SOBRE QUAL 25 DE ABRIL? uma crónica de JÚLIO MARQUES MOTA – III (conclusão).

júlio marques mota

(conclusão)

E de repente lembro-me de ter lido um jornal de Dublin onde se falava da posição de Bruxelas sobre a pretensão do governo grego querer dar resposta à crise humanitária em curso neste país.

O pior está para vir dizem os especialistas da Cruz Vermelha Internacional, mas parece que a palavra de ordem da União Europeia parece ser a versão moderna da expressão utilizada por Joseph Conrad, Exterminem todos estes pobres.

Sobre a crise humanitária que se quer confinada apenas à Grécia, podemos ler o que escreveu um alto funcionário, Declan Costello, numa carta endereçada ao governo grego:

Durante a nossa Teleconferência de ontem à noite, mencionaram a apresentação ao Parlamento grego, amanhã, do projecto de lei dito da ‘crise humanitária’. Também ouvimos que há outras iniciativas políticas, incluindo a lei de regime de pagamento de prestações, que estão na calha para levar ao em breve ao Parlamento.

Desejamos vivamente ter primeiro que tudo consultas prévias adequadas sobre estas políticas , incluindo sobre o facto de terem que ser consistentes e coerentes com os esforços das reformas. Há várias questões a serem discutidas e precisamos de o fazer dentro de um pacote coerente e abrangente.

Fazê-las de uma outra forma seria estar a proceder unilateralmente e aos poucos de uma maneira que se torna incompatível com os compromissos assumidos, incluindo para com o Eurogrupo como se expôs no comunicado do 20 de Fevereiro.

25Abril2015 - IV

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 Ver mais em:

http://blogs.channel4.com/paul-mason-blog/pass-antipoverty-law-commission-tells-greece/3467

 

http://www.irishtimes.com/business/economy/eu-mandarin-declan-costello-faces-greek-wrath-over-ultimatums-letter-1.2145787

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Por outras palavras, o que se quer dizer com isto é que o governo grego eleito democraticamente – vá para a sua casinha, faça as coisas como a UE quer que sejam feitas e não como os eleitos se consideram mandatados pelo voto popular para o fazer!

A Lei em questão, tem como finalidade fornecer a eletricidade gratuitamente aos agregados familiares empobrecidos e atribuir alguns apoios de rendimento a outras famílias pobres e sem abrigo.

O que se está a fazer à Grécia é pura e simplesmente dramático e possivelmente no sentido de destruírem Syriza e de impedir os outros movimentos de esquerda de poderem crescer e chegarem ao poder. Nada que que ponha em questão os interesses de Bruxelas, o mesmo é dizer os interesses de Berlim, para quem aquela capital trabalha.

Relativamente à Grécia vejamos o que nos diz Stathis Kouvelakis:

(…) mesmo estas medidas simbólicas e bastante ambíguas, que patinam sobre o objectivo fundamental do Syriza que é a redistribuição de riqueza, foram suficientes para desencadear uma nova ronda de recriminações dos dirigentes europeus. Na verdade, o Presidente do Banco Central Europeu (BCE), Mario Draghi. nunca parou o assalto iniciado no dia 5 de Fevereiro, quando ele decidiu cortar o principal mecanismo de financiamento para os bancos gregos.

Um mês mais tarde, com as suas três vezes “não” aos pedidos do governo grego (ou seja, de permitir que os bancos gregos possam emitir títulos do Tesouro para financiar os pagamentos da dívida pública, aceitar títulos gregos como garantias junto do BCE e levantar o limite de assistência de liquidez de emergência para 3 mil milhões), o Presidente do BCE esclareceu as suas intenções claramente. A “tortura de gota-a-gotas “, tanto quanto o problema da liquidez é relevante, gradualmente, paralisa pouco a pouco a economia como a liquidez fornecida pelo sector público está esgotada e as receita públicas diminuem.

Além disso, em Março, o governo deve pagar em termos de dívida € 1,4 mil milhões ao Fundo Monetário Internacional, dos quais 800 milhões vão para o pagamento dos juros da dívida. De modo a satisfazer as suas necessidades e enquanto tenha dado prioridade ao reembolso dos seus credores, o governo está a ser forçado a ir às reservas de dinheiro dos fundos de pensão e das entidades do sector público.

A situação financeira da Grécia é de facto terrível; numa muito discutida entrevista com o jornal Der Spiegel, Alexis Tsipras momentaneamente abandonado a linguagem da diplomacia e afirmou que “o BCE continua a manter firme a corda que está à volta do nosso pescoço.” “the ECB is still holding onto the rope that is around our necks.”

A última Cimeira Europeia de quinta-feira, e a reunião separada a sete de Tsipras com Draghi, a Chanceler alemã, Angela Merkel, o Presidente francês François Hollande, o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, o Presidente do Eurogrupo Jeroen Dijsselbloem e o presidente do Conselho Europeu Donald Tusk, não trouxe alterações substanciais. Qualquer ajuda é ainda estritamente condicionada a uma “lista de reformas” para ser apresentado pela Grécia nos próximos dias e todos pressionaram Tsipras a entregar imediatamente as suas “promessas não cumpridas”.

(…)

É altamente improvável que a primeira reunião bilateral que hoje se realiza em Berlim entre Merkel e Tsipras levará a alguma mudança de atitude da Alemanha. Isto é o provavelmente terá levado o líder do Syriza a declarar, pela primeira vez, que “havia um plano alternativo” se o país foi confrontado por uma escassez de liquidez.

Uma estratégia alternativa

O plano — ou melhor, a gama de estratégias — actualmente a ser analisada pelos europeus pode ser resumido da seguinte forma: ou accionar a curto prazo, o colapso do governo de Syriza, ou, e esta parece ser a opção predominante, arrastar a situação até levá-lo a uma nova retirada estratégica em Abril, a partir da qual preparará o terreno para uma capitulação final em Junho.

Capitulação. Destruição de um sonho, da Grécia e de muitos outros europeus, é disso que nos fala Stathis Kouvelakis. Isto, porque se refere aos alemães faz-me lembrar Hegel, Visconti, o filme Os Malditos no momento em que o oficial das SS dizia à sua prima Sofia que quando uma flor se atravessa no caminho do Estado só há uma coisa a fazer_ destruí-la. E é isso que se pretende fazer, destruir as flores que poderiam nascer com Syriza, por toda a parte e com uma força tal que poderiam ocupar mesmo os jardins preferidos pelos alemães.

Capitulação. No fascismo, nas masmorras da Pide, do forte de Caxias, do de Peniche e de outros locais do terror, a tortura do “gota a gota” era utilizada para levar os prisioneiros a capitularem, a denunciarem, a renderem-se a venderem-se, um a um. Eis-nos agora perante novas formas de tortura do gota a gota não à escala de cidadão a cidadão mas de país a país sob a batura de Mario Draghi, o homem de Goldman Sachs. Ainda há dias, um amigo meu a propósito da peça O IV Reich, editada pelo blog, me dizia:

A História repete-se, mas nunca exatamente da mesma maneira. Derrotados militarmente por duas vezes em trinta anos, os alemães não arriscaram, depois da reunificação e passados 45 anos da II Guerra Mundial, nova derrota no campo militar. Mas descobriram entretanto o terreno fértil da economia para exercerem o seu domínio sobre a União Europeia.

Gente culta, sábia, estudiosa, engenhosa, trabalhadora e persistente, senhora dos seus pergaminhos e das suas qualidades, mas presa fácil de teorias filosóficas de superioridade e grandeza muitas vezes levadas perigosamente à prática com planificação, ordem e determinação, nem que para isso a liberdade de expressão seja consciente e alegremente subvertida…os alemães são e serão sempre um perigo latente para os países mais fracos da Europa, susceptíveis de vir a tornar-se seus súbditos ou «colonos» disfarçados, se a UE não abrir a tempo os olhos. JL..

O domínio da Alemanha, reafirmado pelas Instâncias europeias e esse domínio é hoje tal que levou mesmo o líder parlamentar dos conservadores no Parlamento alemão, Kauder, no seu discurso em Leipzig a afirmar: “De repente, o alemão está a ser falado na Europa.” O meu amigo tem razão, a pressão ditatorial exerce-se agora de uma forma sofisticada, não sobre os cidadãos mas sobre os Estados nacionais, ao alcance de um botão de um computador ou nem isso, apenas a ameaça sobre a liquidez, ameaça esta que é diária. A corda ao pescoço, diz-nos Tsypras, e bem tensa. O novo processo da utilização da ditadura do gota a gota, simplesmente isto, não sobre a cabeça de um prisioneiro, mas sobre a de todo um povo. Nunca Hitler imaginaria isto como possível.

Vale a pena citar aqui um homem da direita francesa, Charles Gave, um especialista nos mercados financeiros, que nos remete para a Revolução Francesa, da mesma que nós remetemos para o 25 de Abril para expressar o nosso desejo de liberdade, e que  sobre as práticas democráticas na Europa nos diz:

Quando começou a crise grega, a primeira delas, um socialista, Papandreou estava no poder. Este aceitou as condições impostas pelo FMI a quem tinha solicitado um resgate, (presidido então por Strauss-Kahn…), na condição de que o povo grego fosse consultado através de um referendo. Papandreou foi imediatamente substituído, depois de sórdidas manobras dos corredores do poder, por um chamado Papademos… antigo vice-governador do BCE.

Algum tempo depois, Berlusconi, o primeiro-ministro italiano, expressou a ideia de que se a Alemanha continuasse a seguir uma política deflacionária que matava os seus vizinhos, então a Itália poderia decidir abandonar o Euro. Foi também prontamente desembarcado do poder e substituído pela Quisling de serviço, um antigo Comissário Europeu, chamado Monti, que nunca ninguém tinha eleito e que fez a sua carreira em Bruxelas.

Em ambos os casos apresentados,, um primeiro-ministro perfeitamente legítimo que se tinha atrevido a atravessar no caminho da Doxa Europeia, foi desembarcado manu militari e substituído por alguém mais… .servil .

Mas tudo isso foi feito com uma certa discrição, o objectivo era de não alarmar a população .

Com as últimas eleições gregas as máscaras caíram.

Um a um, dizem-nos os dirigentes europeus:

José Manuel Barroso, ex Mao/trotskista e ex-presidente da Comissão Europeia, considera que os eleitos não sabem resistir às incongruentes aspirações da população e, por conseguinte, as responsabilidades do poder devem ser exercidas por pessoas não-eleitas insensíveis para com os caprichos do eleitorado…

Schäuble, o ministro alemão das finanças que considera que as eleições da Grécia não vão mudar nada. Para quê então votar ?

E, por fim, Juncker, o homem da fraude fiscal, demitido pelos eleitores do Luxemburgo e instantaneamente nomeado para Presidente da Comissão Europeia que anuncia que não há nenhuma saída democrática para as Instituições Europeias.

E então esses três eminentes personagens calmamente nos anunciam que estão bem sentados e seguros em cima da Democracia e sobre a soberania de cada uma das nações europeias. E esta atitude está- se a tornar cada vez mais visível nos seus actores de segundo plano.

Um participante nas últimas negociações em Atenas disse que um dos membros da Troika tinha sugerido que para resolver os problemas de liquidez de caixa do Estado grego este mesmo Estado poderia não pagar nem aos pensionistas nem os funcionários públicos durante um ou dois meses. Uma proposta rejeitada com indignação pelo Ministro das finanças, isso é óbvio. Não se pode deixar na famosa expressão normalmente atribuída falsamente  a Maria Antonieta: Se o povo não tem pão, que coma brioches!

Eis-nos pois perante a fascização da Europa a partir de Bruxelas o que, ao escrevermos sobre o 25 de Abril que queremos para um amanhã muito próximo, nos faz lembrar o que dissemos ao meu amigo quando com ele falei sobre o texto de Michael Pettis. A Europa é agora o nosso barril de água já cheio e em que a União Europeia continua à pressão a querer meter mais água, ou seja a querer aprofundar ainda mais a situação de precariedade de quem já trabalha em precariedade. Mas é preciso que esta seja mais profunda ainda, é o que nos dizem das instâncias europeias. É de resto a linha traçada pelos quadros dos Presidentes em Fevereiro, da Comissão Europeia, do EuroGrupo, do BCE, do Conselho Europeu, numa dita nota técnica onde explicam que a principal razão da crise é a falta de flexibilidade no mercado de trabalho!

Dizem-nos nessa nota emitida a 20 de Fevereiro de 2015:

“Contra este pano de fundo, durante a primeira década da existência do euro, o custo do trabalho (medido em custos laborais unitários) cresceu significativamente num dado número de países da área do euro, tornando os seus produtos mais caros, desse modo reduzindo a sua competitividade e levando a um saldo negativo na balança de pagamentos vis-à-vis de outros países da zona euro que tinham mantido a custo da unidade de trabalho estável ou os tinham mesmo reduzidos .

Isto levou a que se tenham verificado taxas mais elevadas de desemprego durante a crise. Além disso, as condições de financiamento relativamente favoráveis nos primeiros anos do euro levaram a uma má alocação de fontes de financiamento para formas menos produtivas de investimento, tais como a construção de imóveis e a um maior risco e endividamento de muitos actores públicos e privados. Quando a crise atingiu a zona euro e os mercados reavaliaram o risco e o potencial de crescimento de cada um dos países, a perda de competitividade tornou-se visível e levou a saídas dos capitais, as fontes de financiamento, que eram fortemente necessários para o investimento, intensificando, assim, ainda mais o impacto da crise nestes países. Enquanto várias partes interessadas a nível europeu tivessem avisado sobre tais desenvolvimentos, a estrutura de governança da altura não forneceu nenhuma sistemática detecção e correcção dos desequilíbrios e, portanto, não pode impedir que estes se acumulassem [perigosamente].”

A crise humanitária autêntica na Grécia, escondida na restante Europa mas em que os já mencionados peritos da Cruz Vermelha nos dizem que o pior desta está para vir e à escala de toda a Europa, assim como a resposta de Declan Costello, mostram que é cada vez mais urgente um outro 25 de Abril em toda a Europa, o barril de que falávamos. Mas as ripas do barril não estalam e não partem todas ao mesmo tempo, partir-se-ão uma a uma. Temos a certeza, pela leis da física que grande parte das outras ripas saltam igualmente e deixa então de haver barril. Urgente e necessário que assim seja, urgente e necessário que por toda a Europa corra uma outra expressão levada pelos ventos a todos os cantos desta Europa martirizada, a expressão: derrubemos e de uma vez por todas estes burocratas e estes políticos que nos esmagam a todos, que nos destroem o presente e que nos capturam o futuro. Comecemos por um qualquer país, Portugal ou outro, e que este movimento se estenda a todos os outros que são igualmente mártires das políticas de austeridade, as diversas ripas do barril, e que uma outra Europa renasça desta força popular, são pois os meus votos neste 25 de Abril de 2015.

Viva o próximo 25 de Abril, em Portugal, em toda a Europa.

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Para ler a parte II desta crónica de Júlio Marques Mota Sobre qual 25 de Abril?, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, vá a:

SOBRE QUAL 25 DE ABRIL? uma crónica de JÚLIO MARQUES MOTA – II

 

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