BISCATES – Manifestar e Protestar – o onanismo dos partidos de protesto – por Carlos de Matos Gomes

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Manifestar e Protestar – o onanismo dos partidos de protesto

O protesto tanto pode ser uma faca – e neste caso de dois gumes – como um escudo. Tanto podemos protestar para atacar e alterar uma situação como apenas para nos defendermos. Para evitarmos a mudança fazendo de conta que a desejamos.

Esta ambiguidade é a base em que assenta a tática dos chamados partidos de protesto. Protestam para se defender, para esgotar em seu proveito as energias dos que têm razão para protestar. O protesto, na medida em que não se dispõem a colaborar em nenhuma solução que não seja a totalidade da sua, esgota-se nele mesmo, satisfá-los como se satisfazem os onanistas.

Os partidos de protesto têm uma só actividade, um programa resumido a um ponto: Colocar a maior quantidade possível de cidadãos na rua a protestar, a manifestarem-se. O passo seguinte, com os manifestantes já em casa, é os dirigentes surgirem na televisão a garantir que a manifestação foi um sucesso. E até à próxima. A luta continua.

Ora a política é, no fundo, uma actividade que visa encontrar soluções para o melhor governo de uma sociedade. Não é a pastorícia de um rebanho. É curioso notar que nas sociedades primitivas os membros das assembleias podem protestar, mas são obrigados a apresentar uma solução e a participar nela. Caso não o aceitem fazer são banidos. Isto é, são desmascarados, votados ao ostracismo. Nas permissivas sociedades complexas, o protesto inconsequente é, tal como o onanismo e a publicidade enganosa (aos shampôsanti-caspa, p.exemplo) um direito. Os partidos de protesto sobrevivem seguindo o princípio da propaganda aos remédios miraculosos: por mais bolachas dietéticas que coma, nenhuma mulher fica com o corpo da manequim do anúncio.

O protesto defensivo – eu critico, eu manifesto o meu repúdio, mas não contem comigo para colaborar naquela que não é a minha solução (sempre um passo à frente do que é possível alcançar) é um embuste, mas um embuste rentável, porque cómodo: não implica nenhuma mudança no status quo. O protesto defensivo é eminentemente conservador. Tanto mais conservador quanto mais exacerbado parece o protesto.Como dizia o estratego chinês SunTze para a guerra: a maior vitória é vencer sem combater, também para os partidos do protesto a melhor maneira de não altera nada numa sociedade é prometer uma revolução geral!

O ideal de uma organização de protesto é uma manifestação que forma um círculo e roda sobre si mesma, com as gentes gritando palavras de ordem, agitando cartazes sem sair do mesmo local.

Após uma jornada de protesto, a primeira acção dos organizadores devia ser: o que fazer a seguir com a força dos que congregámos para atingir o que lhes propusemos. Como obrigar aqueles contra quem protestámos a fazer o que queremos? Não. A única açao é a de gritar que a simples reunião dos manifestantes foi uma vitória em si mesma.

O protesto defensivo assenta na convicção de que aquelas contra quem se protesta são um grupo bondoso, disponível para ouvir os ofendidos e emendar os seus erros. O protesto defensivo é, afinal, um pedido. Diz aos oponentes: vejam lá, meus caros senhores ministros e secretários de estado, patrões e empresários em geral,as maldades que andam a fazer, certamente por descuido, por não terem estudado bem os assuntos. Dêem-nos ouvidos e tomem o bom caminho. Esse protesto está a dizer que quem governa tem todas as possibilidades de governar bem, basta querer e emendar-se. E que quem protesta não quer ir para o lugar deles, nem governar. O protesto defensivo assenta num complexo de inferioridade.

A dualidade do protesto deve ser trazida para o centro da discussão política. O protesto defensivo e inconsequente tem de ser apresentado como uma forma de populismo, isto é, de acção política que se baseia na exploração dos sentimentos e das reacções primárias. A exploração do instinto e da irracionalidade de que todos os seres humanos são também formados.

4 Comments

  1. O artigo de CMG não diz (não ousa dizer?) a quem se dirige concretamente, i.e., a que partidos se aplica o apodo “de protesto”, ou melhor, quais são os “chamados (por quem, com que intenção – eventualmente, a de sugerir que nunca chegarão ao poder?) partidos de protesto”. O que autoriza a infeliz hipótese de incluir, nos assim “chamados”, todos os partidos com representação parlamentar que não fazem parte dos chamados “partidos do arco do poder”.
    Acontece que esta última chamada sabemos quem a faz e com que intenções (a menos que andemos distraídos). Fazem-na os que integram e apoiam o sistema vigente desde o início dos governos constitucionais, estabelecido sobre a rotação de três partidos (um deles quase sempre bem minoritário), com uma ou outra eventual adjacência, unidos em torno de um núcleo ideológico comum, consubstanciado na aceitação atenta, veneradora e obrigada da chamada “economia de mercado”, i.e., do capitalismo, que tem seguido os seu caminho, espantosamente coincidente, apesar de umas quantas evoluções tecnológicas e, aparentemente, político-sociais (actualmente em clara regressão) com o previsto há século e meio por um sujeito tenebroso, de seu nome Karl Marx: incluindo a abolição das barreiras aduaneiras (UE à cabeça) e as crises, bem como as razões delas… A intenção? Manipular os cidadãos – com o apoio da generalidade dos “media” e da maioria dos seus profissionais e comentadores (a maioria destes oriundos do tal “arco”), seja deliberadamente ou por pura ignorância (política, histórica, cultural) e total falta de vocação para o exercício do pensamento e a formulação de dúvidas e interrogações que o saber suscita –, de modo a que jamais estes cidadãos se interroguem sobre que raio impedirá tais partidos de governarem, se neles o eleitorado votar maioritariamente. Trata-se, portanto, de uma designação produzida com objectivos ideológicos e políticos perfeitamente definidos.
    Assim sendo, a hipótese de a increpação se dirigir a esses partidos, presentes na AR, também permite supor que (surpreendentemente, para mim) CMG sustente que nenhum propõe soluções ou se dispõe a colaborar em nenhuma solução que não seja a sua, algo que anda muito longe da realidade, melhor se aplicando ao pessoal do “arquinho”, que constantemente apela à negociação, desde que as conclusões da dita “não sejam irrealistas” (e só aquele pessoal conhece bem a “realidade”, ele só e mais ninguém) e não “descredibilizem o país”, em particular perante o “estrangeiro” e os “mercados”, ambos entidades nebulosas, no primeiro caso por amalgamarem bastas diversidades, no segundo por os “mercados” serem, eles próprios, a representação anónima dos verdadeiros poderes que dominam o Mundo e nos subjugam.
    Excluo desta descrição negocial as encenações levadas a cabo todos os anos na chamada “concertação social”, em que os governos vigentes apresentam umas propostas sempre mais agressivas do que pretendem no momento, de modo a que a UGT, única federação laboral indefectivelmente “responsável” (até porque criada justamente pelos foliões do arquinho), possa assinar o “pacote” que, de facto, Governo e entidades patronais pretendem, argumentando que, se não o fizesse, “eles” impunham as “outras medidas, ainda mais gravosas” (e fictícias), constituindo o “recuo imposto” aos oponentes uma importante “conquista” destes campeões da degradação continuada das leis laborais (é chato, eu sei, mas estas espaventosas proclamações de “responsabilidade” e acusações de falta dela aos que recusam a traição nunca conseguiram comover-me)…
    Decerto por mero acaso ou iluminação demiúrgica, também sei a origem da designação “partidos de protesto”: exactamente a mesma da do “arco”, visando objectivamente os partidos à esquerda do PS e com as mesmíssimas intenções de afastar os cidadãos da ideia de que é possível, com o seu voto, levar esses partidos ao poder, sendo sempre tal designação acompanhada – com a frequência e segundo os princípios básicos dos anúncios publicitários – da listagem dos perigosíssimos perigos que tão calamitosa calamidade acarretaria, para a nação e para a gentalha que a possibilitasse… O que faz com que a adopção desta fórmula da propaganda ideológica de direita por CMG me cause ainda maior perplexidade.
    Também não me parece que sejam apresentadas provas de que os “protestantes” têm como objectivo último que tudo fique na mesma, que pretendam apenas que quem está no poder enverede pelo “bom caminho” e estejam convencidos de que enfrentam umas criaturas piedosas (se assim fosse, bastava mandaram-lhes umas cartinhas).
    Finalmente, como nada mais se aborda, parece-me também faltar a alternativa aos protestos (manifestações, greves e outas formas de luta admitidas “nesta” democracia, muito burguesa e, portanto, muito mal amanhada), a não ser que não esteja expressa: a revolução armada?
    Tendo em conta que o descontentamento popular tem vindo a ser absorvido por essa Europa fora, com algumas honrosas excepções, através do que começou por ser classificado, negligentemente, como “votos de protesto”, por partidos neo-nazis, creio que a análise dos fenómenos (incluindo as diversas formas de protesto) provocados pelo triunfo da, intelectualmente paupérrima, ideologia neo-liberal, exige mais profundidade e atenção semântica.
    O que, repito, me surpreende e perturba, por não ser usual em alguém com a dimensão intelectual de CMG. Nomeadamente, porque desloca o que acreditava serem as fronteiras de resistência do pensamento de esquerda, face à poderosa e permanente ofensiva da propaganda de direita e à imensidade de meios de que dispõe.

  2. O seu comentário é muito pertinente e levanta excelentes questões. Salientava uma, que talvez contribua para esclarecer melhor o que quis dizer. A minha opinião baseia-se num ponto que aflora no seu comentário: Considero que existe uma contradição nos partidos do protesto – não por eles pretenderem e lutarem por uma solução radicalmente distinta – mas por eles se situarem no arco do poder (fazerem parte da arquitetura do regime, fazerem parte do sistema) e não assumirem, dessa pertença, a consequência lógica que é aceitarem, ou pretenderem fazer parte do arco da governação. O facto é que esses partidos do protesto nem se colocam na perspectiva da revolução – da rutura – nem da aceitação da ordem vigente. Vivem num limbo inconsequente, como as moscas sobre uma bolha de azeite: agitam-se muito, mas não se movem.

  3. Caro Carlos Matos Gomes,
    Creio que, definitivamente, não coincidimos na abordagem desta questão, partindo do princípio que inclui na designação “de protesto” partidos representados na AR. Deve ter notado que começo por discordar da classificação, apresentando as razões para essa discordância. Algo a que talvez esteja particularmente atento, por ter passado, ainda muito jovem, pela publicidade e suas artimanhas, depois por um caminho profissional variado, mas sempre dentro do serviço público de rádio, tendo exercido a representação dos trabalhadores em CTs, Sindicatos e nos Conselhos de Opinião da RDP e RTP,SGPS – o que me levou a aprofundar o estudo da comunicação social e tudo o que lhe está ligado. E por nunca esquecer que a manutenção e transmissão de uma “cultura de classe” passou a dispor, com o avanço tecnológico, de novos e poderosos meios, que as classes dominantes continuam a saber muito bem como aproveitar. Mas não vou repetir o que já disse. Toda a minha análise do papel dos partidos (e outras organizações) que a direita pretende reduzir ao “protesto” decorre dessa base e insisto em que não é verdade que os partidos à esquerda do PS não proponham soluções nem se proponham governar. O que acontece é que a maior parte da sua acção e das suas iniciativas é sistematicamente escamoteada pelos “media”, em nome dos tão falados e mal-cheirosos “critérios jornalísticos”, delas não raro chegando-nos o que têm de mais “picante” e sendo omitido o que é mais profundo e importante: também sou surpreendido algumas vezes com notícias de que já foram feitas coisas que me passaram completamente “ao lado”.
    Convém é não confundir “governar em consequência de uma maioria eleitoral” (situação de que este tipo de “denominações” pretende – e tem conseguido – afastar os eleitores), integrar um Governo de acordo com verdadeiras negociações, neste caso com um PS cuja actuação tem sido, em geral, perfeitamente integrada, ela sim, no “sistema”, ou só apoiá-lo (o que seria uma mais problemática concessão), ou ainda pactuar com programas e consequentes medidas que nunca seriam de ruptura com os actuais, para “fazer parte do poder”, mas, de facto, sem qualquer eficácia na alteração das políticas desastrosas que nos trouxeram à actual situação… e caberia, então, perguntar: para quê?!
    Não considero, portanto, que estes partidos façam parte dessa outra coisa, que considero uma tolice muito útil ao “status quo” e criada pelos seus serventuários – o tal “arco do poder”. Nem me parece que a “perspectiva da revolução”, com o significado que tem assumido ao longo dos séculos, seja, neste momento, viável, muito menos nos termos em que o foi noutros tempos históricos. A História recente mostra-nos numerosos exemplos dessa inviabilidade, alguns deles bem trágicos, como sabemos, tal como o falhanço de tentativas de construção de sociedades revolucionariamente diferentes, para o que não contribuiu apenas a “acção do inimigo”, antes foi bem vasto o contributo de erros e traições internas a essas tentativas (além da derrocada dos “países socialistas”, veja-se o caminho que leva a China, ou o “socialismo dinástico” da Coreia do Norte).
    É indispensável repensar as questões, encontrar novos caminhos sem ceder nos princípios. Não é fácil, não pode ser obra individual, ainda que um novo estádio de reflexão e novas soluções possam convergir, numa determinado momento, num indivíduo, numa “escola”, numa corrente de pensamento, como também foi acontecendo – sempre! – ao longo da História. Tal como, nas ciências exactas, novas teorias vão substituindo, renovando ou reformulando as antecedentes, também os progressos teóricos – que precedem a prática – na Filosofia, na Política, na Economia, não poderão partir do vazio, mas sim do longo caminho que o pensamento humano tem percorrido, no caso, essencialmente aquele que se orienta para a justiça e a solidariedade sociais. Mesmo que novas bases de acção eventualmente rejeitassem tudo o que as precedera, a verdade é que só se pode rejeitar o que se conhece. E a gente da nossa geração atravessou algumas formulações abstrusas, em diversas áreas culturais, que, no entanto, não deixarem de ter o seu papel, ao nível do pensamento e da análise das mais diversas disciplinas, em particular filosóficas e artísticas, mesmo quando proclamavam a negação total do passado (como se tal fosse possível).
    Enfim, mesmo estas diferentes concepções, quando se persegue o mesmo objectivo, acabam por contribuir para a construção de novas perspectivas e soluções. E aí sempre nos encontraremos, creio.

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