IL MANIFESTO – PORTUGAL – A NARRATIVA DA CRISE À PROVA NESTAS ELEIÇÕES – por BRUNO MONTESANO

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Selecção e tradução por Júlio Marques Mota

il manifesto

A narrativa da crise à prova nestas eleições

Hoje há eleições. PCP, Bloco de Esquerda e Livre são as únicas forças anti‑austeridade. Mas Podemos é uma outra história. Reduzem o défice e o desemprego e a propaganda “dos sucessos” obtidos em Lisboa pela  Troika favorece o governo de Passos Coelho. E isto face ao disparar do rácio Divida pública/PIB

Bruno Montesano, La narrazione della crisi alla prova elettorale

Il Manifesto, Itália, 4 de Outubro de 2015

bruno montesano - I
Bruno Montesano, Il Manifesto. Itália. Casa abandonada em Lisboa.

Bruno Montesano, publicado em 4 de Outubro

Ir além de Troika, para lá da Troika, é o objectivo que o governo de Passos Coelho quis assumir, um dos governos mais activos em exigir a aplicação do rigor contra o governo de Alexis Tsipras, na Grécia. A coligação no governo, composta pelo partido centro-direita, PSD, (Partido Social Democrata) e pelo partido de direita, CDS-PP, (Centro Democrático Social – Partido Popular), exporá, no 4 de Outubro, a julgamento pelo voto a sua própria narrativa da crise e da sua superação. De acordo com a última sondagem do jornal Público, a Coligação tem tido êxito em conseguir-se distanciar-se e em muito do Partido Socialista (PS) de António Costa, o qual inicialmente era considerado estar em vantagem.

bruno montesano - II

“A propaganda sobre Portugal como um caso de sucesso funciona fundamentalmente sobre dois indicadores: o défice que desceu dos 11,2% em 2010 para 4,5% em 2014 (hoje considerado em cerca de 7,5% incluindo o resgate do Banco Espírito Santo, ndr) e a taxa de desemprego que terá diminuído de 16,4% em 2013 para cerca de 14,1% em 2014. São de qualquer modo números mais elevados em relação às estimativas do  memorando de 2011, que previa uma taxa  de crescimento de 2,5%, se bem que hoje tenhamos apenas 0,9% — explica Margarida Antunes, professora de Economia da Universidade de Coimbra. O que ninguém pode celebrar é o crescimento do rácio Dívida Pública/PIB de 34 pontos percentuais em relação aos 22 pontos estimados, e que fazem com que a dívida pública tenha atingido 130% do PIB “. E, com efeito, para Francisco Louçã, economista e um dos fundadores do Bloco de Esquerda, “sendo a dívida excessiva a razão da intervenção” então o valor deste rácio da Divida relativamente ao PIB é suficiente para sustentar que a intervenção da Troika foi “uma escroqueria e um meio para destruir os serviços sociais”.

Antunes observa que se em 2011 a taxa de desemprego se encontrava em 12,9%, em 2014 cresceu e atinge os 14,1%. Se considerarmos todos aqueles que são forçados a um emprego a tempo parcial (uma subida de 8 p.p. do peso destes no emprego a tempo parcial) e os que abandonaram o mercado de trabalho e que não procuram emprego (+ de 100 000) atinge-se uma taxa de desemprego de cerca de 21%. Um valor que de toda a maneira ainda não tem em conta outros dois fenómenos: a enorme emigração (cerca de meio milhão de pessoas, ou seja 5% da população) e o aumento do  número de participantes em certas políticas de emprego que passaram a ser considerados estatisticamente como empregados.

A verdade é que nem sequer o Fundo Monetário está, de facto,  convencido do sucesso do governo português e é igualmente verdade que nas declarações feitas em Agosto, no Second Post-Program Monitoring with Portugal, o FMI salienta que a relativa estabilidade portugueses era influenciada por factores externos tais como “o preço favorável das matérias-primas, as baixas taxas de juro e um euro fraco”. O relatório prossegue, dizendo que prevê uma redução no ritmo de crescimento em Portugal para além do curto termo, em relação com o fim do presente ciclo favorável. Mas já na análise do Fundo Monetário Internacional sobre o fim do programa em Maio, relativamente à queda do spread, afirmava-se a importância de factores como a redução do preço do petróleo e a oportuna intervenção de Draghi, mais do que a importância dos aspectos económicos fundamentais, que se agravaram segundo Antunes.

bruno montesano - III

Não obstante isto, depois do Verão do 2014, cessaram as grandes manifestações. Para tentar interpretar um tal fenómeno, Guya Accornero e Pedro Ramos Pinto do CIES (Centro de Investigação e Estudos de Sociologia, in ’Mild Mannered’? Protest and Mobilisation in Portugal under Austerity, 2010–2013) analisam as mobilizações havidas a partir da Revolução dos Cravos, em que se viam suceder manifestações que eram verdadeiros mares de gente, assembleias diárias e ocupações de fábricas, de casas e de terras. A partir daí, a participação política foi progressivamente diminuindo. Muito depende de uma sociedade civil débil, dado que insuficientemente alfabetizada — fenómeno que é um produto do regime salazarista e se realizou durante as várias décadas da existência do regime. Por conseguinte, nos recentes protestos contra a austeridade, prevaleceram as manifestações convocada pelos sindicatos, ainda capazes de mobilizar grandes massas de trabalhadores, em especial no sector público.

Em todo caso, ainda que depois estas manifestações não tenham sido verdadeiros mares de gente, os movimentos sociais terão tido êxito em nelas envolver novas pessoas até aí nada politizadas, chegando-se mesmo a influenciar as práticas dos partidos e dos sindicatos. Tudo isto face a uma opinião pública portuguesa que, de acordo com uma sondagem feita em 2008 pelo European Value Survey, era em mais de 50% contrária a participar em manifestações legais, com apenas 11,7% a ter participado nelas, enquanto que na Espanha, mais de 30% dos entrevistados responderam que já tinham participado em manifestações e havia apenas menos de um terço dos inquiridos a responder nunca o ter feito. De acordo com a socióloga do CIES,  Britta Baumgarten, que estudou os protestos sociais em Geração à rasca and beyond: mobilizations in Portugal after 12 march 2011, a fraqueza dos movimentos portugueses reside, de facto, na predominância, dentro do ciclo de protestos, dos movimentos “clássicos” em que estes estão ligados a questões específicas e circunscritas a um quadro nacional. Quem reclamava democracia e participação para além do Estado-Nação não teve sucesso em enfrentar o discurso oficial. Mas no debate político reflecte-se sobre a possibilidade de um espaço nacional e supranacional do conflito, com a situação grega a funcionar de linha de divisão das águas.

bruno montesano - IV

Assim, em Julho, Boaventura de Sousa Santos, professor de Sociologia na Universidade de Coimbra, sobre o Manifesto afirmou a impossibilidade de um espaço para a esquerda nesta Europa. “O problema não é só europeu mas global, um problema de sistema. Não é possível nenhuma mudança a nível nacional – afirma Antunes – deixando  o neoliberalismo intacto uma vez que, na verdade, qualquer mudança feita neste mesmo quadro é uma mudança à Leopardo. E os partidos socialistas e sociais-democratas têm muitas responsabilidades nesta abordagem“.  Antunes explica a subalternidade cultural do PS inserindo-a numa crítica geral ao socialismo europeu, artífice da construção europeia e que se anunciava já como conduzindo necessariamente ao actual estado de coisas. Mas para Louçã “é impossível contar com a possibilidade de uma divisão entre Merkel e François Hollande quanto a uma mudança das políticas e das regras europeias. Por conseguinte, a saída do euro torna-se a única alternativa possível para contrapor à austeridade “.

Mesmo André Carmo, geógrafo da Universidade de Lisboa e activista do movimento contra os despejos Habita, é extremamente céptico quanto à existência de espaços políticos na zona euro e também quanto ao europeísmo de Costa, intérprete “de uma austeridade inteligente”, dado que “quer permanecer na zona euro e quer respeitar as suas regras, e isto significa que a austeridade continua. Um governo verdadeiramente  democrático, sem necessariamente sair da União Europeia deveria considerar a possibilidade de deixar o euro. De outra forma, permaneceremos uma colónia dos países da Europa ocidental, sempre presos numa gaiola de subdesenvolvimento. Até porque há sempre a possibilidade de procurar recrear um espaço lusófono. “.

bruno montesano - V

Se no Bloco de Esquerda há um debate em redor deste tema, em que nenhuma das posições tem assumido tons nacionalistas, no Partido Comunista Português (PCP) o antieuropeísmo em conjunto com o “patriotismo”, é já uma linha política consolidada. Escapa a esta abordagem Livre/Tempo de avançar, que continua a bater‑se por uma Europa diferente e que nas últimas eleições europeias totalizou 2,2% dos votos. O Partido nasceu em 2013, mas para Carmo, não é de forma alguma o herdeiro dos movimentos de contestação e, portanto, diferentemente do que se diz nos meios de comunicação social, não é equiparável ao Podemos, a partir do momento que não se quer “romper com a alternância PS-PSD mas apenas fazer parte dela, procurando assim influenciar os Socialistas para os tornar mais sociais-democratas e menos ligados à terceira via blairista ”. Ainda que tenha sido o PS a solicitar a entrada da Troika no país, Livre olha para os socialistas: Portugal foi o primeiro país a reagir à austeridade, mas, contrariamente à Espanha e à Grécia, ninguém à esquerda tem tido sucesso em ocupar e integrar na sua luta anti-austeridade o espaço deixado pelo do centro-esquerda que se vergou às exigências da Troika.

Para André Carmo, num contexto em que a maioria das pessoas está convencida do bom senso do neoliberalismo, o Bloco e o PCP, valendo em conjunto cerca de 15% dos votos, esgotam o espaço para uma esquerda de alternativa. O Bloco e os trotskistas  do MAS (Movimento Alternativa Socialista) são vizinhos de alguns grupos de activistas mas, talvez involuntariamente, tentam orientá-los. O PCP, em contrapartida, com a sua abordagem centralista procura constantemente influenciá-los e assim impede-os de se desenvolverem ao manterem os protestos nos limites do regime que procura combater. Mas para Baumgarten “ainda que a CGTP (a maior central sindical do país a que está ligado o partido comunista, ndr) e o PCP tenham ignorado os protestos organizados dos movimentos de contestação, não há nenhuma razão plausível para pensar que estes partidos tenham o poder  de impedir a existência de manifestações de massa. Para além de tudo isto, o facto da Troika ter funcionado como bloqueio à criação de um novo movimento é pois a sua “ história de sucesso” uma vez que deixa  Portugal em 2014 perante um (fraco) crescimento e com a sensação da inexistência de alternativas. A lapidar sentença do Thatcher, TINA, there is no alternative, tornou-se em Portugal uma realidade “, conclui André Carmo.

Bruno Montesano, Il Manifesto, La narrazione della crisi alla prova elettorale, publicado a 4 de Outubro de 2015. Texto disponível em:

http://ilmanifesto.info/la-narrazione-della-crisi-alla-prova-elettorale/

Si rin­gra­ziano Gof­fredo Adi­nolfi e Simone Tulumello

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