LIÇÃO SOBRE O CAPITALISMO MODERNO – por JÚLIO MARQUES MOTA

Uma lição de economia das que não se escrevem nos manuais mas sim nos tribunais: reflexões à volta da Argentina

Parte II

(continuação)

Uma ilustração de Fortune sobre o apoio a Mitt Romney para a Casa Branca:

neoliberais - V

Dê-se a palavra à revista Fortune:

Fortune. “Enquanto se prepara para a recta final da maratona que é a campanha da sua nomeação republicana para as eleições presidenciais, Mitt Romney não tem escassez de eminentes financiadores a exortá-lo — em conselhos, em dinheiro ou nas duas coisas. Multimilionários, titãs a dirigirem hedge funds como Julian Robertson da Tiger Management, Louis Bacon da Moore Capital e John Paulson & Co. tem estado todos a apoiá-lo. Steve Schwarzman, co-fundador do fundo de investimento gigante Blackstone recentemente realizou um evento de recolha de fundos ao mais alto nível para Romney no seu apartamento de Park Avenue. Velhos amigos de Romney em Bain Capital, a empresa que fundaram em 1984, tem também sido generosos no seu apoio. Mas talvez nenhum dos apoiantes de Wall Street a Romney irá ser mais crucial para o sucesso do candidato, ou que tenha mais influência sobre o seu pensamento, que Paul Singer”.

Ninguém é pois mais importante que Paul Singer no mundo dos Republicanos onde o dinheiro escorre e corre como a agua no rio Tejo em tempo de forte tempestade.

Recentemente, Singer deu somas importantes para os projectos escuros quanto a dinheiros dos multimilionários irmãos Koch assim para o clube para o crescimento, Club for Growth, um grupo anti-impostos que ajudava os militantes do Tea Party a conseguirem substituir diversos republicanos em posições chave. Paul Singer foi igualmente um dador generoso para Karl Rove, para o seu grupo GPS, Crossroads Grassroots Political Strategies (Crossroads GPS), grupo este que servia de “informal advisers” e também de colectores de fundos, segundo o porta-voz do grupo, Jonathan Collegio, para os Republicanos, e tem também recorrido a Susan Ralston, uma ex-assessora de Rove e do desgraçado lobista Jack Abramoff, para ajudar a angariar fundos. Os empregados de Elliott Management são virtualmente os principais suportes de cada um Republicanos de topo em Washington, incluindo o Senador Mitch McConnell, líder minoritário do Senado, e o mesmo relativamente ao líder da maioria Eric Cantor da Câmara dos Representantes assim como se projecta já apoiar em 2016 para as presidenciais republicanos como Ryan e o senador Marco Rubio de Florida.

No entanto,  Paul Singer esteve em desacordo com o partido relativamente a  algumas questões importantes, sobretudo sobre o casamento gay. (Ele tem um filho que é gay e que está casado em Massachusetts, desde há já alguns anos). Paul Singer tem canalizado mais de US $ 11 milhões para campanhas a favor da igualdade de casamento desde 2001 e colocou mais de US $ 1,7 milhões para o lançamento da American Unity PAC, que apoia os republicanos defensores do casamento gay. Ele também trabalhou estreitamente com Ken Mehlman[1], o antigo presidente do Comité Nacional Republicano de que saiu há já alguns anos (e agora banqueiro de investimentos de Wall Street). “Paul está activo na questão apesar da sua ideologia conservadora nesta matéria,” diz Mehlman. “Ele acredita firmemente nisso. Nós colaboramos estreitamente.”

Por fim,  a aversão de Paul Singer para com as políticas económicas do governo Obama levou-o claramente a alinhar fortemente com a ala mais conservadora do partido. O seu principal combate tem sido a sua luta pela revogação ou pelo enfraquecimento da lei Dodd-Frank, uma lei que ele vê tanto como sendo demasiada intrometida nos mercados (se com esta se expande a supervisão federal sobre os hedge funds e se quer controlar a participação dos credores nas grandes falências das empresas, uma parte fundamental do negócio dos fundos abutres) e por ser também demasiado frouxa (ele tem-na criticado por não exigir uma suficiente divulgação das situações dos grandes bancos).

” Paul Singer é o grande corrector em termos de poder no mundo financeiro republicano,” diz um agente que o conhece. “Ele está envolvido com quase tudo.”

Entre os aliados do Elliott está Scott Garrett, o republicano de Nova Jersey que preside a Subcomissão que fiscaliza a Securities and Exchange Commission, a SEC, a instituição reguladora da Bolsa. Garrett tem lutado para se reduzir o orçamento da SEC e chama à lei Dodd-Frank, uma lei “inconstitucional”. Em 2010, os executivos de Elliott colocavam perto de 200.000 dólares para a campanha de dois Comités que apoiaram Garrett e também aumentaram a importância deste no meio republicano; uma grande parte do dinheiro destes comités foi utilizado em ajudar outros membros. Paul Singer e outros executivos de Elliott também abriram as suas amplas carteiras para apoiar Eric Cantor, que muito se esforçou para o proteger com uma enorme redução nos impostos, conhecida esta  como carried interest, o que permitia aos financiadores de hedge funds pagarem taxas muito baixas sobre os ganhos de capital no seu rendimento.

Mas no que é, talvez, a sua batalha mais violenta e mais levada a peito, é a que travou contra a Argentina em que Elliott gastou mais de uma década,  empenhadíssimo numa campanha jurídica altamente agressiva para forçar a Argentina a pagar cerca de US $ 1,5 mil milhões em dívida pública acumulada no seguimento da catástrofe financeira de 2001[2]. (Elliot arrecadaria 300 milhões de dólares por um conjunto de obrigações que a Argentina alega que ele adquiriu por 48 milhões). A maior parte dos bancos americanos e outros credores aceitaram desde há muito a proposta da Argentina de liquidar a dívida por 30% do seu valor original. Mas uma subsidiária de Elliott ganhou vários processos judiciais federais que lhe permitiram aumentar a pressão exercida sobre Buenos Aires. A subsidiária é representada pelo ex-procurador-geral no tempo de Bush e seu advogado no processo Bush v. Gore, o advogado Ted Olson, que recentemente contribuiu para derrotar no Supremo Tribunal a lei do casamento anti-gay da Califórnia.

Mas a postura do Elliott tem suscitado preocupações entre os grandes bancos e a administração de Obama, que tem apoiado algumas das reclamações da Argentina no tribunal. Eles temem que a brutal pressão feita sobre a Argentina poderia colocar outras ofertas de dívida com países em extr4ema dificuldade em risco e baralhar o mercado global de títulos. Mas Elliott tem pressionado duramente e obtido algum apoio no Congresso. No ano passado, o congressista Rep Connie Mack. Da Flórida, patrocinou um projecto de lei para forçar a Argentina a pagar US $ 3,5 mil milhões para os hedge funds entre os quais Elliott — cujos quadros são alguns dos maiores apoiantes da campanha mal sucedida de Mack para o Senado em 2012 (Mack terá dito que não tinha conhecimento do papel do Singer na luta pela cobrança da dívida).

Não é a primeira vez que Elliott pressiona duramente os países pobres encurralando-os. Na década de 90, foi premiado com uma sentença de US $ 58 milhões sobre a dívida pública do Peru que ele tinha comprado por cerca de $ 11 milhões; alguns anos mais tarde, obteve cerca de US $ 90 milhões sobre a dívida do Congo que tinha adquirido por aproximadamente US $ 20 milhões. Ainda agora com a Argentina o fundo tem endurecido fortemente as suas tácticas. Em Outubro passado, a subsidiária de Elliott tinha detido o veleiro da Marinha da Argentina Libertad ARA num porto do Gana; o Tribunal Internacional para o direito do mar, mais tarde considerou como  uma violação do Direito internacional  Marítimo o apresamento  do veleiro uma violação. O veleiro Le Libertad (ou ARA Libertad, Q-2) é um veleiro de três mastros que serve, desde 1960, de navio escola para a marinha argentina e é um dos maiores veleiros no mundo.

neoliberais - VI

Aqueles que conhecem Paul Singer, consideram que estes comportamentos tão fortemente agressivos são perfeitamente normais em Singer, consideram que fazem parte do seu carácter. Harvey Miller, um parceiro  e um perito em falências na firma Weil, Gotshal & Manges que levou e lutou contra Elliott em tribunal, considera-o “um adversário muito duro, persistente e muito difícil. Não é um homem de compromissos. É persistente e nunca desiste. [Antes quebrar que torcer, diríamos.]  Os Democratas irão provavelmente confirmá-lo em 2014.”

Em forma de conclusão, retomemos a revista Fortune, sobre Paul Singer:

Um dos primeiros grandes sucessos de Elliott no desenvolvimento da abordagem tão agressiva como a conhecemos hoje para com as empresas e países em dificuldade foi quando comprou dívida peruana já assumida publicamente como em incumprimento em 1996, ou seja comprada em saldo. Testemunhando, nesse caso, Paul Singer explicou a posição da sua empresa: “O Peru também nos vai pagar na totalidade… ou vai ser processado.” A declaração reforçou o argumento do Peru de que as acções de Elliott eram ilegais sob o que é chamado leis de “champerty”, um acordo pela partilha de ganhos numa acção levada a tribunal, na opinião do Peru em que  este alegou não permitirem estas leis  que um investidor compre uma dívida com o único propósito de levar o emitente, a contraparte, a tribunal. Em 1998 um tribunal nos EUA concordou com os argumentos do Peru. Mas a decisão — e a definição de “champerty” — foi mais tarde anulada num tribunal de instância superior. Em 2000, Elliott ganhou US $ 58 milhões, sobre a dívida pela qual pagou aproximadamente US $ 11,4 milhões. O Peru com o medo pagou. Elliott depois pressionou com sucesso para o estado de Nova York a revogação do estatuto de champerty. “Algumas das coisas que Elliott faz não são boas para o sistema internacional, mas eles são jogadores incrivelmente inteligentes e eles estão a ganhar. ” diz Mitu Gulati, um professor de direito da Universidade de Duke.

(continua)

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[1] Ken Mehlman, que foi  responsável  pela gestão da campanha do Presidente  Bush em 2004  e antigo Presidente do  Republican National Committee, relatou á sua família e amigos que era gay . (Agosto de 2010.)

[2] O processo levantado pela subsidiária de Elliott é chamado NML Capital v. Argentina, assim chamado por ser apresentado a tribunal pela subsidiária de Elliott Management, o hedge fund de Paul Singer. A subsidiária terá pago $48 milhões em 2008 na compra de dívida da Argentina publicamente assumida como estando em incumprimento e faz agora parte de um grupo de 19 investidores, os holdouts, e insiste que o país lhes pague agora $1.44 mil milhões, incluindo juros e principal, segundo se afirma no processo. Veja-se TOM HAMBURGER AND CAROL D. LEONNIG, Washington Post: Justice Department may weigh in on battle royale between hedge funds and Argentina, July 12, 2013. Como assinala Fortune, num artigo de Michelle Celarier, de Março 2012, Mitt Romney’s hedge fund kingmaker :

“a parada está muito alta. Elliott possui títulos de dívida argentina com um valor facial de $630 milhões, [comprados a preço de saldo e que mesmo que comprados ao valor de oferta de troca de títulos, o que ele não quis, valeria apenas 200 milhões aproximadamente] e que na sua opinião valem agora com juros compostos cerca de $2.3 mil milhões como consta na documentação enviada a tribunal. Singer é optimista e a sua paciência tem-no recompensado. “Temos feito significativos progressos na frente legal contra a Argentina [em 2011], e esperamos ver-nos livres desta confusão em 2012 ou o mais breve possível ” escreveu ele num relatório enviado aos seus investidores.”

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Para ler a Parte I deste trabalho de Júlio Marques Mota, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, vá a:

LIÇÃO SOBRE O CAPITALISMO MODERNO – por JÚLIO MARQUES MOTA

 

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