Selecção e tradução de Júlio Marques Mota
Financeirização no Brasil: «um tigre de papel, com dentes atómicos»?
Pierre Salama, Attac, 23 de Maio de 2014
Financiarisation au Brésil : « un tigre en papier, avec des dents atomiques » ?
Parte III
(CONTINUAÇÃO)
…
Assim como nós já o sublinhámos, a produção nacional não pode responder convenientemente ao crescimento da procura das famílias e ao da induzida dos produtos intermédios e dos bens de equipamento, por falta de investimentos suficientes – estes situam-se entre 16 % do PIB em 2004 e 18,4 % em 2013, ver o gráfico abaixo – e duma fraca plasticidade do tecido industrial. Para tanto, as capacidades de produção instaladas são utilizadas plenamente [9] em 2013, como se pode vê-lo no quadro abaixo (fonte Carta IEDI).
As empresas exportadoras de produtos industriais são desfavorecidas pela apreciação da taxa de câmbio (ver gráfico abaixo) mas também pela insuficiência de bens de investimentos anteriores e pela fraqueza das suas despesas de investigação (dificilmente chegam aos 1 % do PIB, concentrados sobre apenas algumas empresas).
Source OCDE (2013): Estudos económicos da OCDE, Brasil ( le coût unitaire du travail dans l’industrie de transformation)
O tecido industrial prova-se cada vez mais inadaptado para responder à evolução da procura mundial de produtos industriais. As exportações sofrem uma regressão relativamente mais ou menos fortemente de acordo com o seu nível tecnológico. O saldo da balança comercial de produtos industriais é cada vez mais negativo. Mais precisamente, as exportações de produtos manufacturados (indústria de transformação) sofrem uma regressão em termos relativos no Brasil, passando de 53 % do valor das suas exportações em 2005 para 35 % em 2012, e com vantagem para as exportações de matérias-primas agrícolas e mineiras. O saldo da balança comercial de produtos da indústria de transformação torna-se negativo desde 2008. Este défice cresce de 2008 à 2013, por causa especialmente dos produtos de alta, média-alta e média-baixa tecnologia. Só os produtos de baixa tecnologia conservam um saldo positivo da sua balança comercial, como se pode ver nos dois gráficos abaixo (fonte Carta IEDI).
Contudo, desde 2001, graças à exportação crescente de matérias-primas, o saldo da balança comercial torna-se positivo e atinge, de acordo com o Bradesco, +46,5 mil milhões de dólares em 2006. Depois, este saldo diminui, e em 2013 é de apenas de +2,5 mil milhões de dólares, ou seja quase vinte vezes menos importante que em 2006 (ver gráfico abaixo, fonte Carta IEDI).
O excedente da balança comercial é por conseguinte cada vez mais modesto e não é suficiente para compensar os défices dos serviços [10]. O défice da balança das contas – correntes é consequentemente crescente. Os défices externos e internos (balança das contas – correntes e orçamento), mais a atracção eventual das outras praças financeiras, vêm reforçar a volatilidade dos investimentos em carteira e, sendo assim, temos as dificuldades clássicas “para equilibrar” a balança de pagamentos. O constrangimento externo reaparece então e, com ele, o risco de um crescimento dito pendular, com todas as consequências negativas sobre o volume do emprego e o nível dos salários reais.
(continua)
________
[9] A insuficiência de investimento e as capacidades de produção plenamente utilizadas são fontes de inflação. São por conseguinte as condições da oferta mais do que as da procura que explicariam as tensões inflacionistas.
[10] A balança comercial compreende o conjunto dos bens trocados (importações e exportações de bens), a dos serviços refere-se principalmente aos serviços ligados aos transportes, às viagens, à construção, às comunicações, seguros, serviços financeiros, serviços informáticos, royalties; “os novos sectores dinâmicos”: os serviços ligados à construção, a informática, aos serviços pessoais e aos culturais, royalties, etc. O saldo da balança das contas correntes compreendem o saldo da balança comercial dos bens e serviços, ao qual se acrescenta o saldo dos serviços “factores”, ou seja, ligados ao capital e ao trabalho (dividendos, juros, transferências dos trabalhadores no estrangeiro).
________
Para ler a Parte II deste trabalho de Pierre Salama, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, vá a:
FINANCEIRIZAÇÃO NO BRASIL: “UM TIGRE DE PAPEL, COM DENTES ATÓMICOS”? – por PIERRE SALAMA
________
1 Comment