Selecção, tradução e introdução por Júlio Marques Mota
A Europa mortalmente ferida em Pristina, a Europa agoniza agora em Kiev
Não esquecer o Kosovo, e Porque é que o massacre de Odessa teve tão pouco eco nos media ocidentais são dois textos que dedico ao meu antigo aluno que muito estimo D.A. que por acaso encontrei no café que habitualmente frequento quando quero estudar em silêncio, um café com muita gente. Paradoxo? Não, é assim mesmo.
Um título que me surgiu ao traduzir este texto e na sequência de uma conversa havida com esse antigo estudante meu, que muito estimo, para quem o problema da Crimeia era de que Putin devia estar louco. Símbolo da manipulação ocidental, é a sua resposta à minha questão: sabes, digo eu, ninguém morre por um tratado comercial. Morre-se então em Kiev porquê, pergunto. A resposta foi imediata: morre-se pela bandeira da União Europeia. Abro de espanto estes meus olhos de quem já tem uma razoável idade para engolir tamanhas “verdades” e não me controlei ao ponto de reagir: morrer pela bandeira dos outros, é coisa que a história nunca me mostrou, foi o que respondi.
Mas, entre este antigo aluno e eu, de que fui com muito orgulho seu professor, há uma cumplicidade que está para além das brutais diferenças que nos separam e digo: reclamas contra a Crimeia, não reclamas contra as mortes de Kiev, Não está comprovado quem sejam os responsáveis, diz-me. De novo reagi: certo mas não ouvi nem o Presidente da Comissão Europeia, nem o Senhor Obama exigir um inquérito imediato a estas mortes. Ouviste, questiono, frontalmente. Não, foi a resposta.
E, já agora, se consideras ilegal o que se passou na Crimeia porque não consideras ilegal o que se passou exactamente antes disso em Kiev. E a resposta parece reproduzir o texto que se segue: eram dos nossos.
Dos nossos? Os nazis são dos nossos? Como? Nem acredito no que estou a ouvir, reajo eu a esta afronta.
São pró-europeus, são dos nossos.
Nada mais a dizer, pensei. Aconselhei-o então a ler a minha peça sobre a Letónia, um texto neutro, disse-lhe eu. Como lhe poderia também sugerir a leitura do outro texto sobre as mortes em Odessa, texto a ser publicado também em A Viagem dos Argonautas.
Um texto neutro, um texto seu?
Bem mais neutro do que tudo o que possas ler, sobretudo a propósito de um tema em que discordar das monstruosidades que se fazem ou mandam fazer por esta Europa a soldo dos Estados Unidos, e não só, ou dos seus generais não democraticamente eleitos, leva a que se seja acusado de ser pró Putin e só falta acrescentar, acusado de comunista, respondo.
E a conversa fica por aqui.
Coimbra, 25 de Maio de 2014.
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Nunca esqueceremos o Kosovo… – dois livros sobre um período em que a Europa estava ausente – Nunca esqueceremos o KOSOVO
Dois livros sobre um período em que a Europa estava ausente
Michel Lhomme, Revista Metamag, 24 de Abril de 2014.
Nunca nos esqueceremos das mentiras e das mistificações do desmembramento da Sérvia. Se nós conhecemos a representação oferecida pelos media ocidentais ( o verso da situação) o livro de Nikola Mirkovic apresenta-nos o reverso dessa representação . De origem sérvia e a viver em França, Nikola Mirkovic está a trabalhar numa associação humanitária que trabalha para os habitantes do Kosovo. Ele conhece muito bem a região assim como o tema e exprime-se enquanto perito, como agora se diz.
As afirmações do livro estão sempre referenciadas, e o autor cita extensivamente os relatórios oficiais e os depoimento das testemunhas reconhecidas do conflito. O que ele nos mostra neste livro, é o conjunto de mentiras orquestrado pela NATO para organizar uma guerra que não tinha razão de ser . Como falsos túmulos foram criados, como houve mortes que foram completamente inventadas e como as forças da NATO, apoiados pelos media ocidentais servis e comportando-se como os carneiros de Panurge, apresentavam os sérvios como sendo os agressores, enquanto eles estavam a defender a sua região dos ataques albaneses.
As mentiras da NATO são desde então insípidas: a loucura das armas de destruição maciça, as armas iraquianas que nunca foram encontradas, as falsas imagens de júbilo na Líbia rodadas nos Estados Unidos, a utilização do gás na Síria, os atiradores especiais, assassinos de elite, sobre a Praça Maïdan. Não esqueçam: o Kosovo foi o campo de ensaios e de testes destas mentiras repetidas, que conduzem hoje a uma das maiores manipulações de que há memória. O resultado é que os Sérvios, que representavam quase 90% da população do Kosovo ao início do século XX, não são hoje mais que um punhado, vítimas de uma depuração étnica que cala o seu próprio nome. O Kosovo é hoje uma placa giratória de todos os tráficos: órgãos humanos, drogas, armas. A máfia albanesa, aliada à máfia napolitana , infiltra pelo Kosovo as grandes cidades da Europa. O livro de Nikola Mirkovic não se satisfaz em desmontar mentiras e mistificações. Ele é testemunha de um povo martirizado, cujas igrejas foram destruídas, os espaços culturais arrasados e as populações restantes quase que dominadas. O livro mostra também a fraqueza da Europa, que nunca não interveio neste processo deixando aos Estados Unidos estarem a fazer uma Europa de escravos e empregados, uma Europa de servos.
Autor de uma segunda obra, Jacques Hogard é o criador e o director de uma empresa de consultoria especializada em inteligência estratégica e diplomacia de empresas no campo internacional. É um coronel na reforma que no Kosovo foi o responsável máximo pelas forças especiais francesas aquando da invasão desta província sérvia pela OTAN em 1999. Por conseguinte trata-se de alguém que viu muito sobre esta montagem que aqui se denuncia e, facto raro, disso nos dá hoje o seu testemunho num livro que será disponível ao público a partir de 22 de Maio e cujo título é bem claro : a Europa morreu em Pristina.
Le Martyre du Kosovo, de Nikola Mirkovic, Édition Jean Picollec, 200 pages.
L’Europe est morte à Pristina, de Jacques Hoggard, Editions Hugo Doc, para aparecer em 2014
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