Selecção e tradução de Júlio Marques Mota
A desilusão da política de austeridade
A política de austeridade como resposta à crise é uma grande mentira. Porque é que a Grã-Bretanha ainda acredita nisso?
Paul Krugman, The austerity delusion-The case for cuts was a lie. Why does Britain still believe it?
The Guardian, 29 de Abril de 2015
(continuação)
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Capítulo II- O momento da austeridade
Desde o início, havia mesmo muitíssima gente fortemente inclinada em se opor à política de estímulos orçamentais e a exigir a aplicação de políticas de austeridade. Mas eles tinham um problema: os seus terríveis avisos sobre as consequências de se manterem as economias em défice não se concretizaram. Alguns deles foram muito explícitos acerca da sua frustração com a recusa dos mercados em produzir as catástrofes que eles esperavam e que queriam que acontecessem. Alan Greenspan, o ex-presidente do Federal Reserve, em 2010: “a inflação e as taxas de juros a longo prazo, os sintomas típicos de excesso orçamental, permaneceram notavelmente contidas. Isso é lamentável, porque significa estar a promover um sentido de complacência que pode ter consequências terríveis.”
Mas ele tinha uma resposta: “as crescentes analogias com a Grécia preparam o palco para uma resposta séria.” A Grécia foi o desastre que os austerianos andavam à procura. Em Setembro de 2009 os custos dos empréstimos de longo prazo contraídos pela Grécia eram de apenas 1,3 pontos percentuais superiores aos custos pagos pela Alemanha; em Setembro de 2010 essa diferença tinha sido multiplicada por sete vezes. Os austerianos, de repente, tinham uma demonstração concreta dos perigos sobre os quais tinham avisado. Uma dura viragem a partir dos políticas keynesianas poderia agora ser justificada como uma medida defensiva urgente, dado o medo de que o seu país se transformasse numa outra Grécia.
Ainda aqui, o que dizer quanto ao estado deprimido das economias ocidentais? A recessão após o rebentamento da crise atingia o seu pico recessivo em meados de 2009, e na maioria dos países estavam-se a verificar sinais de uma retoma mas o PIB e o emprego estavam ainda bem longe dos valores normais verificados antes do rebentamento da crise. Um retorno à austeridade não ameaçaria a retoma ainda frágil?
Não, de acordo com muitos políticos, que se empenharam em levar à prática uma das mais tristes e mais notáveis mistificações da história do pensamento colectivo. A Macroeconomia de referência considera que cortar nas despesas públicas numa economia deprimida, sem espaço para compensar estes cortes pela redução das taxas de juros que já estavam perto do zero, seria de facto aprofundar a recessão da economia. Mas os responsáveis políticos da Comissão Europeia, do Banco Central Europeu e do governo britânico que tomou o poder em maio de 2010 ardentemente tomaram como seus pontos de vista o corpo teórico da economia que pretendia mostrar exactamente o oposto.
A doutrina da “austeridade expansionista” está amplamente associada com o trabalho feito por Alberto Alesina, um economista de Harvard. Alesina utilizando técnicas estatísticas que supostamente identificaram todos as grandes mudanças de política orçamental nos países avançados entre 1970 e 2007 alega ter encontrado provas de que os cortes nas despesas públicas, em especial, estavam sobretudo “associados com expansões económicas, ao invés de estarem associados a recessões”. A razão, diz ele e os que aderiram às teses aí defendidas, era de que os cortes na despesa pública criam confiança, e que os efeitos positivos deste aumento na confiança seria maior que os efeitos negativos directos de redução de gastos. ”.
Isto pode parecer bom demais para ser verdade – e assim foi. Mas os legisladores sabiam o que eles desejavam ouvir, de tal forma que isto transformou-se e foi, como escreveu Business Week, em ” a hora de Alesina”. A doutrina da austeridade expansionista rapidamente se tornou a ortodoxia em grande parte da Europa. “A ideia de que as medidas de austeridade poderiam provocar estagnação está incorrecta,” declarou Jean-Claude Trichet, então o Presidente do Banco Central Europeu, porque “as políticas que inspiram confiança promovem, favorecem, e não prejudicam, a recuperação económica”
Além disso, toda a gente sabe que poderiam acontecer coisas terríveis se a dívida fosse superior ao valor limite de 90% do PIB.
Em Growth in a Time of Debt, (Crescimento num tempo de dívida), o agora infame documento de 2010 escrito por Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff da Universidade de Harvard, estes autores defendem que a dívida de 90% é um limiar crítico, e este texto indiscutivelmente desempenhou um papel directo bem menor na viragem para a austeridade do que o trabalho de Alesina. Afinal de contas, os austerianos não precisavam de Reinhart e Rogoff para apresentarem cenários terríveis sobre o que poderia acontecer se os défices não fossem travados – tinham a crise grega para o mostrar. No máximo, o texto de Reinhart e Rogoff fornecia um espantalho como salva-guarda de apoio, uma resposta para aqueles que se mantinham a defender que nada como a história grega poderia vir a acontecer aos países que contraírem empréstimos expressos na sua própria moeda: mesmo que as taxas de juros sejam baixas, os austerianos poderiam então apontar o trabalho de Reinhart e Rogoff e declararem que altos níveis de endividamento são uma muito má situação.
O que Reinhart e Rogoff trouxeram para o campo da austeridade foi o prestígio académico. O seu livro de 2009, This Time is Different, assente numa vasta gama de dados históricos sobre o assunto das crises económicas, foi amplamente elogiado quer pelos responsáveis políticos quer pelos economistas – eu incluído – pelos seus avisos prescientes que estávamos em risco de uma grande crise e que a recuperação dessa mesma crise corria um enorme risco de ser lenta. Consequentemente, contribuíram com o seu enorme prestígio para o impulso de austeridade quando eles eram vistos nessa matéria como elementos determinantes no debate político. (Agora afirmam que não são nada disso, mas o certo é que não fizeram nada para corrigir essa impressão na altura
Quando o governo de coligação chegou ao poder, então, todas as peças estavam no lugar para os decisores das políticas económicas que já estava inclinados a aplicar a austeridade. A austeridade orçamental poderia ser apresentada como sendo urgentemente necessária para evitar uma greve de estilo grego aos compradores de títulos. ” A Grécia permanece como um aviso do que acontece aos países que perdem a sua credibilidade, ou cujos governos fingem que as decisões difíceis podem de uma maneira ou de outra serem evitadas ” declarou David Cameron logo que tomou posse. Também pode ser apresentado por “mostrar” que a austeridade é urgentemente necessária para impedir que a dívida, já quase em 80% do PIB, cruze a linha vermelha dos 90%. Num discurso de 2010 em que estabelece o seu plano para eliminar o défice, Osborne citou Reinhart e Rogoff, pelo nome, ao declarar que ” o disparar da dívida pública… é muito provável que venha a accionar a próxima crise.” Preocupações sobre o retardar da retoma económica poderiam ser afastadas afirmou pela via do apelo aos efeitos positivos sobre a confiança. Os economistas que se opunham a uma qualquer ou a todas estas linhas de argumentação eram pura e simplesmente ignorados.
Mas isto foi o que eu disse há cinco anos atrás.
(continua)
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Paul Krugman, The austerity delusion-The case for cuts was a lie. Why does Britain still believe it?.
Texto publicado em The Guardian e disponível em:
http://www.theguardian.com/business/ng-interactive/2015/apr/29/the-austerity-delusion
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