UMA OUTRA MANEIRA DE OLHAR CHAMADA EXCLUSÃO – II por Luísa Lobão Moniz

olhem para  mim

II

Estamos em “crise” e por isso, diz-se, as mães estão mais agressivas com os filhos, os pais mais desesperados porque estão desempregados.

Segundo o Jornal Público de 12 de Agosto o presidente da CNPCJR, Dr. Armando Leandro, “ adiantou, porém, que se regista um aumento no primeiro semestre do ano de situações que podem comprometer o direito à educação, designadamente o absentismo e o abandono escolar”.

Absentismo.  Abandono  escolar. Crise. Crianças  negligenciadas.  Crianças maltratadas e abusadas. Crianças.

Fruta. Refeições dadas às famílias.

Assistencialismo.

Humilhação.

Vergonha.

Palavras agressivas, sem respeito pelos mais fracos. Palavras que abrem feridas para toda a vida. Palavras que um dia poderão ser esmagadas por quem as sente na pele.

Crise, austeridade…

Em tempos de crise há que proteger os mais fracos, crianças (e, naturalmente, também os idosos). Quantas crises foram vividas na Europa, em Portugal e, apesar do grande sofrimento, as crianças continuaram a aprender a crescer da mesma maneira, de conhecimento em conhecimento.

Nesse doloroso crescimento aprenderam a defender-se tornando-se agressivas, negativas – algumas chegam à conclusão que não precisam de ninguém e por isso preferem viver na rua. Aprenderam a sobreviver perante a pancada e perante a negligência. Em muitos casos aprenderam que não têm nada a perder se se tornarem chefes de gangs, pelo contrário, ganham estatuto, o estatuto que lhes é negado enquanto pessoa, enquanto criança.

Ficaram milhares de professores no desemprego, ficaram milhares de professores com o horário zero, ficaram turmas com demasiados alunos…

Quem são os alunos? Exactamente  aquelas pessoas a quem lhes é negado o estatuto de criança.

Salvo raras excepções a criança está apta a aprender tudo, o bom e o mau (mau para quem?), está apta, na altura devida, a ir para a escola e aprender, a aprender o quê?

A aprender o que cada Ministério da Educação acha mais conveniente mediante a sua ideologia, não conforme as pedagogias que se preocupam com as crianças e os seus saberes, mas com pedagogias que se preocupam com alunos sem alma de criança, com alunos vazios e que vão para a escola para lhe encherem ou esvaziar o ego com saberes sem sentido, ou seja, apenas como sentido de criar elites que saibam de cor sem saber porquê, elites ignorantes da História do seu país, da Literatura do seu país, da importância da Constituição da República Portuguesa, da importância da Democracia, da Cidadania, mas sim conhecedoras da lógica dos Mercados, da lógica da gestão de negócios, de empresas, de ser o bom aluno de quem manda nos Mercados.

E os outros que não pertencem a estas elites? Sim e os outros para quem as palavras agressivas hão-de acompanhá-los durante a vida mesmo que tenham empregos, salários mínimos, empregos precários…. esses serão os eternos descontentes…enquanto crianças não lhes foi respeitado o estatuto de criança, enquanto adultos não lhes é respeitada a condição de ser cidadão de pleno direito.

A vida de uma criança não é só ser aluno, é ser pessoa.

Muitas das nossas crianças vivem no medo de serem castigadas, de serem rejeitadas, de serem humilhadas.

 A Escola, em que eu e muitos, muitos professores acreditam, lida com estas situações numa perspectiva de inclusão, de aumentar a auto estima dos alunos, de promover a inter-relação escola família. Acredita nas capacidades das crianças, de todas as crianças, promovendo uma pedagogia do conhecimento e da cidadania. Esta Escola aposta no tempo para as pessoas, nos seus ritmos de aprendizagem, organiza-se em função das crianças, reconhecendo-lhes o seu estatuto de Criança, trabalha tendo por base os Direitos da Criança.

Esta Escola está a ser destruída pelas folhas de EXEL, assim como a Escola, a Sociedade e o regime Democrático.

A Escola e as famílias têm que reagir. O que é mais importante? Como é que o meu filho consegue ser uma criança sabedora e feliz? Como é que a Criança, que vai à Escola, pode crescer num ambiente de disciplina, de aceitação crítica de regras?

Felicidade. Sabedoria. Crítica.

Palavras que não têm lugar nos legisladores, porque são palavras bonitas, palavras que reconhecem o outro com respeito mútuo.

Criança, luta pelos teus direitos. Professor, luta pela escola democrática. Família, luta pela tua coesão.

2 Comments

  1. A vida de uma criança não é só ser aluno, é ser pessoa, diz-nos ´Luísa Lobão Moniz, e eu concordo! Mas…quantas as vezes a criança é obrigada a lidar com problemas que não lhe deviam dizer respeito, porque ouviu os pais a discutir, porque o jantar foi acompanhado da conversa habitual de «não sei mais o que fazer para esticar o dinheiro» enquanto a Tv teima em fazer eco das notícias mais bizarras, como perdão fiscal para regularização de quem não cumpriu com os seus deveres fiscais, baralhando a cabeça de crianças: «então, mas os deveres não são para cumprir? então se eu não cumprir com as minhas obrigações, espero uns tempos, sossegadito, e depois sou perdoado? Bem me pareceu que a professora não tinha razão…» E lá se vai a mensagem de cidadania apregoada por professores e professoras pelo país fora!
    Por quem se interessa por esta temática dos Direitos das Crianças! Apetece dizer: deixem a criança ser Criança!

  2. Obrigada Isabel pelo seu comentário.
    É mesmo isso, deixem a criança ser Criança!
    Hoje em dia pede-se de mais à Criança: trabalhos domésticos, desporto, música, ballet, viver com a violência, com a negligência, com alimentação suficiente, com desconforto físico…..tanto haveria a dizer sobre o deixar ser Criança Que venha o tempo em que a Criança é Criança. Que venham os adultos que reconhecem a Criança como uma pessoa com direitos e com deveres.
    Obrigada

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