TRAGÉDIA GREGA ESCONDE SEGREDO DE BANCOS PRIVADOS – por MARIA LUCIA FATTORELLI – II

mapagrecia6 Selecção de Júlio Marques Mota

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Tragédia Grega esconde segredo de bancos privados

maria lucia fattorelli

(conclusão)

O relatório anual do Banco da Grécia mostra um acentuado crescimento nas contas “fora de balanço” relacionadas a ativos financeiros em 2009 e 2010, em quantidades muito maiores que o total de ativos do Banco, e esse padrão continua nos anos seguintes. Por exemplo, no Balanço Contábil do Banco da Grécia de 2010[19] , o total de ativos em 31/12/2010 era EUR 138,64 bilhões. As contas “fora de balanço” naquele ano chegou a EUR 204,88 bilhões. Em 31/12/2011[20] , enquanto o total dos ativos do Balanço somou EUR 168,44 bilhões, as contas “fora de balanço” atingiram EUR 279,58 bilhões.

Assim, a transferência de ativos tóxicos dos bancos privados para o setor público tem sido um grande sucesso: para os bancos privados. E o Sistema da Dívida[21] tem sido a ferramenta para acobertar isso.

Grécia foi trazida a este cenário depois de vários meses de pressão persistente por parte da Comissão Europeia, devido a alegações acerca de existência de um excessivo déficit orçamentário, além de inconsistências em dados estatísticos[22] . Passo a passo, um grande problema foi criado em torno dessas questões, até que em maio de 2010 oConselho de Assuntos Econômicos e Financeiros declarou: “na sequência da crise na Grécia, a situação nos mercados financeiros é frágil e havia um risco de contágio”[23] . E assim a Grécia foi submetida ao pacote que incluiu a interferência da Troika com as suas severas medidas inseridas em planos de ajuste anual, e um peculiar acordo bilateral, seguido por“empréstimos” da EFSF lastreados em instrumentos financeiros de risco.

Economistas gregos, líderes políticos, e até mesmo algumas autoridades do FMI haviam proposto que uma reestruturação da dívida grega iria propiciar resultados muito melhores do que aquele pacote. Isso foi ignorado.

Graves denúncias acerca da superestimação do déficit orçamentário – que tinha sido a justificativa para a criação do grande problema em torno da Grécia e a imposição do pacote em 2010 – foram igualmente ignoradas.

Sérias denúncias feitas por especialistas[24] gregos sobre a falsificação de estatísticas também foram desconsideradas. Seus estudos mostravam que o montante de EUR 27,99 bilhões sobrecarregou as estatísticas de dívida pública em 2009[25] , por causa da elevação falsa em determinadas categorias (tais como DEKO, obrigações hospitalares e SWAPGoldman Sachs). Estatísticas de anos anteriores também haviam sido afetadas por EUR 21 bilhões de swaps Goldman Sacks distribuídos ad hoc em 2006, 2007, 2008 e 2009.

Apesar de tudo isso, sob uma atmosfera de urgência e ameaça de “contágio”, acordos peculiares foram implementados desde 2010 na Grécia; não como uma iniciativa grega, mas tal como conformado pelas autoridades da UE e do FMI, vinculados ao cumprimento de um conjunto completo de medidas econômicas, sociais e políticas prejudiciais, impostas pelos Memorandos[26] .

A análise dos mecanismos[27] inseridos nesses acordos mostra que eles não significaram benefício algum à Grécia, masserviram aos interesses dos bancos privados, em perfeita consonância com as medidas de resgate ilegais aprovadas em Maio de 2010.

Em primeiro lugar, o empréstimo bilateral usou uma conta especial no BCE, por meio da qual os empréstimos desembolsados pelos países e KfW, os credores, iriam direto para os bancos privados que detinham títulos de dívida desvalorizados, cotados muito abaixo de seu valor nominal. Dessa forma, aquele acordo bilateral peculiar foi arranjado para permitir o pagamento integral para aqueles detentores de títulos, enquanto a Grécia não obter qualquer benefício. Em vez disso, os gregos terão de pagar de volta o capital, altas taxas de juros e todos os custos.

Em segundo lugar, os “empréstimos” da EFSF resultaram na recapitalização de bancos privados gregos, além de trocas e reciclagem de instrumentos de dívida. A Grécia não recebeu qualquer empréstimo verdadeiro ou apoio da EFSF. Através dos mecanismos inseridos nos acordos com a EFSF, dinheiro efetivo nunca chegou à Grécia, mas apenas os ativos tóxicos desmaterializados que lotam a seção “fora de balanço” do Banco da Grécia. Por outro lado, o país tem sido forçado a cortar despesas sociais essenciais para pagar, em dinheiro, as altas taxas de juros e todos os custos abusivos, e também terá que reembolsar o capital que nunca recebeu. O contrato prevê que tal pagamento pode ser feito também por meio de entrega de patrimônio estatal privatizado.

É preciso buscar as razões pelas quais a Grécia foi escolhida para estar no olho do furacão, submetida a acordos e memorandos ilegais e ilegítimos, servindo de cenário para encobrir o escandaloso resgate ilegal de bancos privadosdesde 2010.

Talvez essa humilhação se deva ao fato de que a Grécia tem sido historicamente uma referência mundial para a humanidade, pois ela é o berço da democracia, o símbolo da ética e dos direitos humanos. O Sistema de Dívida não pode admitir tais valores, pois não possui o menor escrúpulo em provocar danos a países e povos para obter seus lucros.

Parlamento grego já instalou a Comissão da Verdade sobre a dívida pública e nos deu a chance de revelar esses fatos; tão necessários para repudiar o Sistema de Dívida que tem subjugado não só a Grécia, mas muitos outros países, sob a espoliação do setor financeiro privado. Somente por meio da transparência e do acesso à verdade os países irão derrotar aqueles que querem colocá-los de joelhos.

Já é chegado o tempo para que a verdade prevaleça, o tempo para colocar os direitos humanos, a democracia e a ética acima de quaisquer interesses inferiores. Esta é uma tarefa para a Grécia, a ser cumprida já.

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[19] BANK OF GREECE ANNUAL REPORT 2010. BALANCE SHEET p. A4

[20] BANK OF GREECE ANNUAL REPORT 2011. BALANCE SHEET p. A4.

[21] Expressão criada pela autora, a partir da constatação, por meio de diversas auditorias cidadãs em diferentes instâncias, do uso do instrumento do endividamento público às avessas, funcionando como uma ferramenta de subtração de recursos públicos em vez de aportar recursos ao Estado, operando por meio de uma série de engrenagens que relacionam o sistema político, o sistema legal, o modelo econômico baseado em planos de ajuste fiscal, a grande mídia e a corrupção.

[22] 24 MARÇO 2009 – COMMISSION OPINION –
27 ABRIL 2009 – COUNCIL DECISION –
10 NOVEMBRO 2009 – COUNCIL CONCLUSIONS –
8 JANEIRO 2010- COMMISSION REPORT 
2 DEZEMBRO 2009 – COUNCIL DECISION –
11 FEVEREIRO 2010 – Statement by Heads of States or Government of the European Union.

16 FEVEREIRO 2010 – Council Decision giving

[23] 9/10 MAIO 2010 – Council Conclusions – Extraordinary meeting – Sob a justificativa de uma “crise na Grécia” o esquema de medidas para salvar bancos privados é implementado.

10 MAIO 2010 – Council Decision

[24] Prof. Zoe Georganta, Professora de Econometria Aplicada e Produtividade, Ex membro da diretoria da ELSTAT, apresentou sua contribuição ao “Comité da Verdade sobre a Dívida Pública” em 21 Maio 2015.

[25] HF International (2011) Georgantas says 2009 deficit was purposely inflated to put us in code red.

[26] Um conjunto de 3 Memorandos acompanham a Carta de Intenções que o governo grego teve que assinar para receber um empréstimo Stand-By do FMI, nos quais se compromete a realizar as contrarreformas, cortes de serviços sociais, ao mesmo tempo em que cria fundos privados, com recursos públicos, para realizar o resgate de bancos privados (HFSF) e acelerar as privatizações (HRADT).

[27] Os mecanismos estão resumidos no Capítulo 4 do Relatório Preliminar apresentado pelo “Comité da Verdade sobre a Dívida Pública” em 17 Junho 2015. Disponível aqui.

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Veja em:

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/544075-tragedia-grega-esconde-segredo-de-bancos-privados

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