FMI sobre a Grécia – o FMI não aprendeu mesmo nada com os seus erros, por Bill Mitchell I

Falareconomia1

Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

 

Três textos esclarecedores de que a situação actual na União Europeia é o produto de circunstâncias historicamente criadas e determinadas

 

3. FMI sobre a Grécia– o FMI não aprendeu mesmo nada com os seus erros

 

Bill Mitchell, 28 de Julho de 2015

Publicação autorizada pelo autor

 

No seu texto mais recente sobre a crise grega, o FMI parece querer assumir o papel de ser o elemento razoável na “troika” como resultado da sua última publicação onde diz que que a posição da dívida da Grécia é insustentável e que qualquer tratamento da crise a longo prazo exigiria que “as medidas de redução da dívida vão bem para além de que a Europa está disposta a considerar até agora”. Mas uma leitura mais cuidada desse relatório (14 de Julho de 2015) – uma atualização da análise preliminar da sustentabilidade da dívida pública pelo pessoal do FMI – diz-me que o FMI não aprendeu muito com todos os erros desastrosos e repetidos cometidos e que levaram a que a crise se aprofundasse e se prolongasse no tempo com a crise do Euro. Os técnicos e directores do FMI ainda estão agarrados à mantra neo-liberal que se Grécia tivesse seguido “o programa das reformas estruturais” inteiramente estaria agora fora da crise e até mesmo sem necessidade da amortização da dívida. É uma quimera que só estes neo-liberais são capazes de conceber quando as suas loucas ideias são confrontadas com a realidade do sistema monetário.

A última intervenção do FMI no tratamento escandaloso do eurogrupo sobre a Grécia é uma história em si mesmo. Mas eu não tenho a informação necessária para estar a especular sobre quem os forçou a publicar à última hora o relatório referido.

Os boatos são que as elites da zona euro não queriam que o relatório fosse tornado público porque poderia prejudicar a sua linha dura contra a nação sitiada.

Mas, não precisavam de se preocupar. O relatório do FMI mantém todo o corpo teórico neoliberal do eurogrupo e continua a responsabilizar a Grécia pela sua própria situação.

Em 12 de Outubro de 2014, o FMI publicou – Statementon Greece– que se refere a uma reunião entre a senhora Lagarde e o Ministro das Finanças grego e o Governador do Banco Central de Grécia

O texto refere:

A Senhora Lagarde recomendou às autoridades para melhorarem de forma significativa a posição orçamental da Grécia e incentivou-os a executarem as decisivas reformas estruturais chaves na linha com os compromissos do programa.

Anteriormente, (10 de Junho de 2014), no seu – Fifth Review Staff Report– o FMI discute a “magnitude e a qualidade do ajustamento orçamental de Grécia” e disse que o deslocamento fiscal massivo que ocorreu em Grécia “foi na sua maior parte realizado pela via da despesa”.

Eles também se referem “às políticas de rendimento… aprofundam a estrutura fiscal e estabelecem o perfil das isenções de impostos sobre o rendimento, introduzem a sobrecarga da solidariedad esocial, reforçam a tributação sobre as pensões e sobre os benefícios sociais, e consideravelmente criam uma escala de impostos sobre propriedades. Os esforços estruturais relativos a outros itens do rendimento têm sido equilibrados e são baseados sobre os aumentos na estrutura das taxas de contribuições sociais e no IVA assim como em medidas que levam ao aumento no cumprimento das regras fiscais estabelecidas..”

No lado de despesa, notam que cerca “metade do ajustamento na despesa” veio de cortes nos salários e nas pensões do serviço público.

Igualmente notam que “a formação do capital públicofoi cortada para 2,1 por cento do GDP em 2013, o que é muito baixo pelos padrões internacionais”, o que em si mesmo deve levantar sinais de alarme no contexto de sua outra narrativa – melhorar a concorrência da economia.

É difícil transformar-se numa economia mais produtiva se o investimento público e privado em capital para infra-estruturas é cortado até ao máximo possível.

Tomando tudo em conjunto, a mudança orçamental verificada conduziu “a um excedente orçamental primário significativo em 2013, bem acima do objectivo e antes da data prevista”. Eles discutem este deslocamento em termos do excedente primário em relação ao PIB que era 0,8 por cento em 2013 e dizem que isto reflecte “limitação nas despesas públicas … e resultados sobre os rendimentos mais elevados para o final de 2013”.

O resultado era de que a Grécia tinha registado:

… o saldo orçamental ciclicamente ajustado (o saldo estrutural) mais elevado na zona euro.

Naturalmente, em 2014, a “Troika” levantou o objectivo anterior para uma fasquia bem mais alta a tentar levar a que se alcançasse “um objectivo de excedente primário de 3 por cento do PIB (GDP)” e defendeu ainda :

… o aumento das receitas públicas em ligação com a posição do ciclo , na opinião dos técnicos do FMI , é insuficiente para permitir obter o aumento pretendido no excedente primário.

Estes também exigiam que o excedente primário subisse para 4,5 por cento do PIB em 2016.

O que, consequentemente, seguindo a sua lógica, necessitaria mesmo de cortes bem mais violentos sobre a despesa.

Quando qualquer de nós lê estes documentos, e aqui mencionamos somente dois deles numa sequência de documentos similares, fica-se estupefacto e envolto numa espécie de estupefacção. As relações entre receitas e despesas relativamente ao PIB e tudo o resto sobre o palavreado do “ajustamento ” assumem uma lógica por si mesmas.

Enquanto o FMI resolve centrar-se sobre um aumento fiscal crescente relativamente ao PIB, a realidade é, contudo, bastante diferente.

E, naturalmente, os gregos não falam em termos dos rácios relativamente ao PIB.

O gráfico seguinte mostra as despesas e as receitas do governo como percentagem do PIB desde 2000 até 2014 (utilizando os dados do FMI ).

A diferença entre os dois valores é o deficit orçamental actual que inclui os pagamentos dos juros da dívida. O FMI aponta para o aumento das receitas fiscais relativamente ao PIB como um sinal de que a consolidação se está a realizar e que a Grécia está a caminhar no sentido correcto.

Consideram igualmente a diminuição brutal nas despesas públicas relativamente ao PIB como sendo indicativa de uma consolidação bem sucedida:

Greece_GG_public_spending_revenue_2000_2014

Num texto de Nomura (14 de julho de 2015) – EU refuses to acknowledgemistakesmade in Greekbailout– Richard Koosublinha que a ênfase do FMI e da UE na despesa e no rendimento como uma proporção do PIB como uma maneira de calibrar o progresso da consolidação grega era potencialmente muito enganador.

Richard Koo escreveu:

Quase toda a análise sobre a economia grega produzida pelo FMI e pela UE discutiu matérias e rácios relativos ao PIB, enquanto que os padrões de vida dos gregos estão ligados directamente ao nível absoluto do PIB.

Recorde-se que um rácio é uma relação de duas componentes – uma no numerador e a outra no denominador. Assim uma relação pode estar a subir ou a descer mesmo que ambos os componentes estejam a cair (ou a subir). Ou seja, vejam-se as receitas públicas em relação ao PIB (linha vermelha).

Pode-se ser tentado a concluir depois de ler uma pletora de relatórios e análises do FMI que os aumentos da taxa de tributação que a “troika” impôs na Grécia teriam gerado receitas fiscais crescentes.

Mas olhemos para o gráfico a seguir, em que se mostra a receita fiscal absoluta (em milhares de milhões) e as receitas governamentais como percentagem do o PIB (linha vermelha – eixo direito).

É claro que, embora a proporção dos impostos em relação ao PIB tenham aumentado desde que a austeridade foi imposta, a receita fiscal total caiu, porque a austeridade fiscal destruiu as perspectivas de crescimento da economia grega.

A proporção das receitas fiscais relativamente ao PIB tinha subido apenas por causa do PIB (o denominador) ter diminuído mais rapidamente do que as receitas fiscais (o numerador).

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Richard Koo escreveu;

 

A razão é que o PIB da Grécia desceu fortemente porque a consolidação orçamental foi realizada durante uma recessão dita de balanço, redução da despesa privada por efeito do desendividamento privado, resultando numa espiral deflacionária destrutiva que tem destruído a vida da maioria dos gregos .

Enquanto a nação pode parecer estara fazer progressos quando se olha para os dados em percentagem do PIB, os dados brutos (absolutos) mostram uma economia em colapso. Essa diferença de perspectivas alargou o fosso que separa os credores europeus que pensavam que tudo está a ir bemdopovo grego que tem sofrido gravemente fortes descidas nos seus padrões de vida. E essa brecha na percepção nunca foitão evidente comoquando do resultado do referendo nacional de 5 de Julho.

Do lado das despesas, o rácio da despesa das Administrações Públicas em percentagem do PIB caiu,mas o FMI sublinha que deveria cair mais rapidamente.

 

(continua)

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