MUDAR DE RUMO – A JUSTIÇA – por HENRIQUE NETO

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Mudar de Rumo – A Justiça

O bom funcionamento do sistema de Justiça é uma das principais características das democracias avançadas, podendo dizer-se que a inversa é verdadeira, sendo o caso português um exemplo em que a morosidade, as dificuldades de acesso, a má qualidade das leis e a deficiente organização do sistema de justiça, colocam o nosso regime democrático na retaguarda das democracias ocidentais. Cabe mesmo perguntar, por esta e outras razões, se somos uma verdadeira democracia.

Desde logo, em Portugal existe uma justiça para pobres e outra bem diferente para os ricos. Seja porque o rendimento muito baixo da esmagadora maioria das famílias portuguesas torna o custo da justiça um obstáculo relevante, seja porque o dinheiro permite o acesso aos melhores e mais influentes advogados, seja porque a ignorância e a pobreza andam entre nós de mãos dadas e os direitos dos cidadãos são mal compreendidos e mal praticados.

Um outro problema reside na formação dos juízes, em que o conhecimento das leis e das regras processuais não tem, frequentemente, correspondência na maturidade e na experiência de vida, o que de alguma forma limita a  compreensão das causas em julgamento,  a qualidade das decisões e a aplicação das respectivas penas. Também a especialização dos juízes só agora começou e não atingiu ainda a profundidade desejada. Por exemplo: há muito que a Procuradoria Geral da República reclama, sem grande sucesso,  a formação de juízes vocacionados para a investigação.

Acredito que em geral a independência da justiça relativamente ao poder político será um factor que joga a favor da justiça portuguesa, mas, apesar disso, temos tido demasiados processos arquivados, prescritos, ou que se arrastam sem fim à vista, que envolvem políticos e  outras pessoas próximas dos poderes político e económico, para que isso possa ser considerado um mero acaso. Por outro lado, o anterior Procurador Geral da República e o anterior Presidente do Supremo Tribunal de Justiça deixaram fundas preocupações na opinião pública sobre a sua independência em casos que indiciavam de forma clara comportamentos desviantes de alguns políticos, o que de alguma forma ficou demonstrado em consequência dos desenvolvimentos posteriores. Também regionalmente, quer na Madeira quer no Porto, aconteceram processos e práticas que indiciaram situações preocupantes sobre a justiça portuguesa.

Relativamente à economia, existe a convicção geral de que a Justiça é um dos factores que mais justificam o fraco investimento em Portugal, quer de nacionais quer, principalmente, de estrangeiros. A morosidade e a falta de especialização dos tribunais são factores que comprometem a decisão mais justa e atempada de processos de grande complexidade e com níveis de grande sofisticação técnica, sendo que a burocracia, o mau funcionamento e a aleatoriedade da Justiça são os factores mais frequentemente citados pelas empresas estrangeiras em Portugal como os mais importantes obstáculos ao desenvolvimento dos seus negócios. Também a imprevisibilidade fiscal é uma outra questão que afasta os investidores do nosso País. Tudo razões que justificam colocar o factor da gestão e da transparência do sistema de justiça na primeira linha das reformas necessárias, à frente de mais mudança nas leis, apesar de sabermos que muitas das leis existentes foram feitas para servir interesses políticos e económicos estabelecidos, muitas deles tendo origem nos grandes gabinetes da advocacia portuguesa. Tudo sob o olhar complacente da Assembleia da República.

A organização e a transparência do sistema de Justiça deverá passar  pela figura do gestor de tribunal, pelos uso das mais avançadas tecnologias da informação e da comunicação e pela valorização das carreiras profissionais dos funcionários judiciais, o que é inseparável da sua responsabilização por objectivos concretos e de uma diferenciação pelo mérito. Estes objectivos que não são excessivamente difíceis de atingir por governos que saibam efectivamente o que querem e como se faz,   não têm, infelizmente, prevalecido nas últimas décadas.

19-09-2015

Henrique Neto

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