A ALEMANHA, O SEU PAPEL NOS DESEQUILÍBRIOS DA ECONOMIA REAL- O OUTRO LADO DA CRISE DE QUE NÃO SE FALA – UMA ANÁLISE ASSENTE NA DIVISÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO[1] – VIII – A SUB-ACUMULAÇÃO DO CAPITAL E A CRISE DOS CAPITALISMOS HISTÓRICOS – por ONUBRE EINZ – 2

Temaseconomia1Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

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A Alemanha, o seu papel nos desequilíbrios da economia real – o outro lado da crise de que não se fala

Uma análise assente na divisão internacional do trabalho[1]

Uma colecção de artigos de Onubre Einz.

VIII – A sub-acumulação do capital e a crise presente dos capitalismos históricos

Onubre Einz, La sous-accumulation du capital et la crise présente des capitalismes historiques

Criseusa.blog.lemonde.fr., 30 juin 2013

(continuação)

B – Capitalismo maduro e capitalismo em declínio.

1° A escolha do declínio voluntário

A crise da década de 1970 foi uma crise económica madura, tendo realizado um programa de industrialização e consumeirização ( no original- consumialisation) . Por este neologismo, queremos representar o culminar de uma fase de crescimento impulsionado pelo consumo das famílias, dos seus equipamentos domésticos e da sua habitação. A situação de estagflação dos anos 70 foi a confirmação do máximo desenvolvimento e do bloqueio de uma sociedade da afluência. Nesta situação, o capitalismo histórico tinha duas soluções: ou a de desenvolver os mercados externos concedendo empréstimos sobre empréstimos de capital para as nações de estádio de menor desenvolvimento. Esta solução permitiu na década de 1970 ter os países do Norte com os seus respectivos sistemas produtivos saturados e com problemas de escoamento das suas mercadorias. Mas esta solução tinha duas desvantagens: desenvolver na periferia do sistema situações de bolhas de dívida não-recuperáveis e correr o risco de estar a criar concorrentes. O capital dinheiro tornado disponível a norte do planeta pela crise não pode ser duradouramente emprestado aos países do Sul para garantir o seu desenvolvimento. No início dos anos 80; os EUA resolveram este difícil problema pondo em movimento uma revolução conservadora cujos efeitos são ainda sensíveis trinta anos depois. A subida brutal das taxas de juro americanas em 1982 eliminou a estagflação e provocou as crises da dívida dos países do Sul, com a dívida emitida em dólares, dos quais o epicentro foi a crise mexicana. Esta crise da dívida dos países do Sul condenou os países do Sul de passarem sob a sua sujeição às políticas do FMI, os seus programas de ajustamento estrutural, e a terem de reorientar a sua economia para as exportações. Um desenvolvimento dos países nada, pouco, ou mal desenvolvidos, realizado às custas dos credores estava fora de questão.

Ao mesmo tempo, a abertura dos mercados do norte do planeta às exportações dos países exportadores do Sul provocou uma lenta queda das taxas de acumulação a Norte do planeta com variações mais ou menos fortes segundo as respectivas economias nacionais.

Os capitalismos históricos do Norte do planeta não permaneceram de resto neste vasto processo de queda das taxas de acumulação produtiva nacional. Pelo jogo das deslocalizações e das produções dos ou nos países de baixos custos de mão-de-obra, foi possível realizar transferências de rendimentos a favor do topo da pirâmide social oferecendo ao mesmo tempo às populações uma progressão do nível do seu nível de vida medido este em quantidade de produtos consumidos. A baixa das taxas de investimento e o aumento da parte do rendimento – acompanhado do alargamento das desigualdades – nos PIB nacionais são correlativos uma da outra. É lógico que a mundialização se traduza por uma queda geral da taxa de acumulação produtiva.

2° a inversão da relação das forças económicas.

Fazer a escolha do declínio voluntário só pode ter efeitos de inversão na relações de força das economias. Esta inversão traduz-se por diferentes fenómenos

  1. a) a inversão das relações de força entre as economias manifesta-se por taxas de acumulação do capital rápido e de crescimento rápido nos países periféricos. Estas taxas de acumulação resultam de existências de capital produtivo acumulado em volume cada vez mais importante nestes países. São apenas o resultado da ligação entre a acumulação líquida e bruta de capital fixo e dos stocks de capital sobre um fundo de eficácia produtiva crescente. A China oferece sem dúvida o exemplo mais caricatural desta situação: acumulou capital fixo – e particularmente de capital produtivo – de maneira faraónica desde há cerca de trinta de anos. Esta acumulação permite-lhe produzir produtos destinados a todos os tipos de consumidores, dos produtos de baixo de gama aos produtos de qualidade incessantemente crescente. A sua ambição é a de rivalizar com os países desenvolvidos que têm como tábua salvação uma capacidade de inovação e de produzir produtos de forte valor acrescentado, cujo monopólio, já abalado, será cada vez mais contestado

  2. b) A formação concorrencial e rápida dos stocks de capital produtivo em volume e qualidade produtiva crescente fora dos países desenvolvidos conduziu a um fenómeno de empobrecimento relativo dos capitalismos históricos. Este empobrecimento exprime-se principalmente pela interacção crescente entre o crescimento da riqueza nacional e a inflação dos volumes dos créditos públicos e privados. Não se poderia ter como única causa do crescimento a compensação da erosão das taxas de acumulação pelos progressos da produtividade. Esta erosão tornou sem dúvida impossível a existência de um crescimento sustentado endógeno à economia

O exemplo americano aí está para nos convencer disso mesmo, em que a queda da taxa de acumulação se acompanha de um endividamento dos agentes privados antes da crise e do endividamento público depois desta ter rebentado: Sem esta dupla dívida o crescimento americano teria sido fraco antes da crise e a economia americana ter-se-ia desmoronado com ela. A Europa confirma esta tese: o crescimento da economia em período de rigor orçamental parou antes de se retornar à recessão. E na Europa também os défices públicos e privados crescentes são acompanhados por um crescimento mole desde há décadas. Comparando com os EUA, país mais dinâmico, esta moleza tem largamente a sua origem no facto de que a Europa não pode fazer o seu crescimento dados os desequilíbrios das suas contas internas e externas, o que aos Estados Unidos é tornado possível pela situação privilegiada da divisa americana.

c) A variação de força nas relações económicas não é em nenhuma parte mais evidente do que quando se olha para quem financia os capitalismos económicos em crise: os países da Europa e dos EUA apelam aos capitais produzidos pelos excedentes comerciais da China, da Índia, do Brasil… Estes países têm o mérito de fornecer capitais que se foram acumulando ao fim de um período de investimento que lhes permitiu conquistar sólidas bases industriais. Estes países muito simplesmente acumularam o capital que os capitalismos históricos renunciavam a acumular nas suas próprias economias. O despertar é doloroso: os países desenvolvidos encontram-se a atravessar uma depressão duradoura, os países ontem na periferia do crescimento encontram-se cada vez mais a constituir o coração do crescimento à escala mundial. O desafio concentra-se na Ásia; a região dispõe dos ingredientes para um crescimento longo: a industrialização prossegue-se ganhando em qualidade, o consumo é dinâmico, as infra-estruturas públicas devem desenvolver-se ou remodelar, os Estados apoiam o desenvolvimento, o conjunto da Ásia do Nordeste integra-se economicamente e a Ásia meridional não fica em sintonia com o desenvolvimento indiano.

Por uma cruel ironia da história, os países que se deviam especializar em exportações e numa situação de subcontratação foram capazes de fazer desta janela de oportunidade um elemento das suas estratégias de desenvolvimento, o que inverte as relações de força económica entre os capitalismos históricos e as economias anteriormente pouco ou mal desenvolvidas. Descrevemos a lógica interna das economias desenvolvidas que permitiu esta reviravolta espectacular em pouco mais do que uma geração. A China é agora capaz de enfrentar o Ocidente e o Japão, o país que lhe serviu de modelo. A divisão internacional de trabalho que lhe foi imposta foi-lhe afinal favorável, ela assume-se como uma espécie de toque de finados para os capitalismos históricos.

4° A complacência das elites para com o modelo anglo-saxónico

A complacência dos capitalismos históricos para com o capitalismo anglo-saxónico – que foi mais ou menos imitado – merece algumas observações. Renunciar às indústrias que foram os motores da revolução industrial e que estiveram depois no centro da expansão dos capitalismos históricos era uma maneira de sair da situação de estagflação dos anos 70. Sem nenhuma dúvida, a renúncia a segmentos inteiros das actividades industriais permitiu uma vasta mudança dos capitalismos históricos para as economias de serviços; o desenvolvimento dos serviços dopou o crescimento e assegurou uma preservação de níveis de emprego elevados, apesar dos recuos nos sectores industriais. As elites económicas puderam assim tirar as suas castanhas do lume, oferecendo à população produtos a muito bom preço enquanto que a progressão do poder de compra da maioria da população só poderia apenas regredir. A mundialização feliz permitia à países anteriormente periféricos de prosseguirem ou de começarem a sua decolagem económica assumindo partes crescentes da produção industrial mundial. Houve desde há trinta anos uma mudança básica da acumulação que organiza diferentemente a divisão internacional de trabalho cujos efeitos prejudiciais se revelaram frontalmente desde a crise de 2008.

Percebe-se a sedução que poderia exercer o capitalismo anglo-saxónico: este permitia às elites económicas articular uma resposta para a estagnação da década de 1970. Uma vez que o crescimento não se faria pelo desenvolvimento a crédito dos países da periferia, o crescimento seria alcançado pela substituição e crescimento do sector serviços à custa da redução do sector industrial, e a abertura dos mercados daria origem a uma nova distribuição de rendimento; a massa dos trabalhadores no desemprego ou sob pressão económica incentivaria a moderação salarial. Um jogo hábil sobre a valorização do patrimónios imobiliários e o valor dos bens e serviços asseguraria a estabilidade social.

Esta nova divisão do trabalho e o modo de funcionamento dos capitalismos históricos globalizados resultaram num fenómeno perverso: um aumento da dívida pública e privada em que estas bloqueiam o crescimento presente. Não se poderá separar a queda das taxas de investimento e o aumento da dívida pública e privada, uma vez que estas últimas são a consequência da propagação de um modelo económico onde o declínio industrial e a queda do investimento se terão traduzido em níveis de crescimento muito baixos. A estimulação das economias através do endividamento em todo o lado terá pois atrasado uma crise da consequência negativas sobre o já fraco nível de investimento, sobre a menor criação de valor pelo sectores de serviços. É o stock de capital, que se tornou insuficiente no capitalismo histórico, passando por um forte aumento das desigualdades de rendimento e de património. Desde há muito tempo, a base produtiva dos capitalismos históricos deixou de estar em condições de apoiar as condições saudáveis para aumentar o nível de crescimento.

(continua)

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Para ler a parte 1 deste trabalho de Onubre Einz, A sub-acumulação do capital e a crise presente dos capitalismos históricos, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, vá a:

A ALEMANHA, O SEU PAPEL NOS DESEQUILÍBRIOS DA ECONOMIA REAL- O OUTRO LADO DA CRISE DE QUE NÃO SE FALA – UMA ANÁLISE ASSENTE NA DIVISÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO[1] – VIII – A SUB-ACUMULAÇÃO DO CAPITAL E A CRISE DOS CAPITALISMOS HISTÓRICOS – por ONUBRE EINZ – 1

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[1] O título dado à  colecção é da responsabilidade do tradutor.

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Ver o original em:

http://criseusa.blog.lemonde.fr/2013/06/23/iv-lirresistible-puissance-commerciale-de-lallemagne-et-ses-ressorts/

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