EDITORIAL – 25 de Novembro – quem traiu quem?

logo editorialO golpe militar de 25 de Novembro de 1975, interrompeu um processo revolucionário cujo percurso, a não ter sido interceptado e desviado, não se sabe qual seria. Houve, de facto, uma “esquerda” atraiçoada pelo golpe. Mas a esquerda não tinha um desígnio comum – cada segmento ideológico, cobrindo um leque vasto que ia da social-democracia de uma das sensibilidades do PS, ao figurino albanês ou ao blanquismo de alguns sectores da chamada extrema-esquerda, perseguia modelos diferentes.

Divisões irredutíveis, sectarismos intransponíveis, posições integristas, como se viu ao longo da campanha eleitoral de 1976 (com ecos que, quase quarenta anos depois, ainda ressoam no interior do Bloco de Esquerda). Mas, se o sentimento de perda de que padece essa esquerda mítica, não configura a derrota de uma realidade ideológica definida, mas a de um mosaico de fracções cuja unificação nunca seria conseguida, o que é historicamente inegável é o papel desempenhado pelo PS, nomeadamente por Mário Soares e seus seguidores, no encerramento do processo revolucionário e da abertura dada ao neo-liberalismo para se instalar. Foi uma opção assumida a frio, aproveitando as contradições, o sectarismo, as profundas divisões da esquerda, para impor um modelo de sociedade que, na prática, conduz a uma oligarquia corrupta em que poder político e interesses económicos se misturam de forma perversa, desaguando em escândalos como os que por estes dias têm vindo a lume.

Quarenta anos depois, começa a haver distância suficiente para que se possa avaliar responsabilidades. As esquerdas, com fundamentalismos de várias origens, perderam a oportunidade histórica de criar uma verdadeira democracia participativa, sustentada por assembleias populares. O MFA entregou ao povo um terreno onde podia construir um sociedade livre e democrática. Enver Hodja, Mao Tse Tung, Lenine, Trotsky ou Rosa Luxemburgo, bem podiam ter sido impedidos de entrar – nada tinham para nos ensinar e trouxeram uma fogueira de ódios que foi objectivamente o grande aliado da direita. O PS, pela mão de Mário Soares, capitalizou as divisões da esquerda – que se reflectiam no interior do MFA – e instalou este sistema «democrático» em que as «liberdades» asfixiam a Liberdade e a corrupção constitui prática generalizada.

Activistas da «esquerda» (alguns deles hoje no PSD e no CDS, com cargos de elevada responsabilidade), «socialistas» que queriam tudo menos o Socialismo, foram os assassinos do processo revolucionário. Não seria a altura de o reconhecer?

 

 

4 Comments

  1. Ninguém quer se assumir – Excelente artigo com uma visão política excelente e bem informativa sobre as esquerdas que vão se desnutrindo a si próprias .Maria

  2. Fico feliz por ouvir falar assim. Quem nada tinha para ensinar nunca deva ter sido autorizado a ter entrado. A intromissão evidente dos vários “exteriores” foi fatal para um processo de construção muito participada da Democracia. A força das correntes políticas alienígenas que conseguiram a maior proeminência – tanto dinheiro receberam – haveria de culminar na aberração constitucional que, como está bem patente, tudo permite em detrimento dos interesses da População.CLV

  3. Pessoal blogueiro,
    A realidade é extremamente complexa e a História também. São-no porque cada homem é um caminho único, por vezes com sonhos comuns a outros, mas cada um seguindo a “sua verdade”, no percurso para objectivos afins, mas nunca em absoluto coincidentes.
    Ninguém poderia ter afastado a “intromissão” das ideias (ou falta delas) que se escondem por detrás dos nomes que o Carlos enuncia e de outros que faltam nesse rol: as ideias que lhes pertenceram, as que muitos julgam que lhes pertenceram, pois só as conhecem em segunda e terceira mão, as que foram e serão sempre interpretadas de diversíssimos modos.
    Tudo faz parte de uma herança impossível de rasurar e tão vasta que a ninguém cabe quinhão exactamente igual ao de qualquer outro. Assim, vamos coincidindo, nas acções das ideias resultantes, num momento com alguns, noutros momentos com outros. E não vale a pena reinventar o passado, lamentar o que é tão somente o resultado da condição humana e da sua diversidade. Valerá a pena, sim, procurar separar, nele, os que procuraram fazer o que consideravam melhor para todos – mesmo errando, do ponto de vista de outros, ou até concluindo, posteriormente, que erraram – dos que apenas perseguiram o seu próprio benefício. Com os primeiros haverá sempre a possibilidade de cooperar em circunstâncias que todos avaliem como particularmente graves. Quanto aos segundos, nunca alguns deixarão de aparecer junto de nós, num acesso de dignidade ou, decerto com maior frequência, numa aposta oportunista, como o especulador que fareja, nos “mercados”, a compra e venda que maiores lucros lhe dará: é destes grupos que saem, invariavelmente, aqueles que haverão de descaracterizar, corroer e, depois, destruir o que os menos avisados (por não adivinharem noutros o Mal que não transportam em si mesmos) consideram como progressos civilizacionais e políticos irreversíveis. Para não sairmos do presente, basta olhar o que se passou com a maioria dos movimentos de libertação africanos e muitos dos seus dirigentes mais destacados, heróis de um tempo que nos aparecia, a muitos, como de luminoso germinar de um futuro radioso: aqueles é que eram!… Mas, escavando o passado, incluindo o que, para muitos de nós, é próximo, facilmente encontraremos os mais tristes exemplos de como o instinto predador que subsiste na espécie humana arruína os mais belos edifícios construídos pelos melhores da mesma espécie.
    Temos connosco, no blogue, quem, no 25 de Novembro, tenha estado, honestamente, de um e outro lado (ou de uns e outros lados, porque também os “lados” não constituem um espaço rigorosamente delimitável). Só apagaríamos os caminhos de alguns, por outros considerados errados, se os eliminássemos, afinal, se nos eliminássemos uns aos outros (!), pois cada ser humano é constituído pela totalidade do que foi, do que pensou, do que fez. No entanto, concordando, discutindo, barafustando, por aqui nos vamos encontrando, espero que com sólida e geral fraternidade, sem atirarmos uns aos outros, individualmente, o que consideramos “erros” do passado, o que só inquinaria as saudáveis e necessárias análises do presente e os indispensáveis debates que delas decorrem, numa perspectiva de construir um futuro melhor.
    Pelo contrário, a nossa pequena história – o nosso lugar, mesmo anónimo, na grande História – fez que, com o tempo, nos aproximássemos de muitos com quem andámos desavindos, enquanto nos afastávamos de outros com quem, alguma(s) vez(es), entusiasticamente caminhámos, lado a lado. Aproximámo-nos, espero, todos os que, por caminhos diversos, procuram o bem comum. Continuando a pensar de diferentes modos, continuando a procurar diferentes vias para objectivos tão só aproximados, pois até aí, na delimitação do “fim último” da demanda de cada um, não há coincidências.
    O que, em meu entender, importa conquistar é a consciência individual de que, em cada momento, haverá uma pedra, maior ou menor, que todos os que não abdicam do bem essencial da dignidade humana contribuirão para acrescentar ao edifício, ainda sem arquitectura definida, de um futuro mais justo. Sem ambições desmedidas, mas seguros da importância de cimentar bem essa pedra, no seu lugar.
    E, depois, prosseguimos com o debate, cientes de que o opositor não é, aqui, o inimigo.
    Ah! E não vejo nenhum romantismo nisto: apenas objectividade, rigor, seriedade, inteligência, racionalidade.
    Para nos unirmos, é indispensável estarmos plenamente conscientes da nossa imensa diversidade.

    1. Não tenho o hábito de contestar opiniões só porque não coincidem com as minhas; no entanto, nesta divergência manifestada pelo Paulo, mais do que divergência, parece-me haver incompreensão – talvez por falta de clareza minha no enunciar de ideias – o que se condena não é nem as ideias das figuras políticas (das referidas e as de muitos outros); o que foi negativo foi a ânsia de seguir modelos à outrance. Enver Hodja conhecia muito bem a Albânia e o seu modelo de revolução adequava-se, talvez, à realidade objectiva do seu país.O Livro Vermelho de Mao Tse Tung constituiu (sempre talvez) um repositório de sabedoria para uma maioria de camponeses e de operários chineses… etc. Querer transpor essa (talvez) sabedoria para um país diferente num tempo diferente, chegou a atingir as fronteiras do ridículo. O que se quiz dizer, por outro lado, é que esse choque entre fundamentalismos ajudou a direita neoliberal a tomar o poder. O sentimento de perda manifestado pela esquerda e as acusações feitas a militares e políticos de centro-direita, fazem pouco sentido. Pode culpar-se um cão por ladrar ou um gato por miar? Eles fizeram o que tinham a fazer e as divisões irredutíveis entre as esquerdas ajudarm-nos. Devemos assumir as nossas responsabilidades e se a liberdade voltar a bater-nos à porta não devemos esquecer a lição desses 18 meses.

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