BISCATES – O regresso do ostracismo e do banimento – por Carlos de Matos Gomes

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Está a passar como democraticamente aceitável um conjunto de afirmações do género – não votei no PS para o PS se aliar ao PaF, ou, não votei no PS para o PS se aliar à sua esquerda; ou ainda, no mesmo registo, mas de outras zonas: os eleitores do PaF não votaram para terem um governo do PS com o BE e o PCP.

Não são apenas comentários de cabeleireiro, nem de táxi, nem de café. São comentários de agentes avençados do comentário politico, em horário nobre de TV e página frontal de jornal. Tanto surgem à esquerda como à direita. Saem das mentes de pessoas que deviam saber um mínimo dos princípios dos sistemas políticos das democracias representativas. De facto eles sabem, sabem que estão a utilizar uma falácia para enganar quem os ouve. É pura manipulação. Sabem que estes regimes se baseiam na aceitação de cada um ser representado por alguém em quem confia e na aceitação pacífica do governo pelos outros que não os nossos (o voto substituiu a força). Sabem que nos regimes democráticos o voto é um ato positivo: escolho o que considero melhor, mas respeito que a escolha dos outros possa ser diferente da minha escolha. Sabem mas só praticam quando lhes convém.

Nestes regimes democráticos existe uma lei fundamental que impede que a escolha de uns, mesmo que sejam a maioria, implique o banimento dos outros. O banimento é o sucessor do ostracismo, uma punição existente em Atenas, onde o cidadão, geralmente um político, que ameaçasse a democracia, era votado para ser banido ou exilado, por um período de dez anos.

O discurso do “eu não votei para que…” é o da defesa da lei do banimento. Mas é também a defesa do totalitarismo, que se baseia no unipartidarismo, na proibição de alternativas. É ainda a negação da evidência. Mesmo de uma evidência gráfica, que se mete pelos olhos dentro. Basta reparar num boletim de voto: ali estão listadas todas as possibilidades e cada cidadão só pode escolher uma. Não pode rejeitar nenhuma. E não pode rejeitar nenhuma porque o regime democrático, que está regulado pela Lei Fundamental, não o permite.

É lamentável que este discurso de raiz totalitária, que legitima o banimento, seja cartilha do actual presidente da República. É também revelador da deficiência democrática de tantos que se afirmam democratas e que, durante anos, acusaram de totalitários aqueles que, como o PCP, se excluíam de participar no governo com o argumento de que não o fariam com quem não alinhava com os seus princípios ou o seu programa. Bastou o BE e o PCP manifestarem-se disponíveis e surge o clamor do ai valha-me Deus que não foi para isto que…

Este discurso revela os chamados democratas de oportunidade. Estão bem espalhados e bem espelhados em todos os partidos. Camões retratou-os:

 

“Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,

Muda-se o ser, muda-se a confiança:

Todo o mundo é composto de mudança,

Tomando sempre novas qualidades.

 

Continuamente vemos novidades,

Diferentes em tudo da esperança:

Do mal ficam as mágoas na lembrança,

E do bem (se algum houve) as saudades.

 

O tempo cobre o chão de verde manto,

Que já coberto foi de neve fria,

E em mim converte em choro o doce canto.

 

E afora este mudar-se cada dia,

Outra mudança faz de mor espanto,

Que não se muda já como soía.”

 

Luís Vaz de Camões, in “Sonetos”

3 Comments

  1. Meu caro, você acerta muitas vezes na mouche! Parabéns por mais esta! Bem precisados estamos de que o pessoal perceba que isto já não é como era. E relembrar princípios democráticos só faz bem à saúde!

  2. Como democrata, faço uma análise democrática: o povo português na sua maioria escolheu uma coligação de partidos. Votou noutros partidos não para que o seu voto fosse inútil mas sim que
    Representasse os seus interesses ou modo ou valores na vida.O segundo partido mais votado é dirigido por um golpista que com pretexto que uma vitória obtida por um seu camarada era poucochinha,arranjou uma votação de militantes e simpatizantes!!!! que lhe deu a vitória é arrumou o outro. Nesta votação ,partiu de sondagens altamentes favoráveis e foi perdendo base de apoio e teve uma derrota grandinha. Demitiu-se? Não .Como ia ficar sem emprego se se demitisse então inventou que ,ao contrário de sempre , em que camaradas seus e da oposição sempre viabilizaram os governos da maioria daquele momento, ele inventou agora que : não facilitaria nada para haver um governo do vencedor.Faria um acordo com partidos com zero de afinidade consigo mas ao menos teria este cenário:
    O PR nomearia um governo da coligação. Este governo seria vencido no parlamento quer no programa de governo quer no orçamento. Nesse caso a contra gosto ou não , é face à impossibilidade legal de convocar novas eleições o PR não teria outro remédio senão encarregar o golpista de formar governo com os aliados de momento. É assim o golpista embora segundo ganhava a corrida à primeiro. É o que o país precisa? É o melhor para o país? Isso não interessa nada. O que interessa é que o golpista não foi obrigado a demitir-se ,continua na política e até vai fazer de Pai Natal pois para cumprir tudo o que já prometeu vai rebentar com o país e teremos novamente a troika. Só que …..o PCP na primeira curva vai fazê-lo estatelar e eu vou rir com muito gosto. A história não vai premiar o golpista. Podem crer.

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