Alfredo Nunes alugara no aeroporto um carro para os dois dias em que ia estar na ilha. Quando, no consultório de Lisboa, aconselhara António a passar duas ou três semanas no Porto Santo, dissera-lhe: «Não caias na asneira de alugar carro – é uma despesa inútil – numa hora dás a volta à ilha, vês tudo o que há para ver e ficas com o carro sem servir para nada. Um táxi, sai-te mais barato e dá-te muito mais descanso».
Enquanto conduzia, percorrendo devagar a estrada que, de Sul para Norte, em direcção ao sítio da Camacha, seguia deixando sempre à esquerda a pista do aeroporto, com as luzes de sinalização já acesas, Alfredo falou sempre, como se quisesse adiar o momento de abordar o assunto que povoava as três cabeças. Foi de onde menos se esperava que veio a interrupção da serpente discursiva. Quando o médico tendo acabado de explicar a razão por que alugara o automóvel («maior operacionalidade») e estava já a dizer que na manhã seguinte faria o passeio matinal pela praia com António, Cecília que vinha no banco de trás, disparou:
– Pois. Oxalá não tropecem em algum cadáver… – Alfredo ficou em silêncio, mas Cecília, prosseguiu:
– Sabes que a polícia encontrou na casa do tal sargento Francisco Costa, fotografias de há quase 40 anos, tiradas em Moçambique, em que aparecem ele, tu e outras pessoas?
– Não… não sabia – respondeu Alfredo com voz sumida. – Não devia ser de mais de quatro quilómetros o percurso entre o hotel e o restaurante. Estavam a chegar ao Estrela do Norte – Vamos entrar. Foi para vos falar sobre isso que vim.
– Ainda bem, Alfredo. Ainda bem. Ficámos muito preocupados. – disse Cecília,
Enquanto saía do carro, António pensava que, às vezes, dá jeito ter uma mulher decidida por perto.