houve procura dos seus títulos de dívida, de quem nem sabemos, a Irlanda pode retomar o caminho do crescimento e deixar a recessão para trás, já do outro lado da esquina e por onde já se passou a caminho agora de um bom porto de abrigo. Alívio portanto. Um exemplo portanto.
A mistificação é esta, a realidade é bem outra, a Itália é um enorme barco à deriva, a Europa corre enormes perigos de retomar os dias mais quentes da crise, o euro corre o risco de desaparecer, o barco BCE tem que se aguentar, e nesta confusão criada, o Banco central da Irlanda financia o Estado Irlandês em cerca de 30 mil milhões. Uma troca de uma nota promissória de cerca de 30 mil milhões por títulos da dívida pública irlandesa a 40 anos e com taxas que passaram dos 8% por cento para os 3 % com uma economia anual em termos de serviço da dívida de 2 mil milhões. A Irlanda pode então descansar, os mercados podem descansar, o BCE deixou fazer, afinal, o que devia deixar fazer e desde há muito tempo já.
Diz-nos Orwell que todos os países são soberanos mas uns mais que outros, e para Bruxelas e para Frankfurt é exactamente assim, uns são assim, outros assim assim e outros assim assado. Nesta última categoria estaremos pois nós, os portugueses, os gregos, os cipriotas, e outros mais pequenos que irão rapidamente aparecer. Entre os assim assim estarão a Espanha e a Itália e para esse grupo terá agora passado a Irlanda, aproveitando o medo que assalta estes dois centros de poder europeu citados. É caso para dizer, viva o palhaço, Berlusconi, viva o grilo, Beppe Grillo, viva o susto que os italianos pregaram aos eurocratas, aos oligarcas europeístas sediados nas duas cidades de decisão do poder na União Europeia É isto que seguramente pensarão os irlandeses. É também isto que os portugueses gostariam de dizer, é isto que Passos Coelho não permite demitindo-se, porque se o fizesse talvez tivéssemos uma solução, uma não solução de imediato, à italiana, ou antes talvez fosse permitido a António José Seguro, aliviando-nos da carga da dívida, aliviando-nos da pressão dos mercados, permitindo agarrar a trajectória possível do crescimento. Por isto, Passos Coelho não se vai demitir, pois é um homem que quer ser apenas um bom rapaz, cumpridor do que está nos Tratados, contra Draghi que agora talvez queira fazer o possível, talvez queira passar ao plano dos factos, talvez queira ultrapassar o artigo 123 do Tratado, talvez queira então cumprir a sua promessa, a de querer salvar o Euro. Talvez.
E quanto à evolução da Europa diz-nos Edward Hugh: “Assim poderia ser e, muito provavelmente, será o que vai ter de acontecer. Quando se está a caminhar sobre uma ponte feita de cordas e esta começa a ranger e a balançar em seguida, têm-se a ideia que não há mais nenhuma alternativa que não seja a de continuar a caminhar para o outro lado. Todos nós já vimos muitos filmes sobre o que acontece às pessoas que tentam voltar para trás.”
E, se assim não for, “ talvez tudo isto vá acabar em lágrimas, mas poderá ser divertido enquanto dura.
Então estamos fora duma esplêndida experiência monetária, com o Japão a conduzir as manobras. Como Paul Krugman tão apropriadamente o sintetiza no título de um seu artigo recente – “É o Japão o país do futuro, novamente.” E a moral – ” será de uma amarga ironia se alguém com cara de muito mau , com todos os motivos errados, acabar por fazer as coisas economicamente correctas, fazendo as coisa certas, enquanto os meninos bons rapazes falharam porque estes estavam muito determinados a serem, apenas , uns bons rapazes.”
Leiam pois o texto de Edward Hugh e façamos com que os bons rapazes percam politicamente a sua voz.
xxxxxxx
Quando uma promessa deixa de ser uma promessa
Edward Hugh
Parte I
Mario Draghi está a provar ser um homem de palavra. Ele disse que iria fazer tudo o que fosse preciso para salvar o euro e a ele também, para permanecerem então os dois juntos, e – até hoje tudo bem – ele tem cumprido. Até agora, claro, alguns diriam que a sua vontade ainda não foi verdadeiramente testada, já que tudo o que ele até agora teve que fazer foi sentar-se no seu cadeirão de Presidente e dar ordens com a ponta dos dedos e só com isto as coisas andavam. Parece ter sido o símbolo subliminar de que os mercados estavam à espera.
Legenda:A vida política na Europa: um jogo complicado sobretudo para os nossos dirigentes que o jogam e que não conhecem as suas regras .
Mas agora que ele já acrescentou isto ao seu palmarés está pois a querer passar à fase seguinte. Desta vez, ele realmente teve que fazer alguma coisa. Na quinta-feira passada ele aberta e publicamente fez vista grossa a um exemplo flagrante de financiamento monetário que foi feito lá fora num espaço adjacente ao barco sediado em Londres e a estibordo do mesmo. Tal como Nelson, que olhava ao longo do comprimento do seu telescópio em Trafalgar, Mario Draghi não viu nenhuma actividade de financiamento monetário na Irlanda pela parte do BCE. A razão pela qual ele não viu o movimento desta realização foi porque ele simplesmente não olhou para lá. Naturalmente, Draghi contou aos jornalistas curiosos na última quinta-feira que alguém um dia poderia fazê-lo, mas era tal o seu controle da situação que ele ainda fingiu que não conseguiria lembrar-se da data em que poderiam ver isso. Espantoso, mais uma vez, Mário.
Assim, Draghi manteve a sua promessa, enquanto permitia que o governo irlandês revisse à baixa e drasticamente o valor presente líquido de um dos seus… [créditos fornecidos pela Troika]
O que aqui é realmente impressionante no seu desempenho foi a maneira extraordinariamente hábil com que o próprio Lord Alto Almirante do BCE conseguiu circular e navegar com o seu pesado barco através dos esquifes minúsculos do corpo de imprensa sediado em Frankfurt. A certa altura, ele quase que os provocou com a sua própria impotência, apelando para uma certa tendência masoquista aparentemente inata quase que fazendo uma bronca pela forma em que eles constantemente colocam as coisas dando-lhes uma dimensão que não têm, enquanto jocosamente chamava a atenção para a maneira como eles estão sempre propensos a sofrerem de uma espécie de síndrome que apelidou como a “angústia da semana”. È sempre de boa ajuda quando se quer insultar a inteligência de alguém iniciar a conversa com uma entrada do tipo: “deixe-me contar uma piada.”
O que Mario Draghi tinha em mente eram coisas como, bem, como todos sabemos, a dimensão do balanço do BCE (o que é uma coisa com que nos devemos preocupar ), o valor do euro, a ameaça da moeda única poder desaparecer , a fuga dos depósitos da periferia para países de melhor abrigo, o agressivo Bundesbank, etc., etc. A lista das causas para esta angústia infantil tal pode ser muito, muito longa. Quando tudo anda pelo melhor e anda no melhor dos mundos possíveis, porque é que na terra poderiam os homens e mulheres racionais estar a fazer de modo a encher as suas tolas cabecinhas com tantos e tão variados temas e a preocuparem-se com eles? Essas coisas, é bem melhor deixá-las nas mãos capazes de gente bem mais adulta e mais competente para o efeito, nas mãos de pessoas que trabalham no Conselho do BCE, as quais, sabem que sabe muito bem e de modo muito exacto o que andam a fazer. Mais uma vez, excepcional, Mário
Curiosamente, apesar da tal “angústia da semana”, o jornalista não parece estar a sofrer dela na conferência de imprensa na última quinta-feira ao querer saber se sim ou não o o “financiamento monetário discricionário ” poderia estar a ser realizado na Irlanda. Afinal, por que deveria ter estado angustiado, se isto é um item tão trivial no BCE .
No entanto, seguramente mesmo aqueles com a mais curta das memórias devem de uma maneira ou de outra serem capazes de se recordar de uma muita reconhecida emissão de notas promissórias emitidas pela Irlanda. Isto certamente foi uma preocupação desta última semana de Fevereiro, mas foi de uma forma ou de outra – para além de uma questão isolada – convenientemente desviada do radar de muitos observadores por algum tempo até se chegar a Março . Mas apenas como uma lembrança aqui falamos disto.