Um amigo brasileiro mandou-me dois textos sobre ensino de Economia, um em português do Brasil e o outro em inglês. Este segundo texto, dei-me ao trabalho de o traduzir.
Gostei deles e até gostaria que fossem distribuídos aos meus antigos alunos, muitos deles, na época, jovens gentes intelectualmente conservadores, de direita mesmo, a pensar que Economia é igual a Contabilidade. Hoje, à distância, fico espantado com o respeito e o empenho de muitos daqueles jovens, muitos deles nada preparados para esse tipo de ensino que lhes era ministrado, devido ao rigor, à profundidade, ao nível de abstracção e ao grau de exigência requerido pelos docentes, exigindo eles apenas respeito pelo seu próprio esforço. No que me diz respeito, de muitos desses jovens, por mim considerados de direita ontem e ainda agora, hoje bem mais velhos, mantenho-me ou vim a ficar amigo, sem ser pelo Facebook de que me recuso servir para o efeito. Naturalmente assim até porque na época se pretendia sobretudo que os estudantes politicamente fossem, fossem o que quisessem mas fossem alguma coisa, sem parti-pris. Uma ideia extensiva a todos eles que rigorosamente sempre se manteve.
Pedi então que os mesmos textos fossem divulgados pelos estudantes de então e pelos de agora igualmente, conforme se mostra abaixo. Por uma questão de respeito institucional.
Curiosamente, já bem depois deste meu pedido, o Diário Económico retoma o tema, com o terceiro texto que nesta série apresentamos e desejo a todos boa leitura de todos eles.
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1. Carta ao Director
“ Exmo. Senhor Director, Caro Amigo José Reis
Quis o acaso que um professor brasileiro meu amigo me tenha enviado dois artigos recentemente publicados pelo jornal The Guardian sobre a má qualidade de ensino hoje ministrado na maioria das Universidades, em particular na Europa e Estados Unidos, ensino assente exclusivamente no tratamento exotérico e matemático dos problemas económicos que o pensamento económico dominante elege como os “problemas” da Economia, ou mais precisamente, como sendo a Economia.
Li com atenção os dois textos, um deles já traduzido por um outro professor e o segundo ainda na língua de Shakespeare. Li-os com muita atenção, refiz o brasileiro para a grafia deste lado do Atlântico e decidi-me pela tradução do que faltava colocar na mesma língua, a nossa. Pedi a um amigo meu que revisse literariamente a tradução e coisa feita, os dois textos aqui estão. Pensei então publicá-los em circuito relativamente restrito, num blog talvez, mas a sua leitura fez-me desejar outro tipo de leitores, os muitos jovens que passaram por esta casa, que nela se licenciaram assim como os que nela se estão ainda a licenciar. Publicá-los com este destino seria uma singela homenagem a todos aqueles, estudantes e professores, que empenhadamente deram corpo ao tipo de ensino que genericamente nesta casa foi (e é) ensinado durante décadas, o tipo de ensino que os jornalistas reclamam hoje como uma necessidade, urgente mesmo!
A sua leitura levou-me a rever o que foram estes meus quase quarenta anos de Faculdade, na casa que continuamos a transportar ou por quem somos ainda transportados, a FEUC, e com uma certeza fiquei: desde os longínquos anos 70, a Faculdade e com os poucos recursos que então tinha praticava já o tipo de ensino que estes dois jornalistas consideram como modelo a recriar, hoje, contra o ensino do pensamento dominante, a teoria neoclássica, redutora do mundo económico a um conjunto de problemas de matemática. No lado oposto ao que aqui se fazia, ainda me lembro de uma Faculdade deste nosso martirizado país que nessa altura fazia da cadeira de Microeconomia uma disciplina tão exotérica matematicamente que os alunos, no final do ano, não sabiam se tinham estudado matemática, se economia. Assim mesmo, a mostrar a confusão na utilização da matemática que em vez de ser apenas ou sobretudo utilizada como um meio, era basicamente utilizada como um fim. Hoje, curiosa e lamentavelmente, a qualidade do ensino mede-se pelo exoterismo do que se ensina, como o exemplo de Micro de outrora, constituindo-se ainda como o paradigma dominante em Portugal, de que um bom exemplo, para mim, é a Universidade Nova. É este paradigma que os referidos jornalistas passam em fina análise e criticam duramente, tomando como referência alguns exemplos bem elucidativos do que afirmam.
Com uma certa ironia se lêem estes dois artigos, a fazer-nos lembrar os tempos duros em que esta nossa casa, de forma e com objectivos de calúnia, era chamada o Kremlin de Coimbra, exactamente porque não se reduzia o ensino de economia ao que fazem os neoclássicos de hoje! No fundo porque se ensinava os estudantes a conceptualmente recriarem a “realidade” para a poderem ler criticamente, recusando-se sempre a “verdade” absoluta de que qualquer corrente de pensamento se quereria apropriar, como fornecendo a visão do mundo e não apenas uma visão do mundo. Ainda agora, e na mesma linha do que estamos a expor, embarcado conjuntamente com o Professor Paul Hudson sobre o que pensamos hoje da Universidade e sobre os sinais de novos e maus rumos que num ou noutro caso se estão já a seguir, este professor escrevia:
“A university that cannot tolerate (non-criminal) ideas or acts or cannot tolerate ideas that are deeply opposed to those in authority at the university is not worthy of being called a university: one of the main obligations of a university teacher is not only to assess but also to criticise aspects of the society in which he/she lives (including aspects of the society that are involved with higher education)”.
Quase 40 anos depois daquela calúnia sobre a FEUC, de que todos nós sempre nos alheámos, os dois jornalistas reclamam quase que à escala planetária um outro tipo de ensino relativamente ao que hoje é quase que exclusivamente praticado por todo o lado e ilustram bem a razão de ser da criticas que duramente formulam contra os meios universitários em geral. Dessa crítica excluem-se algumas Faculdades como a nossa, como inversamente na nossa Faculdade se poderiam excluir alguns professores ao que dela estou a expor mas, num caso e no outro, uma ou algumas árvores não constituem uma floresta, muito menos um bosque. Sabemo-lo todos muito bem que é assim mesmo, porque isso é o produto da diversidade que na FEUC sempre se defendeu.
E a terminar, espere que aceite esta minha proposta de reenvio dos referidos textos a todos aqueles que devem ser objectivamente os seus principais destinatários. Com as minhas cordiais saudações académicas
Júlio Marques Mota “
E a partir daqui leiam os textos do jornal The Guardian e o terceiro publicado pelo Jornal de Negócios.