CARTA DO RIO – 32 – por Rachel Gutiérrez

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Neste início de janeiro de 2015, quem está passando uns dias comigo é aquela menininha que Péguy chamou de Esperança. Ela é tão alegre e feliz que chega a amenizar um pouco o terrível calor deste verão. E quando lhe conto alguma coisa triste ou preocupante dos nossos dias, tem sempre ideias generosas e sábias sugestões com apenas um inconveniente, o de serem aplicáveis somente no plano dos sonhos e da fantasia.

Outro dia, a propósito da notícia bastante irônica sobre o Distrito Naval que formou a primeira turma de marinheiros fluviais indígenas e ribeirinhos no Amazonas, ela riu muito e disse que os índios é que deviam ensinar aos marinheiros os segredos da navegação fluvial. Então contei-lhe uma anedota que ouvira há alguns anos, em Santa Catarina, na cidade de Blumenau, que tem esse nome porque foi fundada por um filósofo e farmacêutico alemão Hermann Bruno Otto Blumenau. Ora, conta a lenda que enquanto o alemão, com mais treze companheiros, se ocupava em construir casas nas margens do rio Itajaí, um índio permanecia sentado no alto de uma pequena colina, olhando em silêncio, quieto, parado, como os índios costumam fazer. As construções avançavam lentamente e o índio não saía do lugar. Um dia, não resistindo à curiosidade ou talvez à irritação, Herr Blumenau subiu até onde o índio se encontrava e perguntou da maneira mais cordial que pôde: Você está incomodado porque estamos construindo na sua terra? Ao que o índio respondeu serenamente (e com o que imagino que o alemão interpretou como um esboço de sorriso): Não! a terra não é minha, é do rio! Tempos depois, o rio reivindicou a sua terra e fez a primeira de muitas inundações na cidade de Blumenau.

A menina Esperança limitou-se a sorrir. Ela estava pensando nos refugiados que atravessam perigosamente o Mediterrâneo para chegar à costa da Itália e me perguntou: O mundo todo não é de todos? E eu respondi que sim, mas que os países têm suas regras, sua organização e por maior que seja a boa vontade, encontram dificuldades em acomodar levas e mais levas de refugiados… Mas ela insistiu e argumentou que os países deveriam se organizar então de outra maneira, que acolher e abrigar os semelhantes aflitos deveria ser a primeira regra ou a primeira lei, chegou até a dizer que a palavra sociedade só teria sentido se fosse sinônimo de solidariedade. Tentei explicar-lhe que não é assim tão simples. Ela disse que compreendia, mas sugeriu então que assim como a China e os Estados Unidos propuseram uma nova reunião para tratar do clima, todos os países deveriam se reunir para resolver a questão dos refugiados sem casa, sem terra, sem rio, sem nada. E para me calar a boca, evocou aquela outra história do indiozinho peruano que aprende que o outro do seu tamanho “é ele mesmo, só com outra cara”. E insistiu: não somos todos os mesmos, só com outras histórias e outros problemas?

Nada pude responder.

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