CONTOS & CRÓNICAS – OUTRA CARTA DE MAURÍCIO VILAR – por João Machado

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Desculpe vir maçá-lo novamente. Calculo que tenha mais que fazer. Mas é que a minha situação está cada vez mais complicada. Não sei para onde me volte. Escrevo-lhe aqui do meu quarto, onde me meti depois de tomar o pequeno almoço na cozinha com a minha mãe. Disse-lhe que tinha de estudar, pois quero fazer uma frequência para a semana, o que, garanto-lhe, é a pura verdade. Assim fechei a porta, e fiquei mais à vontade. Entretanto, ela pôs-se a ver televisão, e assim tenho sossego até ao meio-dia.

Imagine que ontem fui à mercearia da D. Josefa, aqui mesmo ao pé de casa. A minha mãe mandou-me lá buscar umas batatas que já tinha comprado, mas como eram pesadas, deixou-as lá ficar para eu as ir buscar depois. Também era ainda de manhã, quase onze horas. Entrei e cumprimentei:

– Bom dia, D. Josefa. Como está? A família, bem?

– Estamos todos bem, muito obrigada. E o Maurício? Ouvi dizer que tem exame para a semana. – a D. Josefa conhece-me desde pequeno.

– É verdade. Tenho que passar este exame. Já vai sendo tempo de acabar isto.

– Boa sorte para o exame. As batatas estão em cima daquele balcão. –apontou para um saco ainda grande que aguardava mesmo à ponta, do meu lado direito.

Dirigi-me ao sítio que ela me indicou. Pegava eu nas batatas quando me apercebi que mais alguém entrava na mercearia. Volto-me e dou de caras com a Maria Antónia, que me sorria enquanto descia o último degrau da entrada.

– Bom dia, D. Josefa. Bom dia, Maurício – disse ela, com todo o à vontade.

– Bom dia, Senhora D. Maria Antónia – cumprimentei atrapalhadíssimo. Ela riu-se e dirigiu-se à Josefa, que nos observava. Saí, carregado com as batatas.

Hoje de manhã, ao pequeno almoço, ainda não me tinha sentado para comer os meus cereais, dispara-me a minha mãe:

– Olha lá, tu conheces de algum lado esta rapariga que agora trabalha em casa da Henriqueta?

– Eu não. Não a conheço de lado nenhum.- repliquei rapidamente. Pus o meu ar mais despreocupado.

A minha mãe olhou para mim com um ar estranho. A seguir encolheu um canto da boca, um trejeito que ela faz quando alguma coisa lhe custa a acreditar. Insistiu:

– Tens a certeza? Nem da Universidade? Talvez na cantina?

– Bem, eu mal a vi, quando ontem nos bateu á porta. Mas porque é que eu havia de a conhecer?

– Tu vê lá. Ontem à tarde, quando foste para a faculdade, fui ao café, estive com a Gertrudes, e ela contou-me que esteve na Josefa, e que ela lhe disse que vocês se tinham cumprimentado lá na mercearia. Ficou com a impressão que já se conheciam antes.

– Bem, e qual era o problema? Mas acho que nunca a vi.

– Não é problema nenhum. Foi a Josefa que ficou com essa impressão. Não tem importância. – a minha mãe pôs um ar carregado, parecido com o que tinha quando eu namorava a Natália, e lhe dizia que ia sair para ir ter com ela.

Não falámos sobre mais nada. Pouco depois, levantei-me, disse-lhe que vinha estudar, e meti-me aqui no quarto.

Como vê, isto está complicado. Diga-me, que hei de fazer?

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