MITO & REALIDADE – Terror e Morte em Lisboa -13 -por José Brandão

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Não tinham decorrido cinco dias sobre os acontecimentos no Arsenal, quando este trabalho do jornalista do Diário de Lisboa surgiu a público.

«Sá Pereira, que então era para mim um desconhecido», recorda Cunha Leal, «realizou um trabalho exaustivo para arrancar à tenebrosa negridão dessa noite, com perfeição e rigor inexcedíveis, os factos ocorridos.» Ainda nas palavras de Cunha Leal, passadas mais de três décadas, «registe-se que não apareceu, nem então nem mais tarde, uma única testemunha ou um único interveniente a contestá-los ou a tentar encontrar neles uns vagos vislumbres de inexatidão. Essas páginas vivas, candentes como ferro em brasa, provocaram profundo alvoroço e indignação entre a grei portuguesa e determinaram à distância de 58 dias o definitivo ocaso dos vencedores, que – oh, ironia do destino! – Estavam fadados para serem vencidos pela sua própria vitória!».

ANTÓNIO GRANJO

António Joaquim Granjo nasceu em Chaves, em 27 de Dezembro de 1881. Era filho de Domingos Pires Granjo, um curtidor e vendedor de peles e de Maria Joaquina Granjo.

Obteve, em 1907, o bacharelato em Direito pela Universidade de Coimbra, para onde se deslocou em 1899, tivera formação religiosa, frequentando o Seminário de Braga, entre 1893 e 1898, e cursando Teologia no Porto, no ano seguinte.

Por 1899-1900 frequentava o Colégio de S. Joaquim e conseguiu agrupar bons companheiros, a quem iniciou magistralmente no seu credo republicano! Devido a iniciativa sua, se começou então a publicar em Chaves o semanário republicano A Alvorada, que foi querelado e punido (devido a artigo do Granjo), passando seguidamente a publicar-se com o título Aurora. Colaboradores principais: António Granjo, João Amorim, António Castilho, Maximiano Seixas Martins e João Sarmento, de Soutelinho do Monte. O Granjo sentia-se cada vez mais revoltado contra a profissão eclesiástica que lhe escolhiam, não tinha feitio; mas também não queria desgostar a família, que muito sinceramente o estimava. Então no seu jornal, que logo conquistou público, conseguindo impor-se pelo seu valor literário, começou a satirizar certas criaturas, inclusive António Carneiro, secretário do Vigário Geral, e ainda outros elementos clericais.

Tivesse ou não frequentado o seminário o facto é que assentou praça em 1899 no Regimento de Cavalaria nº 6, mas a 15 de Outubro desse mesmo ano pediu baixa da vida militar, experiência a que dará continuidade mais tarde, quando liderar um grupo de voluntários contra as invasões monárquicas de 1911 e 1912 e integrar o Corpo Expedicionário Português na qualidade de alferes miliciano. Depois de concluir os estudos superiores em Coimbra, regressa à sua terra natal, onde se dedicará à advocacia até se fixar em Lisboa, no ano de 1919.

A sua atividade política começa no contexto das greves estudantis em Coimbra – quando, em 1907, integra o Comité Revolucionário Académico – e consolida-se, logo a seguir, por via da organização de um núcleo revolucionário em Chaves e da participação no Comité Revolucionário de Trás-os-Montes, onde tem um importante papel na propaganda republicana.

Participou na tentativa revolucionária de 28 de Janeiro de 1908, tendo desenvolvido contactos na cidade do Porto, onde vivia o irmão Manuel Augusto Granjo. A sua ação, durante esta tentativa revolucionária republicana que fracassou, seria tomar o forte S. Neutel, em Chaves, para apoderar-se das munições e armas ali existentes.

A 8 de Outubro de 1910, foi proclamada a República em Chaves, com a sua presença na Câmara Municipal. Faziam parte do núcleo revolucionário de Chaves, além de António Granjo o Antão Fernandes de Carvalho, Vítor Macedo Pinto, Adelino Samardã (jornalista e organizador da Carbonária na região transmontana), José Mendes Guerra e António da Silva Correia.

A 6 de Outubro de 1911 partiu para Vinhais, para enfrentar as invasões monárquicas comandadas por Paiva Couceiro, levando com ele António Cachapuz, Joaquim Monteiro, Vitorino Vidago e António Luís Pereira. Nesse mesmo ano, dá início à sua carreira de deputado, eleito e reeleito por Chaves até 1921, em que se destaca, logo em 1912, por defender a amnistia para os inimigos do novo regime.

Em 1912, trava-se de razões contra os denominados jovens turcos: Álvaro de Castro, Sá Cardoso, Álvaro Pope, Américo Olavo, que defendiam as opiniões de Afonso Costa, enquanto António Granjo se perfilava ao lado de António José de Almeida.

Em Maio de 1917, ingressa como alferes miliciano no Regimento de Infantaria nº 19, de Chaves, após ter concluído o curso de alferes no Regimento de Infantaria nº18, no Porto. Antes de partir, incorporado no Corpo Expedicionário Português em direção à Flandres, manda elaborar o seu testamento.

Da sua participação na Grande Guerra, escreveu um livro de impressões, que intitulou A Grande Aventura (Cenas de Guerra), além de ter publicado poesia e dirigido o jornal A República a partir de 9 de Março a 19 de Julho de 1920, em virtude de António José de Almeida ter sido eleito presidente da República. Volta a assumir esta função entre 20 de Novembro de 1920 e 9 de Junho de 1921. Colaborou ainda na revista Livre Pensamento de Coimbra, em 1905. Foi ainda colaborador de O Norte, Porto, 1918-1920.

Quando regressa da Flandres envolve-se nas conspirações e revoltas de 12 de Outubro de 1918 e de 10 de Janeiro de 1919. A primeira das tentativas restringiu-se às cidades de Coimbra, Évora e Vila Real. A segunda, deflagrou somente em Santarém.

Depois de deixar o Partido Republicano Português e de se tornar membro do Partido Evolucionista, integra ainda o Partido Liberal, de que foi líder entre 1919 e a cujo diretório pertenceu até 1921. Estreia-se como ministro entre 30 de Março e 28 de Junho de 1919, à frente da pasta da Justiça num governo liderado por Domingos Pereira.

Em 15 de Janeiro de 1920, sendo já membro do Partido Liberal, a cujo Diretório pertenceu desde os finais de 1919 a 1921, é nomeado ministro do Interior, mas não chega a tomar posse. Quando voltou a ser nomeado para cargos governativos, assumiu a pasta da Agricultura e chefiou o próprio Executivo, ambas as funções decorrendo entre 19 de Junho e 20 de Novembro de 1920, além de se ter encarregado da pasta das Finanças, a título interino, entre 14 de Setembro e 18 de Outubro de 1920. Será, ainda, ministro do Comércio, de 24 de Maio a Agosto de 1921, até acumular, pela última vez, a chefia do Executivo com uma pasta ministerial, desta feita, a do Interior, no período de 30 de Agosto até à Noite Sangrenta de 19 de Outubro de 1921, que ditou a queda do Governo e a sua própria morte.

Iniciado na Maçonaria, no triângulo 187, de Santa Marta de Penaguião, adotando o nome simbólico de Buffon, pertenceu depois à Loja Cavalheiros da Paz e Concórdia, em Lisboa. Manteve ligações a esta sociedade até ao final da sua vida, quando pertencendo à Loja Liberdade e Justiça, nº 373, de Lisboa, foi alertado por uma prancha datada de 15 de Outubro de 1921, que referia os problemas causados pela “questão dos elétricos” e a necessidade de “meter na ordem obrigando a cumprir as leis nacionais e estrangeiras”.

O empobrecimento e o embrutecimento do país são gerais. Ninguém sabe o que quer. Ninguém se entende. A fome grassa por todo o lado. Por falta de azeite fecham as fábricas de conservas do Algarve.

Era o começo do fim da Primeira República que tinha sido um somatório de idealismo, instabilidade, ignorância, revoluções, caos e crimes hediondos.

Para melhor se entender o conturbado que foi a primeira república fiquemos com alguns acontecimentos dos dois meses que antecederam a noite sangrenta:

Setembro de 1921:

– Deputado António Luís Gomes, em 1 de Setembro, considera que o sistema parlamentar está condenado por causa do regime de mentira, ao mesmo tempo que os ministros são uns verdadeiros criminosos que estão a arrancar o sangue do povo português. Conclui salientando: cada vez enjoo mais a política. Nunca entrei para partido algum, porque os partidos da República têm colocado os homens acima dos partidos … Por isso é que os homens de bem se retraem, afastando-se da política.

– Artigo em O Século, em 1 de Setembro, sobre a crise das subsistências considera que a classe média ficou entre o martelo e a bigorna.

– Confirmada a burla do empréstimo dos 50 milhões de contos através de comunicação diplomática do visconde de Alte em 4 de Setembro. O gabinete de Barros Queirós já conhecia a trama desde 28 de Agosto.

– Em 5 de Setembro, comício em Loures, com violentos discursos anticatólicos. Declarações de António Granjo no Senado, em 2 de Setembro são desvirtuadas pelo relato parlamentar do Diário de Notícias, quando se refere que Granjo reconhecia a religião católica como a única do país.

– Em 8 de Setembro, Cunha Leal interpela o ministro das finanças sobre a matéria. Sobre os boatos que correm, Vicente Ferreira apenas diz fumo. Na Câmara dos Deputados, intensos ataques aos banqueiros portugueses que serviram de intermediários no processo.

– Em 16 de Setembro, o deputado Carvalho da Silva denuncia o facto de o governo ter indemnizado com 4 500 contos indivíduos e empresas consideradas vítimas da última revolução. Jornais O Mundo e O Portugal, afetos aos democráticos, são contemplados com 260 e 330 contos, respetivamente.

– Em 17 de Setembro, os trabalhos parlamentares são suspensos até 7 de Novembro.

– Aborta golpe de Estado em 30 de Setembro. O chefe da conjura é o tenente-coronel Manuel Maria Coelho, com o capitão-de-fragata Procópio de Freitas e os oficiais da GNR Camilo de Oliveira e Cortês dos Santos. Presos alguns desses cabecilhas, eles são depois libertados por António Granjo. Entre os presos, o coronel Xavier Ferreira, Orlando Marçal, Sebastião Correia e Procópio de Freitas.

– Surge um esboço de movimento de salvação pública, subscrito por José de Castro, António Luís Gomes, Jaime Cortesão, João de Deus Ramos, Francisco António Correia, Ramada Curto, Cunha leal, Leonardo Coimbra e Sá Cardoso.

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ALGUNS OFICIAIS QUE TOMARAM PARTE NO MOVIMENTO DE 19 OUTUBRO DE 1921

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