A REPARTIÇÃO DOS HUMORISTAS*. POR ANDRÉ BRUN

1881 - 1926
1881 – 1926

III

É aos humoristas que está confiado o cuidado de elaborar os regulamentos e as instruções. Estas versam sobre tudo: sobre teorias e práticas a dar às tropas, sobre os métodos modernos de combate, sobre contabilidade, que sei eu… Aqueles dizem respeito a licenças, a preferências para escolha de lugares e comissões especiais de serviço…

O grande princípio que preside à confecção de todos estes diplomas é o já apontado: ― “A vida de trincheira é uma vida exaustiva para o corpo e estagnante para o espírito. É necessário agitar aquela rapaziada. Além disso anda sempre a queixar-se da insuficiência da ração de velas e da discussão costuma nascer a luz.”

Então, se se trata de disposições que seria urgente adoptar para contrapor a esforços do inimigo, há todo o cuidado em nos indicar processos irrealizáveis, pela absoluta falta de meios. Falar-nos-ão no acréscimo de metralhadoras que o boche pratica, na utilização do fogo de morteiros como complemento das acções de infantaria, tendo-nos enviado na véspera nota de que não há nas oficinas peças sobresselentes para machine-guns, e uma circular informando que os oficiais de morteiros estão sob as ordens da Brigada e não dos comandantes de batalhão. A trincha discute isto tudo. Diz dos humoristas, quando está de mau humor, o que Mafoma não diz do presunto. Quando porém o Fritz fez a paz separada e o Sol está aceso, a trincha diverte-se.

Como para o fiel cumprimento do dever não há nada como a consciência do uso pleno do direito, e como dos direitos militares o mais sagrado é o da reclamação, os regulamentos são feitos de modo a atropelar o mais possível as legítimas esperanças de cada um para que cada qual tenha a miúdo ampla liberdade de confiar ao almoço o que lhe vai a mais no coração. Concedem-se as regalias e fazem-se nomeações sempre de maneira que por um contemplado haja vinte com situação de poderem entreter os ócios fabricando um arrazoado a que chama “exposição”. E, enquanto ela vai e não vem, o que a fez e o vizinho têm um assunto de palestra, um pretexto para a exaltação, os nervos andam vibrantes, o espírito acordado, e de tudo isto não podem resultar senão cousas desagradáveis para o Fritz se se lembra de vir atacar um posto cujo comandante está fulo.

Foi da R. H. que nasceu a ideia do roulement e, para que todos nós nos acabássemos por convencer de que o seu cumprimento integral era uma fantasia digna de espíritos orientais, adoptou o sistema de pedir todos os quatro dias uma relação do tempo de serviço de cada um de nós. Assim se fizeram seis ou sete. Em seguida publicou uma alínea alterando as categorias e a contagem do tempo, e pediu mais oito relações. Depois alterou novamente o que já estava alterado e foi pedindo papéis, até que, por fim, todos, mesmo os menos inteligentes, perceberam que tudo aquilo era uma facécia de rapazes bem-humorados, a quem a guerra corre direita e têm por dever distrair de qualquer forma o espírito dos camaradas que vivem aborrecidos nas linhas avançadas.

 *IN A MALTA DAS TRINCHEIRAS, MIGALHAS DA GRANDE GUERRA, 1917 – 1918.

http://aviagemdosargonautas.net/2013/04/13/andre-brun-a-malta-das-trincheiras-migalhas-da-grande-guerra-1917-18/

Leave a Reply