GIRO DO HORIZONTE – OBAMA EM ÁFRICA – por Pedro de Pezarat Correia

Barack Obama efectuou o seu périplo africano numa conjuntura em que, fora dos EUA, a contestação à potência liderante do sistema mundial sobe de tom, porque os vários factores negativos acumulados explodem quando há um incidente que funciona como detonador. Nos dias que correm o detonador chama-se Edward Snowden que esteve na base da revelação de pormenores daquilo de que toda a gente desconfia genericamente, a teia dos serviços secretos da National Security Agency (NSA) e os actos de espionagem baseados nas novas tecnologias da comunicação. O “big brother” infiltrado na vida de todos nós, a suspeita instalada mesmo nas “cimeiras de amigos”.

Quando Barack Obama foi eleito presidente norte-americano, e se tornou o primeiro homem mais poderoso do mundo que tinha raízes no continente africano, com sua mulher Michelle também ela com antepassados africanos e que goza, justamente, de uma simpatia generalizada, ambos vindos de área política que, nos EUA, combateu o colonialismo e o racismo, era suposto que, numa visita a uma região que só há pouco tempo se libertou da exploração colonial e da humilhação do apartheid fosse recebido em ambiente entusiástico. Afinal as visitas decorreram perante alguma indiferença e, exactamente na pátria onde o apartheid excluiu os não-brancos dos direitos mais elementares e da dignidade do ser humano, até com alguma contestação. Pessoalmente, para Barack e Michelle Obama terá sido injusto, mas essas reacções não se dirigiam pessoalmente aos dois cidadãos norte-americanos. Dirigiam-se ao presidente dos EUA, o que quer dizer que os povos da martirizada África ainda não esqueceram as políticas dos EUA que nas décadas de 60 e 70 tentaram ajudar a dominação colonial e o apartheid a sobreviverem na África Austral porque tal era do interesse do ocidente na disputa com o bloco leste. A lógica da guerra-fria sobrepunha-se à dos valores da liberdade dos povos. Nos finais da década de 60 o presidente Nixon aprovaraum estudo elaborado sob coordenação de Henry Kissinger, o“National Security Study Memorandum 39”, que propunha umanova orientação para o continente africanoque melhor servisse os interesses dos EUA na África Austral.A directiva presidencial ficou conhecida pelo nome de código “OpçãoTar Baby” e baseava-sena conclusão de que os regimes brancos estavam na região para ficar e que a única via construtivapassava por eles,pelo queoptavapela compreensão de Washington relativamente a Portugal, à África do Sul e à Rodésia.

É esta memória que ainda está presente quando Obama visita a África Austral.

 Em Abril de 1976 o prestigiado professor norte-americanoe especialista sobre assuntos africanos,John Marcum,publicou na “Foreign Affairs”um artigo com o título “Lessons of Angola”, em que denunciava que“Enquanto afirmava o apoio ao princípio da autodeterminação Washington evitava cuidadosamente tomar iniciativas que pudessem acelerar a sua consecução em Angola, Moçambique ou Guiné-Bissau, com receio de incorrer na ira do regime de SALAZAR.” E isto apesar de, como constatava, “nos princípios de 1970 haver amplos sinais que os dias de poder euroafricano de Portugal estavam contadose serem bem visíveis para quem tivesse olhos para ver”. E por isso, concluía John Marcum perante o facto de os países africanos terem preferido, depois das independências o apoio da URSS e seus aliados, “os Estados Unidos têm de se conformar com o facto de terem apoiado o anterior regime colonial e de deixarem que os seus interesses em Angola após o golpe (25 de Abril) se tornassem suspeitos e pouco convincentes para muitos africanos.”

Acontece que os povos têm memória e é com ela que constroem a sua história.

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Uma pequena nota, à margem deste tema, mas que se enquadra naquilo que pretendemos atingir.

O “Diário de Notícias” de hoje, p. 25, na sequência de uma notícia sobre a visita de Obama à cela da prisão da Ilha de Robben onde Mandela permaneceu longos anos impedido de dar o seu insubstituível contributo para o progresso humano, junta uma pequena caixa onde se lê: “A ilha de Robben […] foi descoberta por Bartolomeu Dias (1488)”. Pois é, na costa sul do continente africano, que até parece ter sido o berço da humanidade, nunca ninguém tinha reparado que na sua frente, a poucos quilómetros da praia, havia uma pequena ilha. Como não repararam marinheiros de outras paragens, fenícios que terão contornado a África de oriente para ocidente muito antes da era cristã. Foi preciso chegarem os europeus, os brancos, os cristãos, mais particularmente os portugueses, para que aquela gente abrisse os olhos.

O eurocentrismo é um grave erro de perspectiva, que distorce a compreensão da história e condiciona a relação entre os homens.

1 de Julho de 2013

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