SYRIZA: um prego no caixão da esquerda – por Christine I

Falareconomia1

Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

 

 

SYRIZA: um prego no caixão da esquerda

Okeanews.fr. Assinado por Christine

 

 

« Os gregos têm uma bela expressão: “As mortalhas não têm bolsos.” E isto para dizer que quando se morre não se leva nada para o além , que fica cá tudo. Não é isto suficiente para considerar as coisas de um ângulo diferente? Eu, conto apenas com o filósofo grego que há em cada um de nós . Pré-socrático, de preferência … mas isso é uma outra história »

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Fiquei há dias muito   comovida ao dar-me conta de interesse com a qual leste o meu “bilhete de (mau) humor”. Já te tinha dito , isto aquece-me o coração… Sei também que te tinhas prometido falar das minhas pequenas ideias relativas ao que se passou com Syriza… O que tu queres compreender o que é que aqui falhou … Recordar-lhe -ei simplesmente que não escrevo como jornalista mas enquanto cidadã, preocupada e ( penso ) bastante avisada…

Começarei como nós sempre começámos os cursos na univ: pela etimologia… Syriza, é o acrónimo de Synaspismos Rizospastikis Aristeras, o que aqui quer dizer: Coligação da Esquerda Radical… Tendo em conta os desenvolvimentos, já terás compreendido que não se trata de uma verdadeira coligação, nem de uma verdadeira esquerda, nem de verdadeiros radicais… Para acrescentar um pouco “ao divertimento” que nos concede a etimologia e a tradução, em grego utiliza-se a palavra “syrriza” (aqui existe tal qual , mas com dois “r”) para indicar o que é separado da sua raíz ou qualquer coisa que passa muito perto de um objecto roçando-o apenas.

A história de Syriza começa há cerca de algumas décadas, com antigos membros do Partido comunista que decidiram deixar o partido para criar um novo partido. . (O partido estava já era dividido em PC “versão original” (que chamávamos “do exterior” – pela sua ligação directo a Moscovo, o que enervava fortemente os seus filiados ) e o PC dito “do interior”… Enfim, não me demorarei demasiado sobre o histórico l, digo isto somente situar o ambiente de partida. …

Syriza era a composição de várias tendências mas nunca atingiu as percentagens eleitorais do PC “original”. Não suficientemente de “direita” para atrair os comunistas. O centro-esquerda estava ocupado um outr grande da cena, pelo Pasok, ou movimento socialista pan-helénico . Syriza “muito tempo vivoté” na cena política grega, fazendo sempre parte do Parlamento, sem nunca ter tomado atitudes fortemente significativas à esquerda.

Depois, Papandréou Júnior chegou com o primeiro memorando debaixo do braço. As coisas começaram a mexer. As pessoas começaram a movimentar-se. A protestar. A mobilizar-se. E, aí, enquanto que Syriza teria podido desempenhar um papel de protagonista, ele mesmo continuou a prosseguiu sobre o seu trajecto de comparsa… pior, ainda, ele tinha legitimado tudo…

Frequentemente ouvi pessoas que se tinham encontrado na Praça Syntagma, na época, a explicar como é que políticos de Syriza tinham andado a jogar aos bombeiros… eles tudo terão feito para apagar toda a chama que se tinha acendido na alma dos indignados. “Esperem um pouco, chegaremos ao poder, e tudo mudará ”… Se acrescentarmos a repressão pela polícia, o movimento sufocou-se e afastou-se (da prça Syntagma, mas não do resto da vida, felizmente…)

Desde há cinco anos e meio , o país balouça sobre um mar agitado… a Comissão puxa por aqui, , o Fundo monetário puxa por ali, o BCE puxa pelo outro lado (e agora, tem-se também o Mecanismo europeu de estabilidade, que tira do ooouuuutro lado ainda …) É uma questão de se saber, afinal, quantos lados há!

Desde cinco anos, o país tem estado a ser rasgado em pequenos pedaços em que se esforçam em atirar uns contra os outros: os empregados do privado contra os funcionários públicos, os padeiros contra os supermercados, os alunos contra os professores, … os pobres contra os ricos e vice-versa. E o que é que fez Syriza ? Este espera! Espera que o poder lhe caia nas mãos como um fruto maduro cairia da árvore…

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É assim que Varoufakis explicou uma dia ao falar dos memorandos : «  A Grécia não foi reformada mas sim deformada “

O povo está desorientado . Não compreende. É necessário ser economista para ter o direito de viver?! O que é que nos acontece? Haverá alguém que se queira dar ao trabalho de explicar? Leio, ouço emissões de rádio, releio. Descubro Henri Guillemin, o historiador dos pobres. Descubro Dimitris Kazakis. Mergulho na história social como se mergulha no lago de um oásis depois de ter atravessado o deserto. Começo a compreender. Talvez não tudo. Talvez não no detalhe. Mas, as coisas são simples: esta União europeia não nos quer nada de bem. Não tem nada a ver com o ideal e com o humanismo que eu pensava. Metade belga, sentia-me outrora orgulhosa de saber que Bruxelas acolhia as instituições de uma coisa tão grande quanto a Europa que estava debaixo dos meus olhos. Esta a Europa não nos quer nada de bem. Vem dar-nos lições. Ela, que não respeita mesmo o acervo comunitário. Como intérprete, frequentemente trabalhei em conferências sobre conteúdos europeus. Vi de perto a construção de toda uma terminologia de entomologista para dissecar as nossas vidas. E eis que agora aí está a Europa é abertamente neoliberal. Veja-a como um todo, frontalmente, mas, pelo menos, sei dar um nome sobre o que caiu em cima da minha vida….

E Syriza em tudo isto ? Oh, a Europa é a nossa casa comum, o euro é a nossa moeda comum. Bom, não é sempre cómoda a Europa, e Syriza em tudo isto? Oh, a Europa é a nossa casa comum, o euro é a nossa moeda comum. Bom, não é sempre cómoda a Europa, mas acabaremos por nos arranjar …

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Em todo o caso, Syriza não perderá tempo a tentar explicar às pessoas o que se passa. Não indicará nunca quem é o inimigo nesta guerra que vivemos. Porque se trata bem de uma guerra. Ataca-se a imagem dos gregos (os Grego são preguiçosos que têm vivido acima dos seus meios durante bem muito tempo e para mais vivem às custas do Estado). Ataca-se os nossos próprios empregos (enquanto que era o sector público que era considerado ser desmedido, começou-se por desmontar o sector privado…e o desemprego disparou em flecha…). Ataca-se a nossa saúde física (o sistema de saúde, os hospitais, a segurança social, tudo se desfaz em migalhas …) e à nossa saúde mental (o terrorismo dos meios de comunicação social – que fará parte de um texto em separado – é impossível de descrever… uma sábia mistura de chicotadas, de desculpabilização, de terror e de ódio… nunca houve tanta preocupação com o que dizem   a imprensa e os políticos estrangeiros – sobretudo quando dizem mal dos Gregos).

Ataca-se a nossa dignidade (votem isto, não votam aquilo, manifestem-se , não se manifestem. E porque é que devemos assumir as perdas dos bancos?! Os debates televisivos emitidos pela   televisão, dos quais se deveria esperar alguma informação, alguns elementos que permitam compreender, são um verdadeiro circo ou, antes, uma arena onde os interlocutores querem apenas falar mais alto que os seus interlocutores e fazendo o papel de  fala-barato. De bom sangue, os alemães estão por toda a parte! Este Fuchtel, secretário de estado alemão para as questões gregas (sic), passeia-se por todo o país e tenta atrair o apoio dos presidentes da câmara municipal para vigarizar nos negócios no domínio do tratamento dos desperdícios e do fotovoltaico …! Os tipos da Troika estão por toda a parte, entram, saem, criticam, decidem, criticam ainda…

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Môssieur Joachim Fuchtel, delegado à Assembleia germano-helénica (?) nomeado pela Sra. Merkel em pessoa para nos oferecer o seu “knowhow” em matéria de cooperação entre colectividades locais….

Cada vez que há um debate importante no Parlamento, por ocasião de um enorme projecto de lei, penso : “Eles não vão ficar lá a participar neste circo! Vão sair do Parlamento e vão juntar-se às pessoas!”

Mas, não… nunca! Nunca mesmo ! Tem-se efectivamente direito aos discursos mas é assim tão pouca coisa face à tragédia que se vive aqui…

E, seguidamente, chega o momento fatídico. Os velhos partidos esgotaram o seu potencial. Não poderão fazer passar mais nada no Parlamento. “Os parceiros” sabem-no efectivamente. A eleição do novo presidente da República é a ocasião assim dada. Dado que Syriza não está de acordo, vamos a eleições. Eleição nacional, por conseguinte, para um novo governo. As pessoas sentem-se mal, sentem-se ultrapassados, sofrem. Tsipras aparece como a solução. É jovem, não faz parte do sistema político apodrecido (?), tem ideias (?), propõe um programa de luta contra a crise humanitária que atinge brutalmente o país. Velar sobre os mais pobres, voltar a ter electricidade e água em todos os lares sombrios e frios e gratuitamente para quem não pode. E, seguidamente, merda! Os Gregos são um povo orgulhoso! Não se pode aceitar que a senhora Merkel, a senhora Lagarde, o senhor . Shäuble no digam o que devemos fazer!!! Somos um Estado soberano! Nós iremos cuidar dos nossos?

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Caricatua   de Georgopalis…sempre pertinente … Pelo menos parece ter compreendido mais depressa   que que Syriza, de toda a maneira …

Mas, eis que, há “um empecilho”… os gregos e Syriza não podem fazer política social apesar da União europeia e com o dinheiro da União Europeia! Ora, têm razão, é o que responde Tsipras quando lhe perguntam onde está o dinheiro para o seu programa anticrise humanitário anunciado em Salónica. Será que irá buscar esse dinheiro aos fundos “do Quadro estratégico nacional de referência”! Pessoalmente digo a mi-mesma que “não é possível que diga uma coisa dessas !” e, sobretudo “não é possível fazê-lo sequer ! “Os parceiros” desbloquearão nunca estes fundos! “

Mas ele insiste. Da mesma maneira que insiste sobre a sua intenção “de rasgar o memorando no Parlamento   e anular os memorandos numa lei, num só artigo”!

Ah, bom?!

“Negociaremos com os nossos parceiros europeus. Formamos uma família (que se comem uns aos outros, sim), são pessoas razoáveis (sim: 1 euro + 1 euro = 2 euros), compreenderão e tornar-se-ão mais flexíveis. Não poderão recusar a nossa oferta!” E é aí lá que Tsipras diz que “a senhora Merkel aceitará a nossa oferta, e fá-lo-á à frente de toda a gente ” (fá-lo-ia feito de noite o que não teria incomodado ninguém, imagino…)

E partiu para a campanha eleitoral. E começa a viajar todos os sentidos: Europa, Estados Unidos, Texas, participações em mesas redondas um pouco por toda a parte… No país, tem encontros com toda a gente, igreja, polícia, bombeiros, forças armadas… Há antigos membros do Pasok que começam a bater à porta de Syriza… E, fico a perceber que todos são bem-vindos… Mas, bom sangue, como é que se podem entender com pessoas que votaram todos os memorandos  e de quem se sabe que não querem sair das poltronas do poder?!

 

(continua)

 

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