Selecção e tradução por Júlio Marques Mota
Quem ganhará com o «momento grego»? Último inventário antes da recomposição
David Desgouilles, A qui profitera le «Moment grec»? Dernier inventaire avant recomposition
Revista Causeur, 21 de Julho de 2015
Agora que a actualidade grega perdeu alguma da sua intensidade e velocidade, e enquanto se espera que os próximos episódios comecem a aparecer sobre os nossos ecrãs, é útil fazer um curto balanço sobre as mudanças que esta sequência terá produzido no nosso xadrez político e sobre as lições que de tudo isto se podem tirar. “O Momento grego” permite formular uma análise dos lugares políticos e ideológicos.
Dado que o Primeiro- ministro grego Alexis Tsipras foi o actor principal, vejamos em primeiro lugar pelo lado dos que se consideram como os seus parceiros políticos privilegiados na França. Neste plano encontra-se a Frente de Esquerda, os contestatários dentro do PS, uma parte dos ecologistas. Como muito bem o explicou nomeadamente Frédéric Lordon, esta sequência permite a todos, e sobretudo aos que se reclamam da esquerda radical, de compreender que não pode aí haver, do seu ponto de vista, “ um euro simpático”.
A intransigência do governo alemão, do CDU ao SPD, retiram as últimas ilusões quanto à possibilidade de poderem colocar a moeda europeia ao serviço das suas ideias. Pior ainda, o euro é mesmo o instrumento privilegiado que é utilizado contra as suas próprias ideias. Como teria dito um humorista muito apreciado à esquerda, se não o vêem agora, “não é de óculos que precisam para o ver mas sim de um cão ”. Jean-Luc Mélenchon sempre disse que, se chegar ao poder, se oporia duramente à recusa alemã e optaria então pelo fim do euro. Hoje, sabe-se que a recusa é definitiva. Será necessário seguir as suas próximas declarações com muita atenção sobre este tema. Quanto aos contestatários, pode-se observar que todos tinham votado o acordo assinado na semana passada, enquanto que sabem – e que às vezes dizem-no – que este acordo foi pura e simplesmente extorquido a Tsipras. Será que ainda acreditam na possibilidade “de um euro simpático”? É-nos difícil sondar os rins e os corações, mas a sua fé deve ter sido profundamente abalada. Em todo o caso, Arnaud Montebourg decidiu convidar Yanis Varoufakis para a sua tradicional Festa da Rosa de Frangy-en-Bresse, no fim de Agosto. O antigo ministro grego das finanças aconselhou Tsipras, na noite do referendo, a requisitar o Banco da Grécia e a pôr em marcha um sistema de moeda paralela, o que teria permitido mostrar a determinação do governo e anteciparia um eventual Grexit. Tsipras não o quis ouvir. Varoufakis votou seguidamente contra o acordo no Parlamento grego. Convidar o homem que encarna hoje o Não grego não é anódino da parte de Montebourg. Será que ele irá fazer uma viragem quanto ao euro nas suas terras de Bresse dentro de algumas semanas? Espera-se o seu discurso com impaciência. Deste ponto de vista, não acreditamos numa evolução como a de Cécile Duflot sobre o tema. Entre dois males, a austeridade e a adesão a tudo o que se aparenta aos pontos de vista de Chèvénement, o antigo ministro da habitação fez sem dúvida a sua escolha ad vitam aeternam. Jean-Luc Mélenchon aprendeu-o por experiência própria quando da saída do seu último panfleto contra a Alemanha.
Do lado da esquerda Hollande – Valls, a questão do euro é hoje completamente religiosa. Deve-se salvar o euro “custe o que custar”, porque o euro, é a Europa, e a Europa, é a Paz. A partir desta constatação, nenhuma negociação é possível com a Alemanha na medida em que os alemães estão seguros de que os seus interlocutores nunca sacrificarão o euro e que tudo suportarão para o salvar. Estão assim prontos a todos os sacrifícios e todas as renúncias programáticas. Schäuble pode pedir tudo o que quiser a um governo dirigido por esta franja da esquerda. Ganhará sempre. De momento, joga com a França e a Itália como um enorme gato com ratos. Se “o euro simpático” acabou, “a euro-religião” essa ainda não morreu.
Do lado dos Republicanos e da UDI, há certamente uma parte de “euro-religião”, mas não apenas isso. Pôde-se observar aquando do “Momento grego” uma manifestação de fascinação quase unânime face ao par Merkel-Schäuble. Foi bem deste partido que se ouviram os maiores insultos e o maior desprezo por Alexis Tsipras. O ordoliberalismo de tipo alemão constitui um objectivo em si-mesmo. O euro não é uma religião como no PS de Hollande e tem precisamente o objectivo de não ser “simpático” como o desejava a esquerda radical. É um instrumento ao serviço de um modelo que se venera. Não há uma folha de papel de cigarro a separar, sobre este objectivo, entre Nicolas Sarkozy, Alain Juppé, Xavier Bertrand e François Fillon. Uma só grande voz discordante em relação a esta linha, a de Henri Guaino. Entre o seu discurso e o dos diferentes candidatos possíveis às primárias, não há apenas um grande fosso, há o Grand Canyon. Contudo, o antigo candidato especial não preconiza como Jean-Pierre Chevènement um desmantelamento da moeda única. Se este deseja preservar a existência desta última, é por prudência e por temor que uma tal operação provoca uma crise financeira mundial, suscitando ainda mais desgraças do que a desgraça que representa o actual status quo. Se Nicolas Sarkozy e Alain Juppé são coerentes apoiando a ideia de um euro que obrigue mecanicamente a França a efectuar as reformas de que eles sonham, desejando uma legislação fiscal e social equivalente à do nosso vizinho de além-Reno, o que é que se passará quanto a François Fillon e Xavier Bertrand? Recordemos que estes defenderam, quanto a eles, o NÃO em conjunto com Philippe Séguin, este último tendo anunciado profeticamente os escolhos de uma moeda única não assente sobre um governo realmente federal. Não se compreende realmente, verdade seja dita, a fascinação destes dois pelo ordoliberalismo alemão enquanto que a sua fixação antiga à soberania, ao mesmo tempo que defendiam ideias liberais, deveria sugerir-lhes que olhassem bem para o que que se passa do outro lado… da Mancha. Bertrand e Fillon poderiam com efeito assumir um soberanismo liberal à inglesa, mas não é este o caso.
Quem é que bem poderia assumir este modelo nos próximos anos? Não será Nicolas Dupont-Aignan, de que o núcleo das suas tropas provem da franja gaulista social que militava ainda há pouco para Séguin e Pasqua. Ele tenta bem, por vezes, aparecer como sendo mais “liberal” que Marine Le Pen, utilizando uma semântica destinada aos pequenos patrões, aos comerciantes e aos artesãos, mas não é visivelmente o seu ADN. De resto, se Jean-Pierre Chevènement lhe fizer propostas e estiver presente nas universidades de DLF (Partido Débout La France) na rentrée política, não é para se comportar à Cameron. Finalmente, quem poderia encarnar no futuro este soberanismo liberal, combinando hostilidade ao euro e a integração europeia, mas num espírito mais britânico, é sem dúvida Marion Maréchal Le Pen, efectuando esta batalha no interior da Frente Nacional, contra a sua tia e Florian Philippot. Estes dois últimos, mesmo se limparem no momento a tempestade provocada pelo velho patriarca, permanecem como sendo os grandes beneficiários “do Momento grego”. A ideia de que não há “euro simpático” permite-lhes ganhar a batalha face à Frente de Esquerda, que os acusava de serem derrotistas promovendo directamente a saída do euro. Além disso, aos olhos dos trabalhadores e dos empregados, estes assumem uma coerência global contra as diferentes facetas do liberalismo mundializado. Não somente estes ganhadores com o “Momento grego” se opõem ao euro, e desde há muito mais tempo, mas são opostos à livre circulação das mercadorias, dos capitais… e dos homens. Para seduzir as classes populares, a ausência de fronteiras da esquerda radical constitui com efeito uma deficiência e assim permanecerá, ainda que venha a fazer o seu aggiornamento sobre o euro.
Se as crises em repetição do euro vão certamente regressar , a próxima batalha, o próximo “ Momento” deverá ocorrer no momento das votações do tratado transatlântico. A esquerda radical estará mais na ofensiva que a Frente Nacional e sobretudo mais audível? O PS cederá ainda sobre este processo à intransigência alemã por fé na construção europeia, apesar do seu ministro Euro-crítico, Matthias Fekl, estar no centro das negociações? A direita clássica LR-UDI continuará a ser a melhor aluna de Angela Merkel? Será que esta ocasião dará enfim origem a recomposições políticas por esta altura ?
Estes problemas pesarão bem mais do que o resultado das eleições regionais, não se tenham dúvidas.
David Desgouilles, Revista Causeur, A qui profitera le «Moment grec»?
Dernier inventaire avant recomposition. Texto disponível em :
http://www.causeur.fr/grece-referendum-ps-republicains-33892.html
*Photo : Wikipedia.org