O DESEMPREGO NA ZONA EURO – POUCO TEM A VER COM A COMPETITIVIDADE INTERNACIONAL – por BILL MITCHELL – II

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Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

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 O desemprego na zona euro – pouco tem a ver com a competitividade internacional

Bill Mitchell, Eurozone unemployment – little to do with international

Billy Blog, 23 de Marςo de 2015

Publicação autorizada pelo autor.

(continuação)

No documento repete-se este dogma.

Além disso, no documento fala-se sobre o “interesse comum” de todos os Estados-Membros, mas este é apenas expresso, em termos de aderência às regras, que são supostamente projectados para se atingir “um claro conjunto de metas – crescimento sustentável e inclusivo, estabilidade de preços, posições orçamentais correctas e altos níveis de emprego “

Devemos sublinhar que nenhum destes objectivos foram até alcançados depois de 15 anos a trabalharem nesse sentido, o que pode levar a quem não esteja prisioneiro do pensamento desse grupo que o “conjunto de regras comuns” é defeituoso.

Realmente esta é uma situação incrível. Vivo num sistema federal que funciona, mas nunca aqui se fala, nunca mesmo, em desequilíbrios comerciais entre, como se diz, os estados de Nova Gales do Sul e de Victoria. Não há sequer dados publicados para nos informar sobre os fluxos de despesas entre os Estados.

Aceitamos, também, que o governo nacional nos garantirá sempre que as evoluções de entre os diversos estados federados não irão divergir muito.

Não há maneira alguma de podermos aqui aceitar o tipo de disparidades que se têm verificado nesta chamada “comunidade de destino” que o Conselho Europeu pretende promover.

Claro, a diferença, a diferença crucial está em que a Austrália é uma federação funcional com um governo federal coerente, que alinha a função da sua política orçamental com a função da sua política monetária. Também actua no sentido de garantir que nenhum Estado é, na verdade, deixado para trás.

A chamada “comunidade de destino” não tem uma tal capacidade, e de tal modo é assim que todas as transferências são registadas em termos de contribuintes alemães para os gregos preguiçosos, que não pagam impostos ‘ ou alguma outra idiotice semelhante.

Não há nenhuma “comunidade de destino” no quadro desta narrativa. Trata-se de uma narrativa assente, sobretudo, num acordo fracturado e antagónico entre nações, e isto sob diversos pontos de vista – cultural, linguístico, estrutura económica.

Faltam-lhe os ingredientes essenciais para que possa funcionar bem e para cobrir esta mesma ausência são criadas regras que asseguram que não irá funcionar.

Esta é pois a zona euro em 2015.

Mas a narrativa que estão a procurar promover continua a negar esta mesma realidade

Veja-se o gráfico seguinte, por exemplo, que é apresentado como gráfico IV no texto citado dos quatro Presidentes. Este gráfico mostra a variação nos custos unitários de mão-de-obra entre 2001 e 2009 (eixo horizontal) contra a variação na taxa de desemprego entre 2009 e 2013.

Os custos unitários de mão-de-obra (ULCs em inglês) são custos de mão‑de‑obra totais em euros (neste caso) divididos pelo PIB real total. Assim é uma expressão dos custos de cada unidade de PIB real produzida, expressos estes custos em euros.

zona euro - I

A linha a preto é uma regressão linear simples entre as duas séries.

A regressão linear é obtida através da relação estabelecida (em termos estatísticos, utilizando métodos de mínimos quadrados ordinários), sendo a variável do eixo horizontal no lado direito da equação, a variável independente, e sendo a variável do eixo vertical, a do lado esquerdo da equação, a variável dependente.

Por outras palavras, entendemos que isto significa que variações unitárias nos custos do trabalho geram variações nas taxas de desemprego.

O texto que acompanha o gráfico diz-nos:

Contra este pano de fundo, durante a primeira década da existência do euro, o custo do trabalho (medido em custos salariais unitários) cresceu significativamente num dado número de países da zona euro, tornando os seus produtos mais caros, desse modo reduzindo então a sua competitividade e levando a um saldo negativo na balança de pagamentos face a outros países da zona euro que tinham mantido os custo unitários do trabalho estáveis ou que os tinham mesmo reduzido..

Isto deu origem a maiores taxas de desemprego durante a crise (ver gráfico 4).

“Isto deu origem a ” é uma afirmação causal. Significa por exemplo que os custos unitários do trabalho mais altos deram origem ao aumento do desemprego. Isso é certamente o que o gráfico está a procurar retractar.

Em primeiro lugar, conte as observações de dados – 12 no total.

O documento tem uma nota de rodapé dizendo que os dados cobrem os “países da zona euro que se juntaram à UEM antes de 2002”. Isto parece um pouco artificial, dado que os actuais 19 países agora formalmente a participarem na zona euro, todos eles se juntaram – através do mecanismo de taxas de câmbio (MTC II) – bem antes da crise.

O MTC II foi estabelecida em 1 de Janeiro de 1999 para:

… para garantir que as flutuações da taxa de câmbio entre o euro e as outras moedas da UE não perturbem a estabilidade económica no âmbito do mercado único, e para ajudar os países que ainda não são membros da zona euro a preparem-se para nela virem a participar.

Várias nações se juntaram em Junho de 2004 (Estónia, Lituânia, Eslovénia), enquanto outros se juntaram em 2005 (Chipre, Letónia, Malta e Eslováquia).

Muitas nações têm a sua moda nacional ligada ao valor do euro, e bem antes de se terem formalmente juntado ao MTC II.

Nalguns casos (Chipre e a Estónia) a ligação da sua moeda nacional ao valor do euro estabeleceu-se aquando da moeda comum, enquanto outras nações se ligaram ao euro um pouco mais tarde (Lituânia, 2002; Eslovénia, 2004; Letónia, 2005).

Assim, parece ser um pouco artificial segmentar a amostra entre os 12 membros, formalmente os originais, e os restantes que estavam efectivamente vinculados pelo mesmo regime monetário que aqueles 12.

O gráfico a seguir reproduz o “gráfico 4 ″ do documento publicado pelo «Conselho Europeu Informal» e mostra os pontos marcados a vermelho com a linha a preto de inclinação positiva que representa a regressão linear entre estas mesmas 12 observações como se explicou acima.

Agora, se somarmos as outras 7 nações de moedas ligadas ao euro, o gráfico (mostra os pontos azuis), obtemos um retrato muito diferente do anterior.

A linha marcada a preto e de inclinação negativa é a regressão simples obtida entre todas as observações dos 19 países ( pontos a vermelho e a azul):

zona euro - II

Há outras quatro nações da zona euro (Estónia, Letónia, Lituânia e Eslovénia) que foram sujeitas a aumentos nos seus custos unitários do trabalho entre 2001 e 2009 e que foram tão altos ou mesmo mais altos do que os da Grécia e, contudo, tiveram mudanças dramaticamente diferentes na taxa de desemprego no período 2009 a 2013.

Mesmo se nós tomamos os “valores aberrantes ” da Estónia e Letónia fora da imagem a linha de regressão não seria de inclinação ascendente (é de facto quase que horizontal).

Alguns podem dizer que depois da crise, as nações bálticas passaram a ter o sofrimento do ajustamento estrutural que a Grécia “recusou” assumir (o que é a narrativa popular) e é por isso que está a ter taxas de mais baixo desemprego no período recente.

Está aqui um gráfico para as 19 nações do Euro que nos mostra a mudança nos custos unitários do trabalho entre 2009 e 2013 e a mudança na taxa de desemprego entre 2010 e 2014 – o atraso temporal é para dar à mudança nos custos unitários do trabalho uma possibilidade de “funcionar” (consistente com a narrativa da maioria da população).

zona euro - III

Na verdade, a Grécia teve a maior queda percentual nos custos unitários do trabalho sobre o período de crise. A Estónia teve um aumento nos seus custos unitários de 4,2%, a Letónia teve um aumento de 0,4 por cento e a Lituânia, uma queda de apenas 1,3 por cento.

(continua)

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Bill Mitchell – billy blog, Eurozone unemployment – little to do with international competitiveness, texto disponível em http://bilbo.economicoutlook.net/blog/?p=30490

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Para ler a parte I deste trabalho de Bill Mitchell, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, vá a:

O DESEMPREGO NA ZONA EURO – POUCO TEM A VER COM A COMPETITIVIDADE INTERNACIONAL – por BILL MITCHELL – I

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