Selecção e tradução de Júlio Marques Mota
Financeirização no Brasil: «um tigre de papel, com dentes atómicos»?
Pierre Salama, Attac, 23 de Maio de 2014
Financiarisation au Brésil : « un tigre en papier, avec des dents atomiques » ?
Parte IV
(CONTINUAÇÃO)
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C. A originalidade brasileira
1. Uma taxa de desemprego fraca apesar de um aumento da população economicamente activa
O emprego formal aumenta no conjunto dos sectores, fracamente na indústria, fortemente no comércio, muito fortemente nos serviços (ver gráfico abaixo). O emprego formal cresce mais rapidamente que o emprego informal desde 2002 [11].
Source : à partir des données RAIS, Araujo Guimaraes N. (2012) : « Que cambia cuando crece el trabajo asalariado y como el debate puede ayadar a comprenderlo », Revista de trabajo, n° 10.
O emprego via sociedades que servem de intermediárias (ínterim) cresce muito rapidamente, mas refere-se apenas à uma percentagem muito fraca dos empregos formais, ou seja de 2 a 3 %.
A população economicamente activa cresce com o desenvolvimento do assalariado feminino e a taxa de desemprego tende a diminuir (ver gráfico abaixo). Esta evolução é original se a compararmos à dos países avançados, sobretudo países europeus.
Source : Associação Keynesiana Brasileira.
2. Salários reais em forte aumento, mas cuja progressão regride fortemente
Os salários reais aumentam igualmente, por vezes fortemente (ver gráfico abaixo). Mas esta progressão é muito mais fraca desde 2011, e, em 2013, torna-se negativa. De acordo com o relatório económico da OCDE sobre o Brasil, os salários reais em dólares passam de 4,35 dólares em 2000, à 8,44 dólares em 2006 e 11,65 dólares em 2011. Este crescimento em parte deve-se:
1. a um aumento importante do salário mínimo [12] (ver gráfico abaixo)
2. a um enviesamento importante entre a procura de empregos dos trabalhadores qualificados e uma oferta de empregos das empresas, todos os sectores juntos, mais orientada para o trabalho não qualificado, como o veremos a seguir.
3. e por último a um aumento do salário real em reais e em parte a consequência de uma forte apreciação do real em relação ao dólar.
Contrariamente ao que se observa nos países avançados, a distribuição funcional dos rendimentos tem-se melhorado a favor dos assalariados. A parte dos salários no PIB aumenta e passa de 40,2 % do valor acrescentado em 2004 para 43% em 2010 de acordo com a avaliação Bruno. (2012, op.cit.), enquanto que ela diminui fortemente e estabiliza-se depois relativamente nos países avançados mas a um nível deprimido.
Mais surpreendente, o coeficiente de Gini [13] baixa, permanecendo ao mesmo tempo ainda com um nível extremamente elevado. A distribuição pessoal dos rendimentos melhora-se em detrimento dos 1 % mais ricos. Os dados fornecidos pelo IBGE e pelo PNAD mostram que em 1996 a parte dos rendimentos dos 1 % mais ricos excedia em 50 % a parte dos mais pobres (13,5 % contra 13 %) e que em 2012, ela é-lhe inferior (12,9 % contra 18,5 %) [14]. A parte dos rendimentos do decil mais rico baixa igualmente entre estas duas datas, passando de 34,4 % a 29,1 %.
Esta diminuição das desigualdades não teve lugar nos países avançados. Durante estes vinte últimos anos, observa-se um aumento importante por parte dos rendimentos dos 1 %, dos 0,1 % e de maneira ainda mais marcada, dos 0,01 % mais ricos, em detrimento do resto da população. Embora no Brasil os dados sobre a parte dos 0,1 % mais ricos e a fortiori sobre os 0,01 % não sejam (estranhamente) disponíveis, pode-se supor que esta parte cresce igualmente, tendo em conta os inquéritos feitos por Cap Gemini sobre o aumento do número de multimilionários ao Brasil.
(continua)
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[11] O emprego informal é cada vez menos o produto de relações de produção antigos de tipo autoritarismo – paternalismo. É cada vez mais uma maneira de contornar o pagamento das contribuições sociais. Neste sentido, aproxima-se do dos países avançados. O crescimento em força do emprego formal relativamente ao emprego informal não significa mais estabilidade do emprego. Como nos países avançados, a precariedade, o tempo parcial, estão em franco desenvolvimento e a flexibilidade do trabalho aumenta (para uma apresentação da questão do desemprego, ver Demazière D. Guimaraes N.A., Hirata H., Sugita K. (2013), Etre chômeur à Paris, Sao Paulo, Tokyo,, SciencesPo Les Presses. Com a liberalização do mercado do trabalho, assiste-se assim a um duplo processo: menos empregos informais, mais empregos formais (declarados)… informalizados.
[12]. O salário mínimo aumenta de acordo com a taxa de inflação e o crescimento do PIB passado. Basta que o PIB aumente fortemente dois anos de seguida para que esta subida se transmita ao salário mínimo. Mais a volatilidade do crescimento do PIB é importante, mais a separação entre o crescimento do salário mínimo e o crescimento do PIB no tempo t é importante num sentido ou outro. Foi o caso em 2011 (forte aumento do PIB em 2010) e em 2013, e sobretudo em 2014 (fraco aumento do PIB em 2012 e em 2013).
[13 O coeficiente de Gini é um indicador global das desigualdades que relaciona as percentagens da população e as percentagens do rendimento distribuído. População e rendimentos, em percentagem, formam os dois lados de um quadrado. Se 5 % da população obtêm 5 % do rendimento, 10 % obtêm 10 %, etc., a distribuição dos rendimentos é a mesma em cada caso, o cruzamento das ordenadas e as abcissas situa-se sobre a diagonal. A diagonal do quadrado traduz por conseguinte a igualdade perfeita. A distribuição dos rendimentos é mais ou menos desigual de acordo com os países: 10 % da população obtêm, por exemplo, 5% dos rendimentos, 20 % recebem 9 %, etc. o cruzamento das ordenadas e as abcissas define uma linha curva nomeada curva de Lorenz. Esta curva representa a distribuição pessoal dos rendimentos. A superfície que existe entre esta linha e a diagonal, relacionada com a metade da superfície do quadrado constitui um indicador das desigualdades, nomeado coeficiente de Gini. Mais a curva de Lorenz se aproxima da diagonal, menor é a superfície ocupada entre esta curva e a diagonal e menor é então o coeficiente de Gini e inversamente. Esta conclusão deve ser matizada. É necessário completar esta informação com a ajuda de outros indicadores porque poderia ser enganadora. Com efeito, a superfície ocupada entre esta curva e a diagonal pode ser gerada por duas curvas de Lorenz diferentes na sua curvatura. Um mesmo coeficiente de Gini pode por conseguinte reflectir duas distribuições de rendimentos muito diferentes. O coeficiente de Gini, antes das transferências sociais (apoios às famílias, ajuda aos deficientes e sobretudo as pensões de reforma) era de 0,631 em 1998 e de 0,598 após pagamento destas transferências. Estes dois coeficientes conhecem uma nítida redução, ficando ao mesmo tempo elevados: o coeficiente de Gini antes de transferências é de 0,598 e, após transferências, de 0,543 em 2010 de acordo com o IBGE.
[14] . Os dados sobre os 1 % mais ricos, tirados do IBGE e do PNAD devem ser interpretados com prudência. É provável que esta parte seja largamente superior à indicada. Com efeito, aquando dos inquéritos do PNAD, é perguntado aos entrevistados quais são os seus rendimentos. Ora, os detentores de obrigações, à taxas de interesse elevadas, não declaram a integralidade dos interesses recebidos, porque estes geralmente são muito frequentemente reinvestidos automaticamente.
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Para ler a Parte III deste trabalho de Júlio Marques Mota, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, vá a:
FINANCEIRIZAÇÃO NO BRASIL: “UM TIGRE DE PAPEL, COM DENTES ATÓMICOS”? – por PIERRE SALAMA
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