GRÉCIA: VIR A SER ALEXIS TSIPRAS – E SE ELE FOSSE O HOMEM DA CIRCUNSTÂNCIA? – por RÉGIS DE CASTELNAU

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Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

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Grécia: vir a ser Alexis Tsipras

E se ele fosse o homem da circunstância?

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Régis de Castelnau, Grèce: devenir Alexis Tsipras – Et s’il était l’homme de la circonstance?

Revista Causeur.fr, 3 de Julho de 2015

 

É como o paludismo, uma doença curiosa. Pode-se apanhá-la enquanto jovem, tratá-la e pensar que se está curado. Mais tarde, pode-se constatar que há recaídas. George Bernard Shaw explicou-nos que se a não se tem aos vinte anos é porque não se tem coração, mas se a temos aos quarenta é sempre porque não se tem cabeça. É gentil Bernard Shaw mas o vírus, quando se tem cabeça, que a febre tenha caído, o vírus pode dormitar muito tempo nas tripas. E desperta quando não se espera.

Pode-se ter compartilhado no seu tempo o que foi a grande paixão do século XX. Pode‑se ter assistido ao desmascaramento da mentira, ao obscurecer dos horizontes e ao desaparecimento da esperança. Pode-se ter visto passar o inimigo de ontem com uma cabeça de vencedor. Pode-se resignar ao veredicto da História. Em bom jurista, respeitar a autoridade da coisa julgada. Ao tornar-se razoável, renunciar à fraternidade da acção e enternecer-se sobre as grandes emoções que se conheceu. Porque é necessário aceitar “o fim do Homem Vermelho”. Dizendo-se isto para se consolar, às vezes sem estar a acreditar, que o penacho permitiu ter êxito nos seus insucessos .

E é assim que a vida se desenrola. Que se assista em espectador à crise financeira, à crise do euro, constatando a inanidade das promessas e das previsões de todos os que nos tinham jurado “a felicidade em vinte anos”. Evitando os comportamentos inúteis quando se ouve o mainstream negar a evidência desta Europa em crise. Ver em 2012, desabusado, no seu próprio país, um ectoplasma político suceder à um tolo excitado para dizer a mesma coisa e sobretudo para fazer a mesma coisa, talvez pior ainda. Não haveria aqui alternativa?

Pequena trovoada no céu grego em Fevereiro, com a chegada, surpreendente, de Syriza ao poder. Tsipras, Varoufakis, vejam, quem são estas pessoas? Uma saudação divertida e voltemos à nossa rotina.

E um belo dia, é o pequeno animalejo nas tripas que desperta. Há a Grécia primeiro. “A Grécia que a UE martiriza de modo que os Italianos entendam os seus gritos.[1]Ora, a Grécia é a minha mãe. Roma é o meu pai. Este império greco-romano onde a Grécia inventava a cultura e Roma a política é de onde todos nós viemos. Diz-se das pessoas que como eu que estudaram o latim e o grego antigo, que fizeram “as suas humanidades”. Não é por acaso.

Depois houve o rebentar do ódio e em grande escala. O ódio para com todos os que se detestam. Os impostores, e os pequenos lacaios. De Bernard Henry Levy à Apatia, de Colombani aos Gracques passando pelos economistas bem pagos, os que explicam todo e não prevêem nada. Evidenciando este ódio de casta com a sua boca de raia.

E, depois, enfim, há também o aparecimento do povo grego sobre a cena. E é aqui que as coisas mudam totalmente. Repentinamente, deixou de se ter o desejo de ser razoável. Quer-se cantar com ele na noite tépida de Pláka, entrar na pândega no Retsina para festejar o regresso da fraternidade. Levantando a cabeça para contemplar o Parthénon iluminado e  que vela por todos nós. Porque parece efectivamente que se assiste às premissas de um tsunami da História. Quando acontecimentos que se poderiam pensar como secundários exprimem de repente a totalidade da contradição. A contradição que duramente está a minar a nossa Europa. Esta chama-se uma situação revolucionária. Com, a partir de agora, um debate simples entre dois campos. E com esta novidade: os razoavelmente honestos juntaram-se ao campo dos que querem ajudar o povo grego e recusam-se a lançá-lo no precipício.

Compreendemos nós bem, pessoalmente não sei qual o resultado a que se vai chegar. Do bom e do mau. Talvez a crise vá continuar ainda por muito tempo. A história é um sistema imprevisível e pode-se pensar com Hegel que é um processo sem finalidade. Mas com temas como espírito, povo, os grandes homens.

E sobre este último ponto está-se talvez em vias de se passar qualquer coisa. E se Alexis Tsipras fosse o homem do Deus Kairos, o homem da circunstância?

Aí está um jovem dandy, de cabelo escuro. Nascido cinco dias depois do desmoronamento do regime de coronéis no seu país que surgiu há  30 anos num campo político tão usado, medíocre e corrupto como o da França. De que não se sabe muito, mas que apresenta já uma qualidade. Ser o alvo de um enorme desencadear de ofensas dos pequenos Marqueses, de que a vulgaridade febril testemunha o temor que inspira. Acaba de efectuar dificílimas negociações durante cinco meses que mostram uma capacidade política surpreendente. E agora vem pedir ao seu povo que revalide o seu mandato, indicando que se for desautorizado, deixará o poder. Isto faz-me lembrar velhas lembranças. Alguns falaram de “momento à Charles de Gaulle”. Obviamente, não para comparar, mas como exemplo.

E quereria permitir-me dirigir-me a ti,  Alexis Tsipras, exactamente, a partir deste precedente. Charles de Gaulle dizia “que um destino é o encontro das circunstâncias e de um grande carácter”. Sabia alguma coisa. “ Aos quarenta e nove anos, eu entrava na aventura, como um homem que o destino lançava fora de todas as suas séries” escreveu mais tarde a propósito do 18 de Junho, antes de acrescentar “ eu era como um homem só na frente de um oceano que pretendia atravessar a nado”.

Sem a conhecer, ele tinha feito provavelmente sua a frase do cego de Buenos Aires, Jorge Luis Borges: “o destino de um homem também por muito longo e complicado que ele seja, resume-se com efeito ao dia em que aprendeu definitivamente o que ele é”. No dia 18 de Junho de 1940, o general de brigada definitivamente soube que iria ser de Gaulle. O caminho até à descida dos Champs-Élysées no 24 de Agosto de 1944 foi difícil. Ele próprio o qualificou “de assustador”.

O teu, Alexis Tsipras, será também muito árduo, o combate será extenuante e os adversários sem quartel. A situação que se acaba de criar pode desembocar sobre tantas coisas. Como seria  compreensível o desejo de recuar, de se render, ou mesmo de se retirar. Provavelmente, deixou de ser possível. Na ausência da felicidade, a esperança pode voltar a ser uma ideia nova, primeiro na Grécia, depois, na Europa. E porque isto marcha como marcha, é que tudo isto assenta nos teus ombros, Alexis Tsipras.

Charles Péguy não te deixa muito a escolher: “ Aquele que é designado deve marchar. Aquele que é chamado deve responder. É a lei, é a regra, é o nível das vidas heróicas, é o nível das vidas de santidade. ”

Acredito que é a tua vez, meu rapaz. Vai filho, a gente segue-te com o olhar. Deves agora tornar-te Alexis Tsipras. E lembra-te que a causa que se defende vale menos que a honra com que se empenha em defendê-la.

E não te preocupes comigo. Se perco ainda esta vez, isso não é grave, estou já habituado.

Régis de Castelnau, Revista Causeur, Grèce : devenir Alexis Tsipras ; Et s’il était l’homme de la circonstance? Texto disponível em : http://www.causeur.fr/grece-alexis-tsipras-degaulle-allemagne-33619.html

Publicação autorização pelo director.

 *Photo : wikicommons.

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[1] Fórmula de um grande patrão alemão reproduzida por Charles Gave.

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