A EUROPA CONTRA OS CHARLATÃES: TSIPRAS, IGLESIAS, MÉLENCHON, LE PEN… VÍBORAS LÚBRICAS? – por ROLAND HUREAUX

europe_pol_1993 Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

Víboras *Ver nota em baixo

A Europa contra os charlatães: Tsipras, Iglesias, Mélenchon, Le Pen… víboras lúbricas?

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Roland Hureaux, L’Europe contre «les charlatans»: Tsipras, Iglesias, Mélenchon, Le Pen… des vipères lubriques?

Revista Causeur.fr, 17 de Julho de 2015

“Tsipras, Iglésias, Mélenchon, Le Pen… Os charlatães da Europa” era o título de Le Point na semana passada.  Com um subtítulo, “a internacional dos impostores”: charlatões, impostores, nada mais do que isso !

Dado que esta lista politicamente pluralista designa pessoas críticas do euro ou que ameaçam a sua sobrevivência, o semanário teria podido continuar: Paul Krugman, Joseph Stiglitz, Thomas Sargent, Christopher Pissarides, James Mirrlees, Amartya Sen, Milton Friedman, sete prémios Nobel  de economia que têm emitido dúvidas sobre o euro. Teria podido acrescentar também Margaret Thatcher, Hans-Olaf Henkel, antigo presidente do patronato alemão, Vaclav Klaus, antigo presidente da República Checa, Jean-Pierre Chevènement, Emmanuel Todd: aqui estão, pois,  muitos charlatães e impostores. Estes multiplicam-se  tanto quanto os contra-revolucionários  do tempo de  Staline.

O que é notável no título evocado, não é o facto de que o semanário em causa seja partidário do euro. Tem perfeitamente esse  direito e não é o único: todos os líderes no poder na Europa ocidental e os todos os órgãos de imprensa importantes estão na mesma situação: defendem com unhas e dentes o euro.  Notar-se-á, de  passagem, de quanto está ultrapassada a segmentação de poder contra outro poder,   dado que já não se encontram nenhumas  divergências entre os homens de poder e os  homens dos  meios de comunicação social sobre este assunto.

O jornal Le Point  não é único: toda a imprensa “da corrente dominante” durante os últimos dias se  atirou com dureza contra  Alexis Tsipras,  com uma raiva até bem  rara.

Uma atitude ainda mais  surpreendente quanto o fundo do problema é perfeitamente técnico: saber se uma moeda única, comum a vários países, é uma  boa ou má coisa, analisar quais são as vantagens, os inconvenientes e os riscos, saber se esta moeda pode ter vinda longa, aí está o que poderia ser  o objecto de um debate objectivo sem paixão e naturalmente sem ofensas.

Os extremistas estão no centro

Como o semanário em causa tem a reputação de ser sobretudo centrista, e que as personalidades que mais  se manifestaram  o são igualmente, e  além disso não temos conhecimento de afirmações tão veementes vindas dos adversários do euro em relação aos  defensores  da moeda única, concluir-se-á  que os verdadeiros extremistas de hoje são os centristas.

É mesmo entre eles que se ouviram os propósitos mais fortes contra a democracia. Martin Schulz, o presidente social-democrata do Parlamento europeu apelou  abertamente a uma mudança de governo em  Atenas apesar de as eleições se se terem realizado há apenas seis meses. Os mesmos círculos de resto tinham saudado como um progresso da democracia o que aconteceu na Ucrânia a 18 de Fevereiro onde  as milícias neonazis se manifestavam e  derrubaram  o presidente Ianoukovitch, de que  ninguém contestava a regularidade da sua eleição e que estava em pleno  mandato. As posições de  Alain Minc que defende  que o poder seja tomado em  Atenas por um governo de tecnocratas enviados por Bruxelas não são pois nada diferentes. Juncker, presidente da Comissão Europeia, não terá ele dito  que “não  pode haver escolhas democráticas contra os tratados europeus” ?

Não se  poderá deixar de recordar as  evidências sublinhando nestes comportamentos  os sintomas do  que é necessário efectivamente considerar como  um regime ideológico, estendido   a toda a Europa: veemência em relação aos opositores – que não são ainda víboras lúbricas mas isso poderá acontecer – recusa de um diálogo sereno, o estar a repor em questão os princípios mais consagrados, a democracia neste caso, dado que se trata de salvar o sistema, monolitismo dos círculos dirigentes e dos grandes meios de comunicação social, doravante misturados  todos eles  na defesa do euro. Existem outras convergências: a  mais patente é que as ideologias têm sempre o efeito oposto do que se pretende com elas: o euro devia trazer a prosperidade,  comportamentos mais homogéneos e a amizade entre os povos da Europa; ele traz por toda a parte – e não  somente  na Grécia –, a recessão; afasta os povos (por razões económicas fáceis de compreender dado que tudo isto parece ter a ver sobretudo com  um verdadeiro especialista e não com um ideólogo), sobretudo cria a desunião onde esta não deveria existir: entre Gregos e Alemães que nunca não se terão odiado tanto desde que foi criado o euro e sobretudo entre Franceses e Alemães para quem esta história absurda corrói perigosamente, de crise em crise, uma relação privilegiada com mais de cinquenta anos.

Porque é que Tsipras cedeu

É esta imensa máquina de intimidação de carácter ideológico que conduziu Alexis Tsipras, o qual encarnava há alguns dias a resistência ao sistema, a agachar-se imediatamente após o seu referendo vitorioso do 5 de Julho, face ao establishment internacional, ao ponto de dar a ideia  a muitos Gregos de uma humilhação nacional de grande amplitude? Alguns, ainda sob o choque, falam mesmo “de um golpe de Estado financeiro” em Atenas.

Era certamente muito  difícil a um jovem homem de 40 anos, à frente  de um país economicamente insignificante, de resistir sozinho  à formidável coligação de grandes países como os Estados Unidos, a Alemanha, a França e a toda a maquinaria de Bruxelas, apoiados pela  imensa  maioria dos meios de comunicação social ocidentais que tentavam dia após dia colocá-lo  na lama.

Não é certo contudo que tenha sido somente a intimidação que tenha funcionado: pode-se pensar que tenha havido por parte de Washington  meios de pressão que ignoramos,  como têm sido  regularmente utilizados para fazer vergar Angela Merkel. Embora por razões opostas Tsipras e Merkel tenham a opinião pública do seu respectivo país atrás de si para recusar o acordo, cada um deles não deixou  porém de ceder. Para os Estados Unidos, a manutenção do status quo é triplamente necessária: porque a explosão do euro poderia ser o detonador de uma nova crise financeira internacional, porque o euro lhes permite  manter as economias europeias sob tutela, porque seria perigoso para eles deixar a Grécia, cuja posição geopolítica é capital, a vaguear sem compromissos sólidos  numa zona de elevada turbulência, com  o risco de se  tornar  mesmo uma   ponte de Moscovo.

Deste lado do Atlântico, o desafio é diferente mas igualmente considerável: é toda a credibilidade da classe política continental que está em causa. Esta empenhou-se a   fundo desde há vinte anos na aventura do euro. Se este desmoronasse, esta   classe política  encontrar-se-ia tão  desamparada e tão    anacrónica quanto  um professor de marxismo-leninismo após a queda da cortina de ferro.

Face a  desafios  tão  enormes, a força das coisas deu a Alexis Tsipras um poder subversão  que muitos, a começar por Nicolas Sarkozy, consideram  desmedido. Não ficaremos nada  surpreendidos se, por canais diversos, este tenha sofrido nestes meses  pressões igualmente desmedidas.

Por fim, pode ter acontecido que este se tenha tornado  ainda mais vulnerável a estas pressões por ser um homem que vem da  esquerda. Expliquemo-nos. Diga o que disser o semanário acima citado, Tsipras, Iglésias (de Podemos) e Mélenchon não deixaram  de dizer que desejavam a manutenção do euro – ainda que as suas outras posições sejam contraditórias com esta pretensão.  O euro, diria Hayek, é uma empresa construtivista, um projecto que pretende fazer avançar a humanidade torcendo as leis, se não as da natureza, pelo menos as da história e da sociologia. O construtivismo, outros dirão a utopia, é a essência  das ideologias de esquerda e da extrema esquerda. Encontram-se naturalmente em conjunção com um projecto como o euro. Por outras palavras,  Tsipras,  marxista de formação,  estava intelectualmente  pouco  armado pouco para resistir à pressão internacional.

Mas nós  não sabemos tudo: aquele que for capaz de descobrir os zigue-zagues  que conduziram o governo grego  a vergar-se saberá então muita coisa  sobre a forma como vai o nosso mundo.

*Photo : NICOLAS MESSYASZ/SIPA/1404131045

Ver o original em:

http://www.causeur.fr/europe-grece-tsipras-iglesias-melenchon-le-pen-33851.html

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