9. Caderno de notas de um etnólogo na Grécia – Troikofágico II

Falareconomia1

Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

Revisão Flávio Nunes

 

(Conclusão)

 

O Êxodo dos sitiados e a morte da poeta Lord Byron em 1826 durante o massacre de Missolonghi pelos exércitos otomano e egípcio encontraram um largo eco na consciência grega depois do que se passou a tratar  de um lugar de memória grego e fillileno  de que é  testemunho,  de resto,  o quadro emblemático de Delacroix, “a Grécia e as ruínas de Missolonghi”.Por conseguinte, os símbolos aí estão e desde então.

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Passado histórico. Atenas, Fevereiro de 2015.

 

Os alfarrabistas de Atenas reencontram também neste momento o melhor da memória histórica, a poderem propor aos seus clientes, enquanto a divisa do país (e insurretos da Revolução de 1821) “a Liberdade ou a Morte” reaparece sobre certos muros de Atenas atualizada: “Nunca mais esta carga” (a da dívida) e “o período da crise acabou. Basta de mentiras. A Liberdade ou a Morte”. A morte da Troika tendo já sido tomada como adquirida, falta agora conquistar a nossa liberdade e reconquistá-la custe o que custar. Porque é a primeira vez desde há tantas décadas que um tal ambiente reina então na Grécia. Uma metade praticamente, entre os eleitores da Nova Democracia apoia doravante o governo de SYRIZA-ANEL, mais de 70% dos Gregos apoiam o seu governo, isto é “o nunca visto”. Em Atenas os sitiados organizam-se, armazenam os géneros alimentares, frequentam às vezes certas conferências, por exemplo sobre o tema “de Paideía e a consciência nacional em 1821”, (Paideía significa “educação” ou “criação de uma criança”, fazendo referência a um sistema de instrução da antiga Atenas no qual se ensinava uma vasta cultura). Estes sitiados por conseguinte, vão dançar e cantar nas tabernas, onde é sobretudo possível comer por dez euros por pessoa, os que ainda o podem fazer, em todo caso. E já não têm mais medo.

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O período da crise acabou. Acabaram-se as mentiras. A liberdade ou a morte.  Atenas, Fevereiro de  2015.

 

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Nunca mais a este fardo. Atenas, Fevereiro de 2015.

 

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Estes sitiados dançam e cantam nas tabernas. Atenas, Fevereiro de  2015

 

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Paideía e a consciência nacional em 1821. Atenas, Fevereiro de 2015

 

Enfim, há certas boas notícias. A bolsa desmorona, certas agências de rating rebaixaram a nota da Grécia e dos bancos gregos, por conseguinte tudo vai bem. Tanto mais que o governo SYRIZA acaba de colocar os seus (?) homens nos conselhos de administração de todos os bancos do país, após concertação com os seus líderes e os representantes dos acionistas. Parece então que estes bancos, já moribundos de resto, de facto ficaram parcialmente estatizados. Preparam-se assim para as sequências lógicas ou insensatas, todos observam que em Atenas certas Caixas Multibanco estão já fora de serviço ou vazias, sem que isso provoque tantas emoções como no passado. Mais de metade da população nada mais faz que tentar sobreviver, nas últimas notícias, práticas nos meios de comunicação social, um homem de 32 anos, no desemprego e pai de uma criança, diz-se pronto a publicar um anúncio para vender o seu rim, história de poder alimentar os seus filhos. Os cidadãos armazenam assim alimentos e apresentam-se a sorrir, “às vezes sabe Deus como”. Aqui está um exemplo a mostrar-nos que o mundo já não é o mesmo e que memorando nunca mais regressará, pelo menos na mentalidade do povo grego em geral. O problema é que uma vez não são vezes, este mesmo espírito é partilhado é também partilhado pelos líderes da Grécia, isto num momento excecional, com efeito, em que os governados não se sentem abusados pelos marionetes políticas habituais.

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Os sitiados organizam-se, armazenam alimentos. Atenas, Fevereiro de 2015

 

De onde vem esta amplitude do drama europeísta, esta mentira então tão enorme do demasiado Velho Continente. Uma mentira que não passa mais, em despeito e apesar dos esforços “dos cães de guarda” do financeirismo, da Europa Merkelocromo e do próximo Tratado transatlântico, tal o jornalista empenhado, Jean Quatremer para não evocar senão um caso conhecido. Lembro uma vez mais, que a sequência ao sistema pré-totalitário da União Europeia será o Tratado transatlântico. Negociado em segredo, este projeto ardentemente apoiado pelas multinacionais, permitir-lhes-ia levar a Tribunal qualquer Estado que não se vergue às normas do neoliberalismo, à austeridade na Europa imposta “pelas regras do Euro”, isto é apenas uma antevisão do que poderá assinar. Como o sublinhavam já em 2013 os analistas do “ Le Monde Diplomatique”: “Porque visam liquidar ramos inteiros do sector não comercial, as negociações em redor do APT (parceria transatlântica) e o TPP (Trans-Pacific Partnership, TPP) desenrolam-se à porta fechada. A delegação americana conta com mais de seiscentos consultores mandatados pelas multinacionais, que dispõem de um acesso ilimitado aos documentos preparatórios e aos representantes da administração. Nada deve filtrar cá para fora. Instruções foram dadas para se de deixar de fora das discussões jornalistas e cidadãos: serão informados em tempo útil, com a assinatura do tratado, quando for demasiado tarde para reagir.

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Atenas, Fevereiro de 2015

 

O que os povos na Europa não concebem suficientemente e que nós, os nossos Tsipriotas de SYRIZA fingem esquecer (um pouco), torna-se contudo percetível: o euro e a UE, constituem a fase preparatória de um tal projeto (…) Carolíngios ou não, de resto! O futuro far-se-á em todo caso, mas então o que se pode pensar que venha a ser? Seja, diz-se que o “ Programa Ponte” de Yanis Varoufákis será aceite pelo Eurogrupo, e ainda uma vez mais uma solução (ou “solução”) deixará tempo aos nossos governantes índios de Atenas para preparar o país para o futuro muito próximo que aí vem, para reunir todas as peças do processo relativo às reparações de guerra da Alemanha, e ainda, para poder dispor do tempo necessário de acão e de argumentação para conseguir apagar uma parte “da dívida grega”, em cerca de 100 mil milhões presumo. Se assim não for, é então a entrada do país em falência, a partir deste mês de Fevereiro. A falência da Grécia, na medida em que as elites políticas que governam neste momento a Alemanha farão prova de irracionalidade contra a nossa lógica e como contra qualquer outra lógica. Isto acontece às vezes como se sabe nos líderes deste país, o que é de resto interessante. O outro muro de Berlim?

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Os nossos livros. Atenas, Fevereiro de 2015.

 

Pessoalmente, prefiro a declaração de situação de falência, história de clarificar melhor as coisas comuns e também as escolhas. Seja o que for que Panos Kamménos, ministro da Defesa, tenha acabado de precisar, na segunda-feira 9 de Fevereiro numa entrevista, ou seja que outras fontes de financiamento das necessidades imediatas da Grécia existem, no caso do BCE fechar as torneiras. Evocou a China, a Rússia e os Estados Unidos, acrescentando que a Grécia não deixará a zona euro. “Temos um Plano-B” disse ele. Num outro terreno, o meu amigo Yórgos Vichas, cardiologista e homeopata, fundador em 2011 da Clínica Comunitário Metropolitana em Ellinikón perto de Atenas, a primeira clínica comunitária voluntária em Atenas e que tem como objetivo fornecer gratuitamente, os primeiros cuidados necessários às pessoas em dificuldade social, não desarma na sua posição crítica: toma cuidado! : “Numerosos cidadãos excluídos do sistema da Segurança social foram tratados nos hospitais públicos para patologias muito pesadas, o cancro por exemplo. Seguidamente, o custo dos atos médicos e os tratamentos foi transferido ao fisco, o qual reclama as verbas àqueles que já tudo perderam, e até toda e qualquer atividade económica que os mantenha ligados ao sistema de Saúde. Estas pessoas contam-se então por milhares. Alguns pagaram bem as favas punidos que foram com vários meses de prisão, e às vezes foram mesmo parar à prisão. Outros, excluídos dos hospitais já morreram por falta de meios de saúde. O governo deve imediatamente apagar estas dívidas e quanto à política conscientemente criminosa da Troika e dos governos precedentes, a responsabilidade e a culpabilidade devem ser examinadas em Tribunal penal. E isto muito rapidamente”.

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Um banco em Atenas, Fevereiro de  2015

 

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Nossos concidadãos vitimas da guerra económica. Atenas, Fevereiro, 2015

 

Nossos concidadãos, vítimas da guerra económica, esperam e esperam sempre na urgência. Ter votado bem não nos torna irresponsáveis, bem pelo contrário. “Esta Europa alemã, do absolutismo e do financeirismo selvagem, esta Europa de Schäuble, de Jeroen Dijsselbloem, do Eurogrupo e do BCE, está hoje muito longe, muitíssimo longe da Democracia. Estas pessoas não têm nem necessidade da lógica, e ainda muito menos de diálogo. Os seus instrumentos são o medo e o terror. Muito longe da democracia, muitíssimo longe da isonomia, e sem nenhum respeito pela soberania popular. Exceto, que não compreenderam senão quando fazem encurralar todo um povo e que este último, não tem tido outras escolhas que não fossem a sua dignidade ou então a paralisia pelo terror, e bem, pode acontecer que este povo se ponha finalmente a cantar: “Eu não irei chorar e não tenho medo “ (canção conhecida). Talvez o tenham compreendido na Europa e em tal caso, escolherão o diálogo. Inevitavelmente, a Grécia sabe a partir de agora o que significa dizer SIM a estas pessoas. É tempo, e isso depois da formação do nosso novo governo, para que eles aprendam, por sua vez, o que significa este NÃO grego e sobretudo, a que situação esta resposta pode conduzir.” (Thanássis Karterós, editorialista no diário “Avgí” de SYRIZA, a 8 de Fevereiro de 2015). O meu amigo Lákis Proguídis, era uma pessoa muito próxima de Cornelius Castoriadis. Cornelius dizia-lhe há já alguns anos antes do seu desaparecimento que a questão da UE é uma ilusão de raiz profundamente antidemocrática, ao serviço de uma oligarquia. Doravante, todos nós o confirmamos. Os acontecimentos precipitam-se até se estão a encaixar. Quarta-feira 11 de Fevereiro, estaremos todos presentes em frente ao nosso Parlamento aquando o grande agrupamento de cidadania, para reiterar o nosso imenso NÃO e apoiar (de maneira sempre aberta, ou seja critica) os nossos ministros “Sem Gravatas” presentes no Eurogrupo. Enfrentando o frio e enfrentando nomeadamente o irracional europeísta. A esperança está em marcha.

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O animal de Okeanews

 

9. Caderno de notas de um etnólogo na Grécia – Troikofágico I

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