A QUANTITATIVE EASING DE DRAGHI: UMA SAÍDA DA CRISE OU O ÚLTIMO PREGO NO CAIXÃO DA EUROPA? – 11. COMO MELHORAR O PROGRAMA QE DO BCE? por RONALD JANSSEN

Falareconomia1 Selecção e tradução por Júlio Marques Mota

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A quantitative easing de Draghi: uma saída da crise ou o último prego no caixão da Europa?

11. Como melhorar o programa QE do BCE

Ronald Janssen

Ronald Janssen, How To Improve The ECB’s QE Programme

Social Europe Journal, 28 de Janeiro de 2015 

Com o valor de €60 mil milhões de dívida a serem comprados mensalmente durante os próximos 19 meses, a partir de Março, o programa de quantitative easing do BCE é enorme. Mas este programa do BCE sofre de três defeitos principais (veja-se abaixo). Estes defeitos implicam que o programa de QE do BCE, mesmo se representa um grande salto em frente, precisa duma remodelação séria. Deve assegurar-se de que o papel moeda que se  irá imprimir estará necessariamente ligado com um plano de investimento concebido à escala da Europa.

O BCE permitiu que os génios da deflação ficassem livres

O primeiro defeito é o de que a decisão do BCE em se envolver  num grande programa de QE vem demasiado tarde e já depois dos factos consumados. E não é apenas o facto de que o BCE permitiu um continuo deslizar na economia da EU quer da taxa de inflação de base quer da taxa de referência, com esta última a virar mesmo para valores negativos em Dezembro de 2014. O problema é igualmente o de que, quer a médio prazo (5-anos) quer mesmo a longo prazo (10-anos),  as expectativas sobre a inflação estão em baixa e situam-se  agora em redor respectivamente de 0,5% e 1% apenas.

Permitindo que estas tendências se materializem, o BCE está a brincar com o fogo. Se os empregadores e os trabalhadores interiorizam as expectativas inflacionistas de uma baixa inflação e de queda das expectativas inflacionistas, nós então estaremos perante uma profecia auto-realizada  nas nossas mãos com a desinflação e, ultimamente, com a deflação a tornar-se numa realidade que está para ficar. Nas recentes rondas de negociação colectiva nos sectores austríacos e alemães da engenharia, foram já mostrados sinais de que este processo começa a estar  subjacente nas negociações, com os empregadores a usarem o argumento da baixa inflação para se contraporem nas negociações às moderadas propostas de subidas salariais. Note-se que estamos a falar dos países ricos, dos países com excedentes. Se a negociação salarial segue por esta via nestas economias, pode-se imaginar a pressão na posição nas negociações salariais sobre os trabalhadores nos países onde os preços já estão a caír e o desemprego é muitíssimo alto.

“Agora, somos todos monetaristas.” Verdade?

No livro de texto de Milton Friedman, colocando mais dinheiro nas mãos das famílias e nos restantes agentes da economia, tal facto incita os actores a consumir e a investir este dinheiro, e com isto se desencadeia a  inflação e/ou a procura agregada. Contudo, em vez de simplesmente proclamar que o dinheiro adicional é igual , por definição, a mais despesa, devem-se sobretudo considerar os mecanismos concretos através dos quais um aumento nas disponibilidades monetárias irá transformar-se num aumento na procura agregada.

Agora, nós sabemos que a zona euro é muito diferente dos E.U. Nos E.U., a QE funcionou fazendo subir o valor dos activos financeiros e conduzindo à baixa das taxas de juro aplicadas às dívidas das empresas. O primeiro destes efeitos estimula os detentores dos títulos a consumirem mais ( “devido ao que se chama o efeito riqueza “) enquanto o segundo efeito torna o dinheiro mais barato e assim se criam novos investimentos.

Na zona euro, contudo, estes mecanismos estão ausentes. Não há nenhum “efeito riqueza” no sentido que os agregados familiares na zona euro não tendem a consumir substancialmente mais quando a sua riqueza financeiramente aumenta. E as empresas em Europa financiam principalmente os seus investimentos através do sistema bancário e muito menos significativamente nos mercados financeiros. O BCE, injectando fortemente liquidez no sistema, impulsionará certamente o valor dos títulos e do endividamento das empresas (evidentemente uma janela de ganho para aqueles que possuem tais activos), mas estes efeitos serão de valor limitado quer pelo lado do consumo quer pelo lado do investimento.

Infelizmente, há mais. Seis anos de crise mostraram claramente quais as consequências da heterogeneidade existente entre os Estados-membros que partilham da mesma moeda e o facto de haver  uma política monetária comum. O programa de QE do BCE sofre do mesmo problema. Certo, quando o BCE e os bancos centrais nacionais compram dívida pública,  dita também dívida soberana, de acordo com a quota do respectivo banco central nacional no BCE, €144 mil milhões de títulos alemães, os bunds, ou seja 12,5% da dívida soberana alemã pendente,  serão transferidos para as contas do Bundesbank e do BCE. Os correspondentes valores para a Itália e a Espanha são muito mais baixos, respectivamente €98 mil milhões ou 5% da dívida italiano total e €70 mil milhões ou seja, 7,6% da dívida pública espanhola.

Por outras palavras, o programa QE do BCE representa um apoio substancial para uma economia que esteja já em andamento forte. Pode-se razoavelmente esperar que o programa QE leva a que as taxas dos títulos a 10 anos da Alemanha, os bunds, desçam do seu presente nível de 0,5% para o nível de taxa vizinha de zero. .

Isto contrasta com a situação dos Estados membros da zona euro em situação de forte fragilidade onde, depois de vários anos de recessão, a actividade económica permanece deprimida, o desemprego está em níveis recordes, a deflação é já uma realidade e em que o sistema bancário permanece sob fortes constrangimentos devido a ter uma carteira importante de empréstimos de cobrança difícil (estes são o resultado sobretudo da austeridade e da estagnação económica!). E, por fim mas não menos importante, as cargas da dívida, publica e privada, são enormes.

Este paradoxo, em que o programa QE do BCE dá a prioridade àqueles Estados-membros que estão numa forma relativamente melhor, é ainda acentuado pelo gráfico abaixo. Neste mostra-se que os Estados-membros já sob a situação de deflação são ao mesmo tempo os que estão sobrecarregados com elevadas cargas da dívida. Dado o facto de que a deflação aumenta a carga real da dívida esta situação é pois uma combinação mortífera que justifica relativamente mais apoio e nunca relativamente menos, como se estabelece com o plano Draghi.

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QE e as reformas estruturais: a puxar nas duas pontas da corda e ao mesmo tempo

Um outro defeito refere-se ao facto de que o BCE não compreende verdadeiramente a dinâmica que está por detrás da deflação.

É realmente surpreendente que o BCE se mantenha a pregar os benefícios das reformas estruturais dos mercados de trabalho, particularmente o de um afrouxamento “radical” de sistemas da formação do salário, da legislação da protecção do emprego e dos esquemas do seguro de desemprego. Estas reformas são supostas “libertarem” a disponibilidade de mão-de-obra e impulsionarem a produtividade, levando assim a que as pessoas gastem mais e melhorem as suas expectativas positivas sobre a evolução à alta dos seus rendimentos futuros.

Nós já vimos, já ouvimos, já lemos isso antes. É o renascimento da “ fada confiança” renascido… Os “efeitos confiança” são supostos fazerem com que as políticas de austeridade funcionem. Agora que se provou não ser este caso na zona euro, o mesmo argumento passou a ser utilizado para se continuarem com as reformas estruturais. Como se o estar a desfazer os direitos dos trabalhadores para um salário aceitável e a um trabalho estável os fará de algum modo sentir mais optimistas sobre o futuro!

No entanto, se há uma principal razão pela qual a deflação está entre nós, esta razão é seguramente a política de reformas estruturais que os Estados-Membros têm adoptado em busca de uma desvalorização interna dos salários. Simplificando: se se corta nos salários, os preços seguirão mais cedo ou mais tarde a mesma tendência à baixa. E se a pressão à baixa dos salários se mantém por tempo suficiente, a situação de desinflação acabará, eventualmente, por se transformar em deflação definitiva.

A política do BCE, é ainda caracterizada por uma contradição interna significativa. Enquanto está a imprimir massivamente dinheiro para tentar e contrapor às forças de deflação, o BCE está ao mesmo tempo a promover reformas que intensificarão ainda mais as pressões deflacionistas[1]. É como se o BCE esteja a puxar a corda pelas suas duas pontas ao mesmo tempo. Se quer realmente ser sério sobre a luta contra a deflação, então o que deve ser a prioridade do BCE e de todas as políticas, é a de tentarem colocar a economia na direcção certa: longe de deflação, longe da situação “black zero”, [longe da politica de destruição da Europa que se tem andado a fazer]. ‘.

Transformar o programa QE num verdadeiro ” separador de águas”

Estas lacunas são graves mas podem ser resolvidas se a concepção do programa é substancialmente melhorada.

Poder-se-ia , por exemplo, aumentar o volume de compras de dívida emitida pelas instituições europeias [ no mercado primário, pensamos nós-tradutor]  e pelo BEI em particular. Se esta medida for então complementada por um enviesamento a favor dos empréstimos do BEI destinados ao financiamento de novos  programas de investimento público naqueles países que mais precisam, então teremos uma ligação directa entre o programa de se estar a  imprimir papel-moeda do BCE, e os programas de investimento e de criação de empregos, ou seja a ligação entre o BCE e a economia real será pois estabelecida. Nós podemos então ter a certeza que o dinheiro recentemente  impresso tem como fim último a economia real e nas economias que abertamente mais precisam de serem apoiadas com este conjunto de programas.

Se, além disso, o BCE abandonar a sua defesa das reformas deflacionárias dos sistemas de formação dos salários, então o seu salto quântico terá seguramente mais possibilidades de ser realmente bem-sucedido em aumentar o crescimento e as expectativas inflacionárias.

Ronald Janssen, How To Improve The ECB’s QE Programme, Social Journal, 28 de Janeiro, 2015.

Texto disponível em:

http://www.socialeurope.eu/2015/01/ecbs-qe-programme

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[1] Nota de Tradutor. Veja-se por exemplo a entrevista de Draghi ao Handelsblatt. A posição do jornalista em que este afirma e pede para ser comentado:

“The ratio of debt to GDP has continued to rise everywhere in the West. In Europe, the government debt to GDP ratio has risen by almost 50% since the start of the financial crisis in autumn 2008. At the moment, only five of the 18 euro area countries do not exceed the debt limits laid down in the Stability and Growth Pact.”

Draghi responde:

“Moreover, progress on the important structural reforms – more flexible labour markets, less bureaucracy, lower taxes – is clearly too slow.” Ainda relativamente à França e à  Itália afirma Dragi:

“In France and Italy, the willingness to implement reforms is growing. Some have been approved e.g. the labour market reform in Italy, others have been presented and are being discussed, which has taken time. The real challenge is to put it into practice. I understand the impatience. Reforms have waited too long. It is now time to implement them”. Entrevista disponível em:

http://www.ecb.europa.eu/press/inter/date/2015/html/sp150102_1.en.html

 

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