ESTUDANTES DE ECONOMIA PEDEM UM NOVO CURRICULUM, MAIS ADEQUADO À REALIDADE, MAS AINDA É APENAS LÁ FORA – UMA REPORTAGEM DE HELENA OLIVEIRA.

Selecção de Júlio Marques Mota

Estudantes de economia pedem um novo curriculum, mais adequado à realidade, mas ainda é apenas lá fora… 6 dez 13

Reportagem é de Helena Oliveira, publicada no Jornal de Negócios, 22-11-2013.

Ver também: http://www.ver.pt/conteudos/verArtigo.aspx?id=1763&a=Responsabilidade

COM A DEVIDA VÉNIA A HELENA OLIVEIRA, PORTAL VER E JORNAL DE NEGÓCIOS
PARTE II
(conclusão)

Debates, enfoque na história do pensamento econômico e sustentabilidade

Mas e afinal, o que pretendem os estudantes e os professores e demais economistas que os apoiam?

Os estudantes da Universidade de Manchester que formaram a já mencionada Post-Crash Economics Society encontraram inspiração para a criação da sua “sociedade” depois de terem assistido, em Fevereiro de 2012, a uma conferência organizada pelo Banco de Inglaterra e pela Royal Economic Society. Intitulada “Are economics graduates fit for purpose?”, o evento contou com a presença de um conjunto de diversos especialistas que analisavam, exactamente, uma das consequências da crise financeira e econômica de 2008: a reavaliação da própria economia por parte daqueles que a praticavam, o que implicaria, naturalmente, a forma como esta era ensinada nas universidades. Como afirmou então Diane Cole, directora da consultora Enlightenment Economics, uma das oradoras, “a crise foi um enorme fracasso intelectual, pois todos a percebemos de forma errada”. E, na verdade, a questão da necessidade de existir uma reforma no ensino da economia está estreitamente relacionada com o “status” intelectual da própria economia, no pós-crise. Mas não só.

Como se pode ler na carta aberta enviada ao The Guardian, os estudantes de Manchester têm uma ideia bastante precisa da desadequação do ensino da economia relativamente ao mundo em que vivemos. Quando abordam a questão das teorias econômicas, escrevem: “esta [a teoria neoclássica] gira em torno da ideia do agente individual. Um agente pode ser uma pessoa ou uma empresa, por exemplo, a interagir com uma outra através de preços, num mercado. E o carácter de um agente ou os desejos claros de uma empresa ou de um consumidor no mercado são-nos apresentados como modelos matemáticos. É esta simplificação da natureza humana, apresentada numa sucessão de equações que, muitas vezes, sufoca a economia neoclássica e lhe nega a fluidez necessária para descrever, de forma precisa, a mudança patente no mundo em que vivemos”.

E acrescentam: “indivíduos que compram e vendem bens para gerar lucro, sem qualquer ideia de que forma estes bens podem afetar o planeta ou afetar a vida das pessoas, é uma questão ignorada [no ensino da economia] mas que deve ser uma preocupação para todos nós. O sistema financeiro corre ao ritmo desenfreado da imediaticidade, sendo que o colapso financeiro de 2008 lançou alguma luz em como uma ausência de conhecimento dos fracassos do mercado pode ser desastrosa para a sociedade”.

Afirmando ainda que não pretendem afirmar que o modelo neoclássico é perfeitamente inútil, os estudantes concentram-se, ao invés, num conhecimento mais alargado de outro tipos de teorias – privilegiar o ensino da história do pensamento econômico é um “pedido” comum nos vários manifestos estudantis – em conjunto com outras ferramentas que lhes permitam perceber o que é melhor para uma economia, “não sendo esta limitada apenas por questões de crescimento e lucro, mas incluindo o estudo de mecanismos que permitam a sustentabilidade, a equidade e a consciência social”.

Na petição que consta no site da “sociedade de estudantes”, os promotores da iniciativa relembram ainda a variedade de escolas de pensamento existentes na disciplina e que a integridade acadêmica exige que teorias econômicas alternativas sejam ensinadas aos alunos. A forma como a economia é ensinada, defendem, dá origem a consequências importantíssimas pois as nossas sociedades são moldadas por políticas e acontecimentos econômicos.

Adicionalmente, a desadequação entre os conteúdos programáticos e as necessidades do mundo real constitui um desafio enfrentado pelos departamentos de economia de universidades de todo o mundo. Afirmando acreditar que a educação em economia deveria incluir uma pluralidade significativa e uma ainda maior avaliação crítica, as propostas dos estudantes são claras:

Sublinhar, em cada módulo, as teorias econômicas a serem ensinadas, para que a economia não seja encarada como uma disciplina monolítica e sem debate.

Porque as teorias econômicas não podem ser devidamente compreendidas sem o conhecimento dos contextos sociopolíticos e tecnológicos nos quais são formuladas, o relacionamento com a história econÇomica deverá ser feito sempre que possível.

Disponibilizar cadeiras com perspectivas econômicas alternativas nos três primeiros anos do curso, deixando claro que a ideia não é a de se ignorar o ensino da economia mainstream, mas sim compreender que a pluralidade de perspectivas é estritamente necessária.

Sempre que possível, os docentes deverão relacionar a matéria em causa com o mundo real para que os estudantes aprendam a aplicar a teoria e compreendam onde falha a teoria para explicar a realidade.

Os módulos devem encorajar também o desenvolvimento de competências críticas e os tutoriais deverão estimular a discussão e o pensamento reflexivo.

Já a Rethinking Economy, a comunidade que tem como objetivo desmistificar, diversificar e revigorar o estudo da economia, numa rede abrangente de cidadãos, estudantes acadêmicos e profissionais, com o objetivo de formar uma rede colaborativa de “re-pensadores”, apresenta três linhas por excelência para a reformulação do ensino da disciplina.

Uma linha acadêmica, que privilegie pontes com disciplinas direta e indiretamente relacionadas com a economia, que faça progressos no ensino de outras perspectivas e metodologias até agora negligenciadas e que promova a colaboração, a humildade e a prática ética na academia;

Uma linha educacional, que desmistifique a economia enquanto ciência técnica, construindo comunidades abertas e colaborativas de pensadores econômicos; que expanda a criatividade e a consciencialização social dos economistas e cidadãos do futuro, ao mesmo tempo em que encoraje a utilização de ferramentas de análise econômica por parte de todos os que participam numa sociedade que é significativamente moldada por forças econômicas;

E uma linha política que potencie a capacidade de organização efetiva por parte dos estudantes e professores de economia, que reconheça os seus papéis e as responsabilidades, enquanto agentes políticos, no interior das várias instituições e na vida pública alargada.

Um último consenso que une todos estes movimentos: se nada for feito para se alterar a forma como a economia é ensinada nas universidades, os futuros líderes, empresariais e financeiros, continuarão a não perceber as consequências diretas das suas ações face à sociedade em que vivemos e, obviamente, relativamente ao planeta que habitamos. Estender a economia para além da ortodoxia, abordando teorias alternativas que não se limitam a alocar recursos através da simples equação da procura e da oferta, mas sim privilegiando um pensamento reflexivo de longo prazo será imprescindível para que a questão da sustentabilidade ganhe momentum e para assegurar que as decisões das pessoas têm origem na responsabilidade.

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Para ler a Parte I deste trabalho, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, vá a:

ESTUDANTES DE ECONOMIA PEDEM UM NOVO CURRICULUM, MAIS ADEQUADO À REALIDADE, MAS AINDA É APENAS LÁ FORA – UMA REPORTAGEM DE HELENA OLIVEIRA.

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