A GALIZA COMO TAREFA- Ruínas – Ernesto V. Sousa

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Espanha e Portugal apresentam grandes semelhanças na conformação contemporânea de um sistema político excludente, baseado no caciquismo, no nepotismo e na corrupção e suportado por uma estrutura política rotativista com políticos profissionais e intercambiáveis.

A ausência por gerações de Sociedade civil e democracia tem causado não poucos efeitos na conformação da sociedade. Um dos mais interessantes, talvez, na Galiza é a profunda rotura entre classes e a surda violência com que se manifesta. Fratura que parece herdada também de tempos fabulosos e que se continua no presente.

É fascinante como essa rotura enchoupa tudo: a conformação da sociedade, a maneira hostil em que o Estado trata a gente e o jeito desconfiado em que a gente mira para a justiça, a educação, as instituições, a administração, os impostos, as leis, o sistema educativo, a língua.

Esta divisão atinge mesmo a conservação do património. É muito interessante verificar como na Galiza a estrutura do Estado parece desentender-se dos mais dos restos arqueológicos e patrimoniais, dos arquivos, dos prédios e torres históricas, das propriedades, dos espaços, do território, das peças que deviam encher os museus, os livros e os discursos históricos. Esquecimento, subestimação, exploração, destruição, abandono, quando não simples – ou propositada – má interpretação histórica de conjuntos, peças, cronologias.

Há um contínuo de destruição de cima para abaixo, apoiado ou permitido pelas classes dirigentes em nome do progresso ou da exploração económica: da Cova de Eirós, ameaçada hoje, à destruição da feitoria de Ponta Lagosteira ou de restos históricos no caminho das grandes estradas e polígonos, passando pelas seculares depredações de mámoas, castros, igrejas, mosteiros e reitorias (à qual a Igreja não foi nem é alheia, como parte dos poderes fáticos do Estado) e do património histórico rural e urbano, abandonado à mais pura especulação.

E existe na gente não apenas uma defesa histórica do território, evidenciada hoje e historicamente em protestos e levantamentos populares, na defesa de espaços, relíquias ou lugares de uso e culto: alguns duramente reprimidos em meio da agitação e propaganda como nas Encrovas, e alguns finalizados em chacinas pelas forças da “ordem”, talvez a mais emblemática e ecoada na imprensa e a literatura a de Osseira de 1909.

E a contrário, parece que existisse na gente da Galiza uma concorrente vontade destrutora do património que simboliza poder e opressão. Dá para pensar como quando ao longo do XIX os restos de mosteiros, castelos, torres, igrejas, paços, foram abandonados, a gente procedeu nos mais dos casos com despeito, e a pilhagem de pedra e objetos, de destruição desses lugares foi comum e até como destacaram intelectuais da época com um certo assanhamento vingativo. Como se o pessoal estabelecesse, em espelho ao Estado, de jeito coletivo e duro, o património e memória que realmente quer conservar e de qual prescinde.

A memória coletiva da gente também soube guardar, por centos de anos, a segreda lembrança de restos agochados: castros, mámoas, cemitérios, ermidas, vilas abandonadas, capelas, adegas, minas, muralhas, protegidas, no mato e na terra, da rapina, que souberam chegar a descoberta quando toparam um interlocutor académico digno de confiança.

1 Comment

  1. Logicamente: os desgovernantes do estado-reino, mal chamado espaÑa, empenhados em construir miragens “novas” (sic) estão obrigados (sic) a destruir todas as realidades que puderem lembrar que esse estado-reino é miséria real e destruição absurda de pessoas, de comunidades e até de monumentos e edifícios.

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