Quando ouvimos criticar desfavoravelmente o governo em conversas de rua, em cafés e transportes públicos, indiciando uma indignação generalizada, perguntamos-nos onde foi o partido do governo buscar a sua maioria e onde estarão os votantes no PSD previstos pelas sondagens para as próximas eleições.
Era Cavaco Silva primeiro-ministro, quando um conhecido imitador fez uma chamada telefónica para uma personalidade política que não escondia publicamente as suas críticas ao chefe do executivo. O imitador, depois de cumprimentar cordialmente o «adversário», que lhe correspondeu com afabilidade, convidou-o a aceitar uma pasta ministerial. Convite que foi imediatamente aceite. Outro exemplo do sortilégio que o poder exerce, mesmo tratando-se do poder que se contesta, é o do convite que os organizadores de um encontro sobre Literatura, políticas institucionais de apoio ao livro e à leitura, etc. Intervenções valiosas de professores, escritores, agentes envolvidos no universo do livro e… do ministro Nuno Crato.
Cristiano Ronaldo é hoje condecorado pelo presidente da República. Circulou pela rede um apelo ao jogador para não aceitar em sinal de protesto pela cumplicidade que Cavaco Silva tem amplamente demonstrado em relação ao lamentável executivo de Passos Coelho. Parece-nos que foi pedir demasiado a uma pessoa que, como Ronaldo, se transformou num negócio de que muita gente tira dividendos. Mesmo que o futebolista tivesse a consciência cívica necessária para assumir tal atitude, a sua entourage por certo o impediria – a condecoração vai reforçar a imagem de marca e, do Real Madrid aos familiares, passando por agentes diversos, todos lucrarão com a comenda.
Deixem Cristiano Ronaldo receber a sua condecoração. Vale o que vale, para mais atribuída por quem a atribui – por um presidente que manteve relações promíscuas bem mais graves do que aquelas de que é acusado François Hollande, pois a sua ligação à polícia política do Estado Novo nem por ele é desmentida; por um presidente que recusou uma pensão à viúva de Salgueiro Maia, mas que a concedeu a dois «funcionários públicos», agentes da PIDE/DGS. Uma condecoração outorgada por um tal presidente é um presente envenenado. Pelo menos, sê-o-ia se existisse uma consciência cívica colectiva. Se existisse, como poderia um tal político ascender a tal cargo?
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